Isso mesmo foi defendido no sábado, na Casa da Seda, em Bragança, palco de uma velada raiana promovida pela associação Rionor.
“Ainda temos acesso a muitas florestas, podemos entrar no mercado do carbono. Isso é uma medida de recurso mas tendo em conta que somos uma região com pouco poder económico, podemos entrar nesse mercado e usar isso como uma vantagem competitiva a nosso favor”, defendeu Ivone Fachada, moderadora da sessão e diretora do Centro Ciência Viva de Bragança.
Já Javier Callado, médico veterinário espanhol, defendeu que uma região como esta pode exigir contrapartidas pelo contributo para a descarbonização.
“Quem não chora, não mama”
“Estas zonas com alta capacidade de depuração e que estão sub-ocupadas, servem para compensar o excesso em zonas como Porto, Lisboa, Barcelona, Madrid ou Sevilha.
Estas zonas têm a oportunidade de desenvolver novas formas de ocupação, de negociar compensações pela sua capacidade de depuração, até porque se está a pedir o sacrifício de criar instalações fotovoltaicas, torres eólicas e barragens, porque chove menos.
Se não faz frio, não há condensação. Sem condensação, não há chuva. Sem chuva, não há água.
A visão espanhola é uma visão mais descentralizada, com a qual Portugal pode aprender algumas coisas. É preciso negociar e ter uma compensação pelo que a Terra Fria Transmontana oferece ao resto do país. Atravessei estes bosques magníficos, com uma verdura impressionante, pois o aumento do calor também está a fazer com que as árvores cresçam mais e tenham mais capacidades de depuração. Mas isso tem de ter uma compensação económica, não pode ser um balanço meramente ecológico.
Essa compensação tem de ser feita pelos Governos. Mas tem de haver interlocutores que a peçam, se não, ninguém a vai dar. Como se costuma dizer, ‘quem não chora, não mama’”, frisou Javier Callado.
O veterinário lembra que as alterações climáticas se vêm até em pequenas coisas.
“Notam-se as alterações climáticas em pequenas coisas, como a chegada das moscas picadoras, que só existiam na cordilheira cantábrica (norte de Espanha). Começaram a passar essa cordilheira nos anos 90. Mas há mais sinais. Vim de León, fiz 180 quilómetros, e o meu para-brisas chegou limpo. Não há insetos. E como não há insetos, há muito menos pássaros. E como há menos pássaros, há menos predadores e, logo, há mais ratos e coelhos.
As alterações climáticas não é só o fazer mais calor ou mais frio, pressupõe outras coisas, que me preocupam muito, como a produção de comida.
Nós, Seres Humanos, temos o (bom ou mau) costume de comer três vezes ao dia e isso é muito, em termos de consumo de biomassa.
Com uma necessidade de consumo de alimentos tão alta, vamos ver uma redução de alimentos muito importante”, sublinhou.
Conflitos com Espanha
Para além disso, Javier Callado antevê a necessidade de rever os tratados que regulam a gestão da água entre os dois países, como nos rios Douro, Tejo ou Guadiana.
“Vai ser fonte de conflitos e haverá que renegociar os tratados porque não há capacidade de embalse. Há que começar a pensar na capacidade de autoprodução de todos os países com centrais geradores de água a partir da atmosfera, uma tecnologia que já existe ao nível industrial e que é um tema em que é preciso pensar seriamente.
Já há fábricas com capacidade de geral cinco metros cúbicos por dia de água a partir da condensação. Isto tem de ser uma fonte acrescida de água.
Mas vai haver um conflito entre os dois países. Em León já houve protestos por deixar passar água do Douro para Portugal.
É preciso alcançar um ponto de equilíbrio mas devemos estar conscientes de que vivemos uma nova situação”, frisou.
Por outro lado, apontou que a situação em algumas regiões espanholas “é preocupante”.
“No Interior de Espanha há uma área que se está a subtropicalizar. Isso significa que o regime de chuvas se tem reduzido drasticamente.
Há que ter em conta que na Catalunha, em Cuenca, com montanhas de mais de três mil metros de altitude, está com 26 por cento de reservas de água. Isto num país como Espanha, que é, talvez, o que tem mais capacidade de embalse comparativamente com o seu tamanho. Isso é muito grave.
Acabam de decidir dar água mas apenas para manter as árvores vivas, para que não morram. Mas não para produzirem fruto, pois não há água nem para viver.
Esta mudança é dramática em algumas zonas. Podemos vir a assistir a uma reconfiguração do povoamento da Península Ibérica”, apontou.
Também João Ortega, arquiteto brigantino, acredita que haverá oportunidades.
“Em relação à nossa região, penso que será importante percebermos que a par dos problemas, as alterações climáticas podem ser também uma oportunidade.
A geografia sempre foi um dos pontos a favor ou contra o desenvolvimento das regiões. A verdade é que as alterações climáticas já nos estão a afetar. Mas a região tem fatores de competitividade que antes das alterações climáticas não eram tão evidentes, como as energias renováveis (temos um território extenso em relação à população que o ocupa).
Outra oportunidade é ver se o território comporta população ou não. As alterações climáticas vêm introduzir este fator pois é preciso território para haver sustentabilidade”, frisou.
Por outro lado, lembrou a “responsabilidade de cada um” nesta questão, que é transversal a todo o mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário