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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 11 de setembro de 2021

O que procurar no Verão: o trovisco

 Não sei bem explicar o motivo, mas recordo que esta terá sido uma das primeiras plantas que me aventurei a identificar nos meus primeiros dias de estudante. Talvez por ter sido uma planta que me acompanhou durante a minha infância, com que me cruzava diariamente no caminho de casa para a escola.

Foto: Luis Fernandez Garcia/Wiki Commons

Não lhe conhecia o nome, mas a singularidade dos seus ramos e dos seus frutos, em particular nesta época do ano, deixava-me encantada. Como é que uma planta tão bonita estava nas matas e não se via nos jardins?

Hoje vou falar-vos do trovisco (Daphne gnidium), uma espécie da família Thymelaeaceae, também conhecido vulgarmente como trovisco-fêmea, trovisqueira, erva-de-joão-pires, gorreiro, lauréola-macha, mezereão-menor, matapulgas.

O Trovisco

O trovisco é um arbusto perenifólio, que pode crescer até 2 metros de altura. É muito ramificado a partir da base, formando uma pequena copa arredondada. Os seus ramos são patentes e rígidos mas flexíveis.

As folhas são persistentes, coriáceas, acuminadas (pontiagudas e ligeiramente curvas na ponta), sem recortes e sem pelos. São de cor verde-azulada, em tons claros, e têm glândulas odoríferas na página inferior. Possuem pecíolos curtos, que as ligam aos ramos, têm uma forma linear a lanceolada e dispõem-se alternadamente umas em relação às outras.

A floração do trovisco é tardia e prolongada, podendo ocorrer a partir do final da primavera, e assim manter-se durante os meses de verão e início do outono.

As flores são hermafroditas (femininas e masculinas), aromáticas e tubulares. Não possuem pétalas, apenas quatro sépalas de cor branco-creme ou levemente amareladas. Surgem agrupadas em inflorescências terminais, semelhantes a cachos com uma forma cónica, ou por vezes piramidal, em conjuntos de 10 a 60 flores.

A maturação dos frutos ocorre durante o verão e o outono. O fruto é uma drupa carnuda, globosa a ovóide e ligeiramente pubescente. De coloração verde (no início), passa pelo laranja-avermelhado e finalmente veste-se de negro brilhante, quando madura. Possui uma única semente por fruto.

É frequente haver flores e frutos em simultâneo e, na primavera, as flores chegam até a aparecer antes das folhas novas.

Espécie nativa 

O trovisco é uma espécie nativa da Região Mediterrânica e das Ilhas Canárias.

Em Portugal, é comum em todo o território nacional, ocorrendo numa grande diversidade de habitats. Em algumas regiões formam-se verdadeiras comunidades arbustivas, denominadas troviscais.

É uma espécie comum em bosques perenes e caducifólios, associada a inúmeras espécies do género Quercus, tais como o carvalho-alvarinho (Quercus robur), o sobreiro (Quercus suber), a azinheira (Quercus rotundifolia) e a carvalhiça (Quercus lusitanica).

Também pode ser vista noutros ambientes florestais, como matos esclerófilos (adaptados a secas prolongadas), matagais, terrenos incultos e na orla de caminhos; por vezes, no sob coberto de pinhais, zimbrais, matos costeiros e dunas interiores.

Foto: Colin C. Wheeler/Wiki Commons

Esta espécie tem preferência por climas quentes, locais com exposição solar plena, solos pobres, rochosos e bem drenados. Desenvolve-se bem em regiões secas, é capaz de resistir a longos períodos de seca e é tolerante a temperaturas até -5ºC.

Além do trovisco (Daphne gnidium), existe uma outra espécie nativa do género em Portugal: a Daphne laureola ocorre de forma natural em três ilhas dos Açores (São Miguel, Pico e Terceira). Em Portugal Continental é conhecido um único local de ocorrência, na Serra de Sintra.

Segundo a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e a União Internacional para a Conservação da Natureza, estima-se que a população nacional de Daphne laureola seja inferior a 600 indivíduos, estando portanto classificada como espécie Criticamente Em Perigo em Portugal Continental.

Planta ecologicamente importante

O trovisco é uma planta ecologicamente importante, sendo uma das primeiras plantas a surgir após a passagem de um incêndio florestal. Nas dunas, surge na zona de interseção com a floresta estabilizada.

Além disso, os seus frutos são muito apreciados pelas aves, o que contribui para aumentar a biodiversidade dos locais onde prolifera.

