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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

A história do Ford Fordson FA-16-14, um dos primeiros carros de Bragança


 Corria o ano de 1950.

Havia já 3 anos que a lã ia sendo paulatinamente comprada por toda aquela região transmontana, para além da Lombada e acumulada no armazém, à espera que o preço da arroba subisse um pouco, coisa que tardava a acontecer por aquelas bandas.

O lucro não era muito, mas aquela parecia ser a altura certa para vender.

-  Pai, é melhor falar com o Sr. Manuel Correia para levar a carrada da lã ao Porto.

E assim aconteceu, em Maio de 1950, parte de Babe (Bragança), um camião carregado com toneladas de lã, em direcção à Rua do Freixo nº 905, no Porto, zona tipicamente comercial, onde se situava a grande lavandaria de lã Henrique Augusto Guedes & filhos.

Depois de alguma negociação, foi fechado o negócio da venda da lã por 42 contos de reis. Não era uma fortuna, mas era um valor considerável na época.

Dá-se então início à concretização de um sonho antigo, quando anos antes, na ferradoria do Manuel “Ferrador”, onde guardavam os cavalos nas viagens Babe/Bragança, vê uma mota a um rapaz de Rabal que estava na tropa.

-    Quando eu for para a tropa quero comprar uma mota igual, Pai.

O Pai anuiu, mas chegada essa altura…

-    Então ainda queres a mota?

-    Não Pai, agora quero um carro!

A tropa e a mota ficaram no passado… o carro seria a ferramenta ideal e única para transformar o negócio para outra dimensão e geografia.

Em 1949, com 22 anos e já com mais de meia dúzia de anos a trabalhar, a reinventar e liderar o negócio dos pais e avós, ruma a Lisboa, para casa do tio Manuel Inácio Praça, homem muito respeitado na baixa comercial da capital, onde era proprietário da vidraria

Império e por quem nutria uma grande amizade, admiração e cumplicidade, pois era apenas 20 anos mais velho.

Ali permaneceu um mês para tirar a carta, pois na cidade de Bragança na época ainda não era possível.

Mas era agora mais a norte que tudo acontecia.

Depois de uma noite mal dormida na Pensão Universal, na baixa do Porto, tal era a ansiedade, pai e filho atravessam a Avenida dos Aliados e entram no Palácio Ford.

Fazendo o balanço entre a necessidade de um carro de caixa aberta, a conveniência de um carro fechado e o dinheiro no bolso, as atenções viram-se para um furgão de generosas dimensões, 7 lugares e bancos rebatíveis. Era o carro ideal!

Entram e saem do stand algumas vezes por uma diferença de 500 escudos… meio conto de Reis… o carro custava 42.500 escudos e a lã só tinha rendido 42.000 escudos.

Bem, lá teria que ser… já estavam convencidos a desembolsar mais 500 escudos, mas com aquele instinto negociador e numa última tentativa, entram novamente mas com o argumento que iam comprar a outro lado.

O vendedor, Sr. Seixas, desabafa: pois bem, levem lá o carro pelos 42 contos!

Tinha começado a epopeia!

Feito o seguro na companhia Social da rua Sá da Bandeira e já com o carro carregado de “potes”, “atados de aço” e mais algumas novidades que por isso mesmo pouco tempo paravam nas prateleiras, o jovem de 23 anos que tinha tirado a carta há um ano em Lisboa, que poucas ruas do Porto conhecia, pega no volante e descobre que o carro tinha no sítio do acelerador o travão! Sim, embraiagem no pedal da esquerda, na direita o travão e no meio o pedal para acelerar. Seria preciso mais uma dose de coragem para tirar o pé do travão e colocar no acelerador!

Tinham pela frente mais de 250 km, em estrada com mais curvas que rectas, de alcatrão rarefeito e a serpenteada serra do marão para atravessar, que apesar da água fresca das fontes, fazia embrulhar o estômago ainda mais.

Mas era um sonho em concretização e nada dá mais força que isso. Eram 9h da manhã.

Depois de 11h de viagem, em que as palavras entre ambos ficaram no pensamento e a merenda sobrava, chegam a Babe pelas 8h da noite.

Ainda sem perceber bem como tinham chegado, o pai segura dois quadros que trazia para a esposa, um com a imagem do Sagrado Coração de Jesus e outro de Maria Sua Mãe e diz:

-    Líria, olha, foram Estes Dois que nos trouxeram para casa!

O pai chamava-se Alberto Rodrigues Praça. A mãe, Líria da Cruz.

O filho, César Américo da Cruz Rodrigues Praça.

O carro, um Ford Fordson, matrícula FA-16-14, com motor de 1172cm3 de cilindrada, caixa de 3 velocidades, 30cv de potência e velocidade máxima de 64km/h, foi o primeiro carro de toda aquela região transmontana e acabou por ser também um motor de desenvolvimento!

O jovem empreendedor, que me relatou esta sua história de vida, tem hoje 98 anos e é o meu amado Pai.

António Rodrigues Praça

In: “Memórias que transbordam” Agosto 2025

António Rodrigues Praça

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