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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 2 de novembro de 2024

Sabotagem no Paraíso - Quarta parte - O Plano B

 Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar;
E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão.
E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada.
 
Versículos 21, 22 e 23 do livro do Génesis

Por: Manuel Amaro Mendonça
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


O fracasso dos três emissários em fazer regressar Lilian era embaraçador e só deixara o Criador ainda mais frustrado: não era possível que aquela mortal tivesse a audácia de desobedecer. O facto de a terem amaldiçoado, em nada contribuía para o Seu objetivo e era apenas uma vingança mesquinha, por despeito.

O livre arbítrio era uma coisa complicada, nem os anjos tinham tanta liberdade; podiam tomar decisões independentes e enveredar por este ou aquele caminho, mas apenas na ausência de uma ordem direta. Como poderia lidar com uma criatura que mentia e omitia sem qualquer pejo e recusava-se a cumprir o que lhe ordenavam?

Chegava à conclusão que fora um erro ter criado Adam e Lilian da mesma forma. Inexplicavelmente, embora partilhassem ambos dos mesmos elementos, da mesma inteligência, curiosidade e vontade de aprender, o homem mostrou-se mais submisso e obediente do que a mulher. É verdade que ele tentou sobrepor-se a ela desde o primeiro dia e desde essa altura ela mostrou-se insubmissa exigindo igualdade ao companheiro.

Estava decidido. Teria de arranjar nova mulher para Adam, uma mais ligada a ele, dependente e que não o desafiasse.

Quando o homem dormia, o Criador extraiu uma das suas costelas que misturou no caldo de terra, fogo, ar e água com que formou a nova mulher. Uma vez mais era uma criatura belíssima, mas desta feita com cabelo escuro e olhos castanhos. Segredou ao ouvido da concha vazia as palavras que lhe davam a vida e ela estremeceu, animou-se e sorriu ao Pai.

Chamou-lhe Rrava[1], que quer dizer vida, seria aquela que daria a vida à humanidade, a partir de Adam, que quer dizer terra[2]. Era aquela a segunda mulher do paraíso e desejou que o seu nome fosse menos enganador ou suscetível a deceções como sucedera com Lilian, que significa pura, inocente[3]. Agora queria esquecê-la e começar de novo.

Na mente do Criador, digladiavam-se agora várias fugas no segredo da existência do seu projeto; o escândalo à volta da fuga de Lilian, o facto de ela poder revelar coisas como a localização, o desconhecimento de quem fora o insidioso velhaco causador da sua fuga. Precisava de mais segurança e isso implicava envolver mais elementos; dois querubins, empunhando as suas espadas flamejantes, foram invocados para a segurança do jardim.

A paz voltou então ao paraíso. Rrava, que proveio de Adam, partilhava da sua simplicidade, sendo a sua curiosidade mais pura e menos insaciável. Ambos se quedavam fascinados a escutar o canto cristalino do rio nas pedras, o sussurrar do vento nos ramos das árvores, ou mesmo a conversar com os outros animais, que Lilian achava tão limitados.

O Criador voltara aos Seus ensinamentos, falando-lhes da Sua Criação, de como tudo se interligava, preparando-os para o dia os tiraria da segurança do jardim e esvaziaria a Terra de todas as aberrações que a conspurcavam.

Ele não interferia, mas olhava com preocupação para o que acontecia para lá dos muros invisíveis do Jardim do Éden. Os humanos selvagens, para além das suas limitações em termos de força e tamanho, conseguiam sobrepor-se a outros seres mais possantes. Derrotavam centauros, gigantes e ogres, ainda que com grandes perdas. Os outros deuses pareciam desinteressados em proteger as suas criações, ou haviam resolvido deixar os selvagens à sua vontade, na luta pela sobrevivência. A sua tenacidade e inteligência acabavam por compensar a falta de força da espécie humana. Alguns pequenos agrupamentos de casas de adobe tonavam-se aldeias à medida que mais casas iam sendo construídas para albergar a população que crescia.

Nunca fora intenção do Criador que os humanos dominassem o fogo, ou utilizassem os ossos dos animais que matavam para fazerem armas e as suas peles para vestuário, mas reconhecia que, se assim não fosse, não teriam nenhuma hipótese contra as outras espécies criadas para os exterminar. O equilíbrio natural era quase perfeito e, nesse aspeto concordava com as vozes contra a criação dos humanos, eles eram uma rotura nesse equilíbrio. O animal-inteligente, ao contrário do animal-força-bruta,, estaria predestinado ao sucesso. Nada de répteis gigantescos, desajeitados e brutos como aqueles que povoavam a Terra na primeira fase… ainda bem que acabara com praticamente todos, ou quase, os que restaram desapareceriam com o tempo. Chegara à conclusão que detestava cobras e lagartos.

