Havia um tempo em que as horas não se mediam por notificações, mas pelo número de tacadas dadas numa mesa de bilhar. O verde do pano era um palco silencioso onde cada jogada era pensada como se fosse a última, e o som seco das bolas a embater ecoava como aplausos discretos.
O Orlando, emigrante em França, trazia sempre de férias o seu taco que estimava como ninguém. A mim fazia-me alguma confusão vê-lo juntar/aparafusar as duas metades do taco e não utilizar o giz que o salão de jogos do Flórida disponibilizava. O Orlando bem me dizia e não se cansava de o fazer:
- Calma. Pensa. Se tacares assim, onde vão parar as bolas. Pensa sempre na próxima jogada se conseguires fazer esta. Junta as bolas. Eu lá ia assistindo às jogadas intermináveis dele, 20/30 jogadas seguidas e de vez em quando, por sorte, eu lá conseguia dar 3 ou 4 tacadas que me enchiam de peito.
Mais tarde, já no snooker que ele evitava jogar, a vitória só por muito azar não pendia para o meu lado.
Nos cantos dos cafés, os matraquilhos giravam num frenesim de mãos hábeis, enquanto a bola fugia e regressava, como se tivesse vontade própria. Ao lado, mesas de xadrez, damas, ping pong e dominó, juntavam jovens e velhos, cada um trazendo no olhar histórias diferentes, mas unidos pelo mesmo prazer do jogo.
O fumo do tabaco desenhava nuvens lentas no ar, misturando-se com o aroma intenso do café acabado de tirar. Depois umas cervejas… E as conversas, longas, animadas, cheias de gestos, davam ritmo às tardes e noites que pareciam não ter fim.
Era um tempo de presença verdadeira, onde os amigos se encontravam não por acaso, mas porque fazia parte da vida. E, no fundo, entre tacadas, risos e partidas disputadas, aprendíamos o que hoje parece raro, a arte de estarmos juntos.


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