Alguns insetos lepidópteros são atraídos pelo odor característico destas plantas, como é o caso da traça da videira (Lobesia botrana), que usa esta planta para depositar as suas larvas.

No entanto, todas as partes da planta são altamente tóxicas, incluindo os frutos, o que afasta os restantes animais. Por esse motivo, é uma planta que salta à vista em zonas de pastagem natural, pois é a única que se mantém intacta no meio da restante vegetação “devorada” pelos animais.

Tóxica, medicinal e multifacetada

A toxicidade desta planta deve-se à presença de alguns compostos químicos altamente tóxicos – várias cumarinas (dafnetina, dafnina, etc.) com propriedades vesicantes – que em contacto com a pele e as mucosas produzem irritação, ulceração e queimaduras fortes, podendo levar à destruição dos tecidos. As reações mais comuns são as dermatites.

A ingestão ou aspiração em doses elevadas pode produzir um efeito asfixiante, gastroenterite, diarreia e, em casos mais graves danos nos rins, ritmo cardíaco irregular ou até causar a morte.

Foto: gailhampshire/Wiki Commons

Como acontece com todas as plantas venenosas, o trovisco possui propriedades medicinais surpreendentes. É uma planta anti-inflamatória, tintureira, anticancerígena, insecticida, antisséptica, emética, purgativa, vulnerária e abortiva.

Devido à elevada toxicidade recomenda-se o seu uso apenas em caso de prescrição médica.

Mas para além das propriedades medicinais, o trovisco tem múltiplas aplicações:

É um eficaz insecticida natural, nomeadamente contra piolhos e formigas. Quando queimado, em combinação com rosmaninho, é um excelente repelente para afastar as cobras, devido ao cheiro intenso libertado pelas duas plantas em conjunto.

O trovisco também é conhecido pelo seu valor cosmético. Na Idade Média, a infusão e maceração das folhas eram utilizadas para disfarçar os cabelos brancos e a maceração da casca, em vinagre, era usada como desinfectante de feridas.

Os ramos são usados no fabrico de vassouras para varrer as eiras e a casca é uma excelente corda natural devido à sua flexibilidade e resistência, podendo fazer-se nós muito firmes.

Valor ornamental

Já do ponto de vista paisagístico, o trovisco é uma boa solução ornamental.

É uma planta esteticamente agradável pela sua forma e tom da folhagem. As pequenas flores brancas, reunidas em cachos na extremidade dos raminhos, profusamente abundantes na primavera e no verão e que bem contrastam com o verde da folhagem e os frutos coloridos, são sem dúvida um bom motivo para querer ter esta planta em qualquer jardim ou espaço verde.

Foto: jailluch/Wiki Commons

Além disso, não necessita de grandes cuidados de manutenção e é resistente às condições atmosféricas, mesmo as mais adversas.

No entanto, a sua instalação em qualquer espaço verde deve ser bem ponderada, evitando-se locais frequentados por crianças e animais.

Mitos e crenças

A designação científica do trovisco está associada a um forte simbolismo mitológico. O nome do género Daphne deve-se à ninfa por quem Apolo se terá apaixonado e que terá perseguido. Ao fugir dele, acabou por se transformar num loureiro (Daphne é a designação grega para o loureiro).

Já a denominação gnidium advém do latim Cnidius, de Cnido, antiga cidade grega localizada na costa da atual Turquia, famosa por aí existirem vários santuários dedicados a Afrodite, deusa do amor, da beleza e da sexualidade.

Desde os tempos pré-históricos o trovisco tem sido usado como amuleto e repelente de espíritos malignos. Em algumas regiões da Europa acreditava-se que o trovisco protegia contra as bruxas e era usado como amuleto contra feitiços.

Apesar de ser uma planta que afasta animais e bruxas, foi das primeiras plantas que me chamou a atenção e atraiu para o mundo fascinante da botânica. E que, ainda hoje, me deslumbra.

Dicionário informal do mundo vegetal:

Patente – ramo que se insere segundo um ângulo próximo de 90º.
Coriácea – folha que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.
Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos. 
Linear – folha estreita e comprida (comprimento é 6 a 12 vezes mais do que a largura), com margens quase paralelas.
Lanceolada – folha com forma semelhante a uma lança.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames). 
Tubular – flor que possui a forma de um tubo muito alongado.
Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.
Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Carine Azevedo

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