O ser humano era o mais próximo que podia existir da face mais frágil dos anjos, que Ele amava profundamente. Como estes últimos eram imortais e tinham em si um demónio furioso, removeu na sua criação a capacidade de se transformar, ficar invisível ou incorpóreo, deu-lhes, contudo, a capacidade de questionar e tomar decisões de moto próprio. O ser humano não se sentiria compelido a seguir as ordens do Criador, se tal não pretendesse, mas também o seu tempo de vida seria finito, se algum deles Lhe desagradasse, bastaria ignorá-lo até que chegasse ao fim dos seus dias… embora por vezes a Sua Infinita Paciência se esgotasse e mandasse Samael acabar com ele, ou eles. Sabia que o arcanjo nem sempre cumpria a totalidade das missões e a sua compaixão acabava por deixar vivos alguns elementos dispersos das tribos que fora incumbido de eliminar até à última alma, mas não se importava, também Ele sofria por mandar castigar os Seus filhos.

Lilian estava agora também a testar a Divina Paciência e a desafiar as Suas ordens. Ignorá-la, seria fácil e apenas teria de esperar algumas centenas de anos até que ela envelhecesse e morresse, para Ele seria o mesmo que uns minutos na escala temporal divina. A simples existência dela, porém, incomodava-o e prejudicava a sua atenção ao projeto. Quem sabe se não mandaria Samael visitá-la para eliminar o problema.

Também não pretendia, assim que os dois humanos do Seu jardim estivessem prontos, deixar vivos os outros, cheios de vícios e maldade no coração cultivados nas constantes lutas pela sobrevivência. O Seu jardim produziria aqueles que iriam povoar o mundo; humanos e outros animais a coexistirem livremente. A Terra teria de ser um lugar de paz e concórdia, para isso, sofreria uma purga quase total. O próximo evento de extermínio seria para apagar da face do planeta todos os seres com algum nível de inteligência, que não estivessem sob o seu controlo e não fossem da Sua Própria Criação.

[1] Eva em hebraico é Chava, que deriva da palavra "vida". CH em hebraico tem o som de RR, logo Chava = Rrava.

[2] Adão em hebraico é adam. Assim ele se chama, pois a Torá nos conta que Deus tirou-o da terra, que significa adamá em hebraico. Com esse mesmo radical temos a cor vermelha, adom que pressupõe que a terra era vermelha como o barro. Todos somos descendentes de Adão, por isso ser humano é ben adam, que literalmente significa filho de Adão.

https://www.hebraicosimples.com/post/nomes-b%C3%ADblicos-significado-em-hebraico

[3] Como este texto trata-se de uma adaptação livre do Génesis, assumi que Lilith, a existir, não se chamaria assim, terá tido um nome hebraico, daí ter escolhido Lilian (porque não?). Só terá começado a ser chamada de Lilith mais tarde, associando-a ao demónio feminino Liliu da Mesopotâmia.


Manuel Amaro Mendonça
é licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia pelo ISLA de Gaia. Nasceu em janeiro de 1965, em Portugal, na cidade de São Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos; a Terra de Horizonte e Mar.
Foi premiado em quatro concursos de escrita e os seus textos foram selecionados para mais de duas dezenas de antologias de contos, de diversas editoras e é membro fundador do grupo Pentautores (como o seu nome indica, trata-se de um grupo de cinco autores) que conta já com cinco volumes de contos publicados.
É autor dos livros "Terras de Xisto e Outras Histórias" (2015), "Lágrimas no Rio" (2016), "Daqueles Além Marão" (2017), “Entre o Preto e o Branco” (2020), “A Caixa do Mal” (2022), “Na Sombra da Mentira” (2022) e “Depois das Velas se Apagarem” (2024), todos editados e distribuídos pela Amazon.
Colabora nos blogues “Memórias e Outras Coisas… Bragança” https://5l-henrique.blogspot.com/, “Revista SAMIZDAT” http://www.revistasamizdat.com/, “Correio do Porto” https://www.correiodoporto.pt/ e “Pentautores” https://pentautores.blogspot.com/
Outros trabalhos estão em projeto, mantenha-se atento às novidades em http://myblog.debaixodosceus.pt/, onde poderá ler alguns dos seus trabalhos, ou visite a página de autor em https://www.debaixodosceus.pt/ 

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