Os governadores civis sempre foram os representantes políticos do Governo nos distritos. Independentemente das maiores ou menores competências de que dispunham, em função dos códigos administrativos e da legislação complementar, a política regional sempre se desenvolveu sob a inspeção/ação do Governador Civil.
Os extensos poderes de que os governadores civis dispunham, ampliados politicamente pelo facto de, com exceção do Porto e Lisboa, não existir nos distritos qualquer outro poder, real ou simbólico, alternativo ao seu, acabaram por ser reforçados ao longo dos séculos XIX e XX, por três razões fundamentais:
• a sede do Distrito rapidamente se transformou no centro por excelência dos serviços do Estado – educação, saúde, registo civil, segurança, assuntos fis cais, obras públicas, etc. –, e das empresas, o que fez surgir aí uma elite com formação cultural e técnica sem paralelo;
• o Distrito veio a ser adotado pelos partidos políticos como o espaço por excelência da sua estruturação regional, realidade essa que o próprio Partido Republicano veio a adotar, mantendo-se com a Primeira República, passando relativamente incólume o Estado Novo, e que perdurou até ao presente; devido a tal facto, o Distrito veio a transformar-se no quadro referencial do sistema eleitoral para a escolha de deputados;
• a província, enquanto circunscrição administrativa e autárquica, quer entre 1832-1835, quer entre 1933 -1959, embora por diferentes fatores, nunca se revelou uma opção de sucesso, de forma a pôr em causa a solução distrital.
Funcionando como agentes políticos da confiança do Governo, os governado res civis procuravam garantir, antes de tudo, no Distrito, os interesses daquele, influenciando, aliciando, comprando e reprimindo, de forma a garantir a vitória do partido ou partidos do Governo nas eleições.
| João Carlos Noronha, Governador Civil de Bragança (1931-1933) |
Trindade Coelho, na sua obra, demonstra de forma indesmentível a validade desta prática no que diz respeito ao Distrito de Bragança, assim como o jogo de bastidores que se desenvolvia em Lisboa, entre os “influentes”, os “caciques” do Nordeste Trasmontano e o ministro do Reino, sempre que pertenciam ao mesmo partido político.
E se nem sempre, contrariamente ao que pretende Freitas do Amaral a propósito dos governadores civis, “mudando o Governo, mudavam automaticamente os magistrados administrativos”, a verdade é que, regra geral, tal acontecia. Veja-se, por exemplo, como é que numerosos governa dores civis de Bragança, tanto no século XIX como nos tempos mais recentes, souberam da sua substituição pelos seus sucessores ou pela imprensa.
Com a República, malgrado nobres declarações de intenções, a verdade é que o Governador Civil continuou a manter intacta a histórica preponderância política dos seus antecessores monárquicos e portanto a utilizar os mesmos processos do “honesto sistema” descrito por Eça de Queirós.
Este período é caracterizado pelo gradual declínio do papel desempenhado pelas oligarquias locais na vida política, o qual tinha sido relevante na fase final da Monarquia. Emergem, no entanto, novas camadas sociais, onde avultam já, não os proprietários agrícolas, mas os médicos, advogados e professores.
O Estado faz sentir, de forma mais premente, a sua presença na província. À medida que esta mutação se processa, o Governador Civil, até então, de certo modo, mediador entre o Estado e as elites locais, torna-se progressivamente dependente da oligarquia partidária e estatal.
Não é pois de admirar que, a partir de 1913, os governadores civis saiam invariavelmente das fileiras do Partido Democrático, se excetuarmos os períodos da Ditadura de Pimenta de Castro, do “sidonismo” e do Governo nacionalista de Ginestal Machado.
A crise permanente que se instala progressivamente no regime republicano não veio mudar estas práticas, já que cada novo Governo procurou colocar à frente do Distrito agentes políticos de confiança, que, como outrora, se encarregavam da organização das eleições e, obviamente, do sucesso eleitoral do seu próprio partido.
| Pedro Vicente de Morais Campilho, Governador Civil de Bragança (1941-1944) |
O estatuto social e político de que gozava a personalidade nomeada para Governador Civil do Distrito de Bragança pesava fortemente na sua capacidade de influência. É evidente que um militar, um abastado proprietário ou um político prestigiado, que exercera já outro ou outros cargos políticos, não pode ser comparado a um funcionário público ou bacharel que, pela primeira vez, era chamado a exercer tais funções.
Por outro lado, a maior ou menor duração do seu mandato ou a renovação do mesmo, são determinantes quanto ao papel político exercido por tal magistrado. A permanência de um Governador Civil no Distrito permitia a constituição de uma sólida rede de influências, a contenção dos seus opositores, o reforço do seu poder. Mais, era a melhor garantia de que, gradualmente, o Governador Civil passava a ser cada vez menos o agente político do Governo no Distrito e cada vez mais o representante do Distrito junto do Governo.
Este interesse pelo Distrito, a assunção, por parte do Governador Civil, dos reais interesses e aspirações da sua circunscrição, tornava-se mais efetiva quando aquele magistrado era natural do mesmo. Nesse caso, o Governador Civil conhece bem os seus problemas e carências, interpreta melhor as suas legítimas ambições, é o porta-voz privilegiado da «opinião» das suas populações. Intervém para reclamar subsídios e melhoramentos do Governo, para conciliar as diferentes posições assumidas por municípios e freguesias, exerce uma magistratura de influência que afeta os mais diversos aspetos da vida do Distrito… para reforçar logicamente as posições da força partidária a que pertence e o seu prestígio pessoal. Não é por acaso que, não raras vezes, o Governador Civil é também o chefe, no Distrito, do partido político que se encontra no Governo. Estão, neste caso, por exemplo, Carolino de Almeida Pessanha (1870), Eduardo José Coelho (1879-1881), Ferreira Margarido (1890-1894) e António Teixeira de Sousa (1894-1896).
Se nem sempre consegue nomear quem sugere e demitir quem lhe faz frente, mesmo durante o Estado Novo, a verdade é que o seu poder era, no Distrito, muito forte. Como escreveu Trindade Coelho a propósito do Distrito de Bragança na viragem do século XIX para o século XX, “a carta de Governador Civil, lá para os meus sítios, tem foros augustos…de Carta Régia”. Durante o Estado Novo, então, o poder do Governador Civil, sobretudo no mundo rural, como era o caso do Distrito de Bragança, assumia contornos reverenciais e até de temor, o medo afinal que só as ditaduras sabem difundir entre a população.
| Francisco José de Sá Vargas Morgado, Governador Civil de Bragança (1968-1970) |
Relativamente aos governadores civis de Bragança, ficamos surpreendidos com o facto de só um pequeníssimo número daqueles serem naturais do Concelho de Bragança, oito, num total dos 90 de que apurámos a origem geográfica. Com efeito, apenas Venâncio Ochoa (1835-1836), Firmino João Lopes (1890), Carlos Leitão Bandeira (1919), Francisco Sá Vargas (1968-1970), Telmo Moreno (1981-1984), António Oliveira (1990-1995), Francisco Cepeda (2000-2002) e Jorge Gomes (2005-2011) nasceram no Município bragançano – quando muito podemos juntar-lhe Abílio Augusto Madureira Beça (1900-1904) que, embora tendo nascido em Vinhais, desde cedo passou a viver em Bragança.
| Abílio Machado Leonardo, Governador Civil de Bragança (1970-1974) |
Decididamente, podemos concluir que os critérios de escolha dos governadores civis de Bragança nunca passaram pelo recrutamento de natureza local, dependendo assim, quase exclusivamente, dos governos que os nomeavam.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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