Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Ultimamente, vários amigos têm falado das memórias do velho Liceu Nacional de Bragança, dos seus professores e funcionários. Como preito de homenagem a Eduardo Carvalho, distinto professor do Liceu e respeitado estudioso da História de Bragança e das suas gentes, aqui reproduzo um texto publicado aquando do falecimento do nosso Professor.
De ano para ano esta cidade vai ficando mais pobre com a morte de homens que desde sempre povoaram o nosso imaginário como sendo homens de Bragança. Desta vez foi a partida do Dr. Eduardo Carvalho que nos deixou este vazio, esta perda maior do amigo, mas também esta ausência da autoridade, do suporte ideológico e da sabedoria em relação a muitos assuntos.
Quando me lembro do Dr. Eduardo Carvalho, lembro-me sempre de Bragança, do castelo, da Domus Municipalis, do rei Brigo, ou da povoação de Bemquerença, pois este estudioso de Bragança gastou-se na secura das Bibliotecas, dos Arquivos à cata dos documentos que fossem a réstia de luz para a explicação das antiquíssimas origens da cidade de Bragança e das suas gentes.
Para mim, Eduardo Carvalho, nos tempos da minha Juventude, era o protótipo do longe, do Professor, da austeridade, do intocável, do rigor frio onde não se vislumbrava um sinal de emoção.
Nada mais errado, pois esta era a capa onde Eduardo Carvalho guardava um coração de poeta, dum sonhador de grandes ideais para a humanidade, que nunca desfaleceu na sua luta, mesmo no tempo de repressão e dos horrores da PIDE.
Lidei de perto com o Dr. Eduardo Carvalho à volta de questões literárias, políticas e sociais. Quando me encontrava, cumprimentava-me com aquele sem ar formal, distante, com quem está de mal com o mundo e com a ignomínia dos homens. Mas a conversa prosseguia e paulatinamente Eduardo Carvalho transformava-se num homem dócil, afectivo que se emocionava até às lágrimas com as pequenas coisas da vida. E falava-me das suas experiências, do seu tempo de exílio político, da sua poesia, dos seus textos dispersos por uma imensidão de publicações. Ultimamente andava já muito cansado, mas com uma enorme paixão pelo seu árduo trabalho em prol da Fundação “Os nossos Livros”, legado precioso do seu amigo Águedo de Oliveira.
Este Bragançano que recentemente nos deixou, para nossa mágoa, era o protótipo do homem transmontano, da têmpera de Francisco Felgueiras, de Miguel Torga, do Abade de Baçal. Homem rijo, daqueles que antes preferem quebrar do que torcer. Emoldurado no seu eterno chapéu era o garante que a dignidade e o respeito ainda são possíveis numa sociedade decadente.
Tive a honra de suceder na Direcção da Revista “Amigos de Bragança”, a dois ilustres Bragançanos, Francisco Felgueiras e Eduardo Carvalho. Recordo-me como ficou emocionado quando lhe manifestei o meu desejo de dar continuidade ao projecto dos “Amigos de Bragança”. Vi que, o velho Director renasceu e no primeiro número da 9ª Série dos “Amigos de Bragança”, do qual já eu era Director, Eduardo Carvalho publicou um texto que era quase um testamento, um testemunho de passagem e de continuidade dum projecto que lhe foi tão querido e onde publicou trabalhos de inigualável qualidade e rigor científico.
Eduardo Carvalho partiu, mas continuará para sempre entre nós, perpetuado nos seus livros, nos seus artigos científicos, na memória dos seus alunos do Liceu Nacional de Bragança, na obra magnífica da Fundação “Os nossos Livros”, nos “Amigos de Bragança” mas ficará, sobretudo, nas nossas memórias mais gratas e na ternura do nosso amigo que foi descansar depois duma árdua e honrosa caminhada.
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
O Dr. Eduardo Carvalho nunca foi meu Professor.
ResponderEliminarPara que as Memórias não se percam, nem as minhas, vou-vos contar duas histórias, dois episódios. Um antes do 25 de Abril e outro depois…
Como todos nos lembramos, os alunos dos anos 70 do século passado do Liceu Nacional de Bragança, os invernos eram frios, eram todos frios, eram “dos de verdade”.
ANTES:
Entrando pela porta principal do Liceu e depois de passar a secretaria, mais a sala de primeiros socorros, sala da comissão de gestão e outras… era a sala de convívio.
Um corredor com mesas, bancos de correr e cadeiras do lado direito e uns radiadores do lado esquerdo e que eram os únicos que funcionavam. Os alunos que chegavam mais cedo às aulas, como era o meu caso já que morava ali ao lado, tiravam as luvas e iam aquecer as mãos e conversar um pouco. Alguns professores entendiam, sabe-se lá porque razão, que aquele lado não era para estar ocupado apesar do corredor ser suficientemente largo.
Um dia qualquer… aparece ao início do corredor o Dr. Carvalho. Ficou parado. Olhou para o lado esquerdo, para o lado dos radiadores. Os meus colegas e as minhas colegas desistiram porque souberam entender a mensagem. Eu também a entendi. Todos saíram de junto dos radiadores (lá fora nevava).
O Dr. Carvalho, prosseguiu o seu caminho. Parou junto a mim, olhou para mim e eu para ele, não me disse nada e seguiu para o seu trabalho…
DEPOIS:
Trrriiiiiiimm. Hora do intervalo.
A descida pelas escadas para aproveitar os 10 ou 15 minutos de intervalo era feita com rapidez.
Depois de sair da sala de aula, acendi o cigarro. Nas escadas entre o 1º piso e a sala do bar (rés do chão), numa imensidão de alunos a descer ía o Dr. Carvalho a subir.
Senti uma sapatada na mão, onde tinha o cigarro. O cigarro caiu. Mais uma vez, olhámos um para o outro… O Dr. Carvalho não subiu e eu não desci. Acendi outro cigarro. Voltámos a olhar um para o outro. Ele subiu, provavelmente para a sala dos professores à espera da próxima aula e eu lá fui até ao intervalo…
Se bem me lembro, o Alberto Pires (de Vimioso) vinha a descer comigo as escadas e presenciou este episódio que conto).
Situações impossíveis de acontecer hoje em dia. A primeira nem comento, a segunda era impossível porque jamais acenderia um cigarro num estabelecimento de ensino.
Mas amigos, era assim. É por estas, e por outras, que a história, os episódios, os tempos têm que ser analisados sem sofismas e enquadrados somente na altura em que aconteceram. E nós enquanto jovens, temos ainda muito que aprender.
O Dr. Carvalho era um Democrata e eu era um jovem com poucas ou nenhumas dúvidas, a única seria que tipo de cola utilizar para que os cartazes ficassem bem colados, mas que não sabia muito bem o que era ou iria ser… engraçado… ainda hoje não sei.
Bragança precisava URGENTEMENTE, de homens com o mesmo, ou idêntico, calibre.
HM