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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

O Cavaleiro das Sombras - Capítulo I – O Guardião das Portas


 A neve caía em silêncio sobre as muralhas de Bragança. O vento assobiava pelos adarves, penetrando nas pedras antigas como se quisesse despertar memórias esquecidas. Afonso, envolto no seu pesado manto escuro, caminhava lentamente ao longo da torre norte. O frio não lhe era estranho, nascera e crescera naquele clima áspero, mas naquela noite o gelo parecia colar-se à pele como um presságio.

Do alto, os seus olhos perscrutavam o vale branco. Os rios serpenteavam imóveis, quase petrificados pelo gelo, e as aldeias mais distantes eram manchas adormecidas. Contudo, algo lhe chamou a atenção… uma sombra que se movia nas franjas da floresta. Afonso estreitou o olhar. Não era lobo, nem pastor atrasado. Havia algo de errático naquele passo.

- Outra vez… murmurou para si, apertando o punho sobre o punhal.

No dia seguinte, a notícia espalhou-se. Pegadas foram encontradas junto às muralhas, grandes, profundas, impossíveis de serem humanas. Chamaram Lídia, a Curandeira, que apareceu com a sua cesta de ervas pendurada ao ombro. A jovem ajoelhou-se sobre o gelo, passando os dedos delicados pelas marcas.

- Isto não pertence a bicho da serra. Disse séria. - Nem lobo, nem javali.

- Então o quê? — perguntou Afonso, com a voz grave.

- Algo que não devia andar neste lado do mundo.

Os guardas trocaram olhares desconfortáveis. Lídia ergueu-se, encarando Afonso diretamente.

- Precisas chamar Baltasar. Ele conhece histórias que os livros não contam.

À noite, junto à lareira da taberna, Baltasar, o andarilho das serras, batia com o seu bordão no chão, atraindo a atenção dos que o ouviam. O velho tinha a barba desgrenhada e olhos que brilhavam como brasas.

- O Cavaleiro das Sombras desperta sempre que os invernos ficam demasiado longos. Anunciou, deixando o silêncio cair sobre o grupo. - Quando as muralhas choram gelo e o vento sopra como lamento, ele regressa para reclamar o que lhe foi tirado.

Alguns riram, tentando disfarçar o desconforto. Mas Afonso não riu.

- Estás a dizer que é ele quem caminha junto à floresta?

Baltasar inclinou-se para diante, a voz reduzida a um sussurro:

- Não digo. Sei.

Naquela mesma noite, as nuvens abriram-se e a lua iluminou as muralhas. Afonso, sozinho no adarve, ouviu o som metálico de passos atrás de si. Voltou-se rápido, e ali estava. Uma armadura antiga, negra como a noite, caminhava sem corpo dentro dela. O elmo vazio refletia a lua, e cada passo fazia ecoar um som de ferro contra pedra, um som que não vinha do mundo dos vivos.

- Quem és? Gritou Afonso, erguendo a espada.

A figura parou. O silêncio pesou ainda mais do que o frio. Então, uma voz cavernosa, feita de vento e sombra, respondeu:

- Sou o que nunca partiu. Sou a memória das muralhas. Sou a dívida por saldar.

Antes que Afonso pudesse avançar, a figura desapareceu na névoa, deixando apenas pegadas geladas que se dissolviam no ar.

Na manhã seguinte, Lídia encontrou-o exausto, sentado contra a pedra fria da torre.

- Viste-o, não foi? Perguntou. A sua voz era um misto de medo e de certeza.

Afonso ergueu os olhos, firmes, apesar do cansaço.

- Sim. E sei que regressará.

Baltasar, que os observava à distância, apenas murmurou para si mesmo:

- Então começou outra vez…

E o inverno de Bragança, com as suas muralhas cobertas de neve e montanhas a guardar segredos, tornava-se palco de uma nova guerra, não entre exércitos de carne, mas entre vivos e sombras.

Continua...
HM

N.B.: A narrativa e os personagens fazem parte do mundo da ficção. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas reais, não passa de mera coincidência.

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