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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

AS COISAS [...] — MADE IN BRAZIL

Foi tempo em que os portugueses iam ao Brasil abanar a árvore das patacas, para regressarem anos depois, de panamá na cabeça, charuto nos beiços e cachuchos nos dedos, gordos e celibatários, à cata de noiva. A obra de Camilo está cheia destes assim-chamados brasileiros de torna-viagem — e na história pessoal do romancista também há um desses brasileiros, como se sabe. 
 Hoje, é o Brasil que vem até Portugal abanar a nossa débil árvore das patacas, que no fim de contas não deve ser tão débil assim. Há pelos vistos duas árvores das patacas: os dentes dos portugueses, por um lado, e, por outro, as atribulações dos mesmos portugueses em matéria de saúde, amor, dinheiro, negócios, etc., etc.
 Vejamos estas importações de profissionais 'made in Brazil'.
 Os dentistas brasileiros estão aí em força. Dá-se um pontapé numa pedra e salta um. Os dentistas portugueses não gostam da concorrência e querem barrar-lhes o caminho. Em azedos bate-línguas televisivos, chegaram a ouvir-se acusações graves como cinismo e chantagem. Acabo por não saber de que lado está a razão. Mas sinto-me tentado a puxar as orelhas dum senhor deputado das bandas di lá, que veio com mais uns tantos pressionar o Governo português e teve na televisão um discurso arrebatado, terceiro-mundista, a puxar à lágrima. Não estranhei o discurso; estranhei foi que ninguém lhe tenha ido à mão quando o excelentíssimo senhor, possuidor de não sei quantos diplomas, teve esta provocação grosseira: ‘No Brasil, o curso de dentista é de quatro anos; se aqui precisam de mais, o problema é vosso.’ Provocação grosseira e imoral. Porque, se os dentistas brasileiros se contentam com menos de cinco anos, o problema continua a ser nosso. Quando é que chega afinal a vez de o problema ser dos brasileiros?
 A importação de astrólogos, bruxas e oficiais de ofícios correlativos tem sido mais pacificamente aceite em Portugal do que a dos dentistas. Pelo menos ainda não ouvi nenhuma associação de classe portuguesa barafustar contra esta revoada de catatuas que nos chega de além-Atlântico. Provavelmente porque o negócio dá para todos e não está instalada uma situação de crise, ou, como o povo diz, de sete cães a um osso. De facto os portugueses são um povo cheio de problemas: eles são abandonados pelos seus amores, eles têm espinhelas caídas, eles são vítimas de maus olhados, eles sofrem de atrapalho, e tutti quanti. E o menor problema de todos não é decerto esta queda para o sobrenatural rasteiro, que carreia fortunas para a burra de indivíduos que, por via de regra, apesar da indigência cultural, têm o lume no olho bastante a engrampar a ignorância e a credulidade alheias. 
 Vila Real — e mais é uma cidadezinha atrás dos montes — continua a atrair especialistas nesta matéria. Ainda há pouco foi distribuído profusamente um panfleto nas ruas, tão impagável que era mesmo de uma pessoa se urinar a rir. Há uns meses tinha sido distribuído outro. E garante-me quem sabe que ambas as anunciantes não tiveram mãos a medir no depenar dos patos, perdão, no atendimento dos consulentes. Um país de tanta mazela física e espiritual não pode ir longe.
 O panfleto de há meses garantia eficácia contra essa misteriosa e sinistra entidade que é o ‘atrapalho’. Este de agora, garante-a contra muitas outras coisas, incluindo o ‘rezo’. Transcrevo um parágrafo: ‘Rezo – asma – bronquites – espinhela caída – mau olhado – inveja – e outros males espirituais.’ Lá está o misterioso rezo. Que demónio de moléstia virá a ser esta, que emparceira assim com a asma e ‘outros males espirituais’ para atormentar as pessoas? Não sei, nem tenho à mão uma enciclopédia de candomblé que me tire a excruciante dúvida. Mas capacito-me que seja pelo menos tão grave como os ‘problemas de intimidade particular’, que a astróloga também afirma curar. Intimidade particular. Que pena a sua ciência não alcançar igualmente os problemas de intimidade pública! Aí sim, tinha pano para mangas.
 Ainda há dias foi julgado — e muito bem — um sujeito por exercício ilegal da Medicina, e mais estava muito discreto a trabalhar num hospital qualquer. E tolera o poder judicial que uma astróloga cure a asma e a bronquite? Lá o rezo e o atrapalho, estou como o outro que diz. Agora a asma e a bronquite? Essas não são do foro da Medicina? Qualquer astrólogo as pode curar?

 Pedem-se providências.

(Repórter do Marão, 29 de Novembro de 1991)

A. M. Pires Cabral

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