(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
– Por favor, não pise a relva
– Porquê?
– Porque não se deve pisar...
– E porque não?
– Porque ao pisá-la estraga-se!
– Estrago? Mas estrago, como? A melhor utilidade da relva é precisamente para se andar nela. Se ao fazê-lo a estrago, afinal que utilidade tem?
– O problema é precisamente esse. A relva não é para pisar.
– Ora esse é um grande engano. Não há outra utilidade para a relva. Aliás a maior utilidade é precisamente a possibilidade de ser pisada. Veja que os relvados mais úteis são os dos estádios... e esses são pisoteados exaustivamente. E bem. Tal como os campos de golfe...
– Há a utilidade ornamental! O verde é bonito e ecológico.
– Verde? Eu prefiro o colorido das rosas e a policromia do xisto. Se a intenção é esverdear o espaço então bastaria pintá-lo de verde...
– Não é a mesma coisa!
– Pois não, mas há muitas outras opções. Há verdes tão ou mais ecológicos! E úteis... Já a relva
– O que tem a relva?
– É uma pura e simples demonstração de luxo e ostentação. A sua utilidade histórica é nula. Tradicionalmente entreteve os nobres britânicos, sobretudo escoceses que, numa altura em que os terrenos agrícolas eram valiosíssimos, pavoneavam a sua riqueza e abundância rodeando os seus exuberantes palácios com uma cultura que apenas servia para ser luxuosamente tratada e onde era proibido caminhar. A proibição servia precisamente para acentuar a inutilidade! Como tal espalhou-se e vulgarizou-se tal pretensa serventia de para nada servir, mas sendo quase obrigatória nos espaços públicos. De tal forma que não há jardim que se preze, rotunda que se considere, enquadramento que se estime que não tenha um pedaço, uma faixa ou uma simples nesga da verde e inútil erva. Não me parece que a trivialidade britânica seja, de per si, justificativo suficiente para justificar a utilização massiva com financiamento público.
– Não me parece que haja tal relevância no que diz. A relva ornamenta de forma natural e não se conhece alternativa digna e credível.
– Não creio. O facto de ter sido usada intensiva e extensivamente não, só por isso, razão para justificar o que quer que seja. Quanto à alternativa, obviamente que existe! Sempre existiu. É tal qual como o ovo de Colombo. Antes de o navegador o colocar de pé, toda a gente garantia que tal era impossível. Ora a opção existe e foi já experimentada e com muito êxito apesar de ter sido contestada no início, sendo contudo, já totalmente aceite e interiorizada. O grande mestre da arquitetura paisagista Gonçalo Ribeiro Teles resolveu, em boa hora e com muita sabedoria substituir o relvado frontal ao edifício da Sede da Fundação Gulbenkian pela reprodução de um pardo alentejano. É igualmente verde, é bonito, ecológico e pode pisar-se à vontade. Prados e lameiros há em número suficiente para servirem de modelo e dispensam placas de aviso e recomendações irritantes!
– E é só isso?
– E acha pouco? Veja bem as diferenças enormes em todas as dimensões
– Dimensões? Que dimensões?
– Pelo menos tantas quantos os dedos de uma mão: Simbolismo, uso, economia, ecologia e sustentabilidade. A relva ornamental nasceu da arrogância exibicionista dos lordes insulares, sem qualquer utilidade prática, tendo servido apenas para mostrar o fausto onde ocupavam largamente os seus jardineiros a plantá-la, mantê-la e regá-la. Ao contrário do prado, não é biodiversa nem promove a biodiversidade. É, isso sim, um sorvedouro de água que, nos tempos que correm, para além do atentado ambiental, representa o oposto do uso racional deste precioso recurso natural e a par do atentado ambiental pode ser visto como uma afronta a quem dela precisa, por boas razões. O culto da relva não é consentâneo com o natural e recorrente apelo ao uso racional e moderado da água.
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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