quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Natal Dentro de Mim

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)


Numa época de tristezas,
Num fim de uma quente primavera,
Vi o menino-Deus num quadro.
O quadro era o mais lindo que jamais tivera.

Sonhei com Ele, o Menino Jesus,
Descendo dos céus por uma fresta de sol.
E vinha atravessando cafezais e outras plantações,
Colhendo (e plantando) muitas florinhas de escol.

Ele vinha feliz, saltitante: menino!
E Ele chegava no primeiro arrebol
Colhia lírios do campo e folhas do inhame
Donde o orvalho refletia a luz do sol

Colheu penas de canários da terra,
Colheu galhos com cafés maduros, 
De pintassilgos, sabiás e jandaias,
Colheu libélulas, besouros, anuros... .

E ria, ria muito, O menino...
Ele ia chegar lá em casa, disso eu já soubera
Pois três reis chegaram da Fazenda Estrela D´Oeste
E me avisaram: o rei dos reis te espera

Me informaram: prepare-se; Ele vai chegar.
E, de longe, eu O via, e ouvia Seu sorriso...
Fiquei com medo de que não tinha compreendido
Como mantê-lo, pois bem tratá-lo era preciso.

Pensei: como pode esse menino,
Ficar andando assim, pelo mundo?
-Ele poderia ser vítima dos maus,
Ou até de algum vagabundo!

-Teria Ele fugido do céu,
Aproveitando-se do sono do Pai Eterno?
Ou teria tido a Divina permissão,
Para fazer de mim um ser humano mais fraterno?

Ele era uma criança muito linda,
Quis eu que Ele morasse comigo; pela eternidade... .
Aos treze anos Ele me acompanhou,
Quando do campo saí, rumo à cidade.

Andamos, passeamos, nos divertimos e choramos,
Ele muito me ajudou na saudade da minha gente!
Aos dezoito, Ele me amparou quando perdi meu pai,
Chorou junto comigo, ficou ali, do meu lado: paciente! 

Aos trinta, Ele ajudou-me a escolher a companheira,
Até os sessenta, sempre comigo: meu amigo!
Para vê-lo é necessário muito amor,
Ele só me aparece na hora do perigo.

Ora, vós pensais que estou maluco,
Falando Deste Ser tão jovem e Divino?
É Natal; sempre me lembrarei Dele,
-Como esquecer meu protetor– Jesus Menino?

Ele mora comigo; dentro de mim!
Olha dentro de meus olhos e tudo o mais ... . 
Hoje encontrei-o macambúzio, talvez
Pensando nas pessoas que perdi nesses natais ... .

O aniversário Dele está chegando,
E este ano eu não posso dar-LHE um presente... .
Perguntei-lhe hoje: -por quê estás junto comigo, 
Por tantos anos, com saúde ou doente?

Disse-me Ele: você não é perfeito, nem um pouco,
Podes crer, tu tens a alma dos poetas
Tu podes errar muito, toda a vida,
Mas alguma rima, verás; que tu acertas!

Depois Ele debruçou-se em meu regaço,
Afagou-me; e pediu que me acalmasse,
E disse-me que amasse minha vida,
Por mais que infortúnios eu passasse.

Disse-me: lá fora, está a aurora,
Mais um dia vem chegando,
Vem a Mim, que te sigo sempre,
Vem, confia: sua sorte está mudando!

Mesmo sem saber por que,
Suas palavras me acalmaram ao final.
Duas lágrimas minhas, Nele respingaram,
Compreendi: Ele me avisava que era Natal.

E essa criança tão humana quão divina
E esta minha quotidiana vida de poeta,
Procuro não ter minha alma pequenina
Procuro a prosa e a rima que, em mim  Ele desperta.

E é porque ele anda sempre comigo,
É que vejo a vida como poeta e sonhador,
E o Seu mínimo olhar me enche da sensação,
E o próprio universo, fala comigo com amor.

A Criança que habita meu ser e meu coração,
Dá uma mão a mim e a outra a tudo que existe,
O mundo, eu e o Deus Menino; vamos os três,
Dar ânimo e alegria para quem é doente ou triste.

E assim vamos os três pelo caminho da existência,
Saltando, cantando, rindo; gozando o nosso segredo,
Vamos tentar encantar o mundo; em toda a parte,
Pois vale muito a pena, se viver com amor e sem medo.

A Criança Eterna acompanha-me sempre,
A direção do meu olhar é a mesma do seu dedo, 
O meu ouvido atento, alegremente recebe os sons,
Das coisas que Ele sempre me diz em segredo.

Ele faz cócegas em meus cérebros e ouvidos,
Juntos jogamos futebol, em campo de relva macio,
Mas, a bola que é o mundo, Ele a sustém,
Por todos os meus dias, por tantos anos a fio... .

Grave, Ele segura a bola do mundo com as mãos,
Ao mesmo tempo em que me fez agora poeta,
E como o perigo é grande, se a bola cair ao chão,
Por isso Ele me incita viver a vida de modo correta.

Depois eu conto-lhe as histórias dos homens
Ri dos reis e dos que não são reis, nem rainhas,
Ele me sorri, porque para Ele, tudo é incrível.
E tem pena de ouvir as lamentações minhas.

Depois que Ele adormece, deito-o em minha cama,
E levo-o ao colo para meu quarto e do meu coração,
Ele dorme junto da minha alma, que reclama,
Velo por Ele, noite e dia; com toda a devoção.

Mas, às vezes Ele acorda em meio à noite,
Bate palmas, faz piruetas, sorri; me acena,
Enquanto meu coração sofre açoites da vida,
Ele faz com que minha tristeza seja pequena.

Peço hoje a Ele, que no ocaso da minha vida,
Que Ele me leve à sua divina casa e à sua cama,
Que conte-me histórias, dê-me sonhos, para eu brincar,
E que eu possa, enfim, descansar junto a quem me ama... .

PS:tema baseado num poema do poeta português Alberto Caeiro


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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