A encarniçada propaganda dos bancos comerciais que anda à compita todos os dias na imprensa e na televisão procura convencer-me de que eles, bancos, são a melhor solução para todos os meus problemas financeiros. Um senhor vestido de farmacêutico procura convencer-me de que o Panadol é o produto mais eficaz contra as dores de cabeça. O médico receita-me meio comprimido de Xanax quando ando em maré de insónias. O colchão Colunex e a almofada anatómica prometem o fim das dores de coluna enquanto o diabo esfrega um olho. Os astrólogos que enxameiam as páginas publicitárias das revistas tipo Maria garantem-me que está nos astros a resolução dos meus problemas familiares, sentimentais, etc., etc. Os doutores Cavaco Silva e Falcão e Cunha proclamam que em Portugal não há desemprego, ou o pouco que há, comparado com o de outros países, faz de nós um paraíso laboral.
E assim por diante.
Eu, obediente a todo este ‘marketing,’ acredito piamente. Mas a minha fé dá hoje uma reviravolta ao descobrir na caixa do correio um panfleto oriundo de uma organização religiosa (presumo) não identificada, que jura a pés juntos que (passo a transcrever:) «se o seu problema é: Familiar, sentimental, dor de cabeça constante, dor de coluna, insónia, desemprego, nervosismo, vícios, problemas financeiros, etc... Existe uma solução! Jesus.»
Não sei quantas mais aflições humanas estarão escondidas por detrás daquele etc. Presumo que todas. Ora aí está uma coisa surpreendente: o fim de todos os padecimentos com um remédio só. A panaceia universal incessantemente buscada pelos alquimistas no segredo dos seus laboratórios — finalmente ao nosso alcance!
Respeito todas (repito: todas) as confissões religiosas, desde que correspondam a uma vontade genuína, antiquíssima e incoercível de o homem se situar perante o transcendente. Mas conservo em relação a todas elas um distanciamento que me permite a lucidez suficiente para ver quando se transferem do campo da religião para o campo da crendice e da superstição. Estavam os bancos comerciais, o Panadol, o Xanax, o Colunex e a almofada anatómica, os astrólogos, o doutor Cavaco Silva e o doutor Falcão e Cunha bem servidos se fosse verdade o que diz o panfleto.
Não contesto que a fé em Jesus Cristo produza efeitos surpreendentes sobre os nossos males. Não se diz que ela remove montanhas? Mas daí até apresentar o doce nazareno como específico para as dores de cabeça constantes, e da coluna, mais devagar.
Lembra-me isto irresistivelmente uma das frechas ervadas de Guerra Junqueiro, na Velhice do Padre Eterno, contra os que inculcavam a água de Lourdes como milagrosa. Transcrevo, a título de exemplo, duas estrofes:
E assim por diante.
Eu, obediente a todo este ‘marketing,’ acredito piamente. Mas a minha fé dá hoje uma reviravolta ao descobrir na caixa do correio um panfleto oriundo de uma organização religiosa (presumo) não identificada, que jura a pés juntos que (passo a transcrever:) «se o seu problema é: Familiar, sentimental, dor de cabeça constante, dor de coluna, insónia, desemprego, nervosismo, vícios, problemas financeiros, etc... Existe uma solução! Jesus.»
Não sei quantas mais aflições humanas estarão escondidas por detrás daquele etc. Presumo que todas. Ora aí está uma coisa surpreendente: o fim de todos os padecimentos com um remédio só. A panaceia universal incessantemente buscada pelos alquimistas no segredo dos seus laboratórios — finalmente ao nosso alcance!
Respeito todas (repito: todas) as confissões religiosas, desde que correspondam a uma vontade genuína, antiquíssima e incoercível de o homem se situar perante o transcendente. Mas conservo em relação a todas elas um distanciamento que me permite a lucidez suficiente para ver quando se transferem do campo da religião para o campo da crendice e da superstição. Estavam os bancos comerciais, o Panadol, o Xanax, o Colunex e a almofada anatómica, os astrólogos, o doutor Cavaco Silva e o doutor Falcão e Cunha bem servidos se fosse verdade o que diz o panfleto.
Não contesto que a fé em Jesus Cristo produza efeitos surpreendentes sobre os nossos males. Não se diz que ela remove montanhas? Mas daí até apresentar o doce nazareno como específico para as dores de cabeça constantes, e da coluna, mais devagar.
Lembra-me isto irresistivelmente uma das frechas ervadas de Guerra Junqueiro, na Velhice do Padre Eterno, contra os que inculcavam a água de Lourdes como milagrosa. Transcrevo, a título de exemplo, duas estrofes:
Se a água faz milagres, o que eu vos não discuto,
E por isso a adorais,
Ajoelhemos então em face do bismuto
E doutras drogas mais.
Façamos da magnésia e clorofórmio e arnica
As hóstias do sacrário;
Transformemos o templo enfim numa botica,
E Deus num boticário.
De facto, convenhamos que Jesus é algo mais do que uma aspirina. É muito duvidoso que inculcá-lo como analgésico acrescente seja o que for à sua glória e à nossa adoração por ele.
(Repórter do Marão, 28 de Julho de 1995)
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