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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

António Teixeira de Sousa - Os Governadores Civis do Distrito de Bragança (1835-2011)

 13.dezembro.1894 – 23.janeiro.1896
SABROSA, 5.5.1857 – PORTO, 5.6.1917

Médico. Administrador de empresas públicas.
Licenciado em Medicina pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
Procurador à Junta Geral do Distrito de Vila Real (1885). Deputado (1890-1892; 1893; 1894-1895; 1896-1897; 1897-1899; 1900). Governador civil de Bragança (1894-1896). Ministro da Marinha e Ultramar (1900-1903). Par do Reino (14.1.1901). Ministro da Fazenda (1903-1904; 1906). Presidente do Conselho de Ministros (1910). Ministro do Reino (1910).
Natural da freguesia de Celeirós, concelho de Sabrosa.
Filho de Dionísio Teixeira de Sousa, padre.
Sobrinho de Joaquim Teixeira de Sampaio, deputado e par do Reino.
Casou com Ana Joaquina de Sampaio e, enviuvando, casou em segundas núpcias com a irmã desta, Emília Teixeira de Sampaio. Teve três filhos, António, José e Alice.
Grã-Cruz da Ordem de Afonso XII, Espanha (1907).

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António Teixeira de Sousa nasceu na freguesia de Celeirós, Sabrosa, filho do padre local e de uma das suas paroquianas. Embora se desconheçam pormenores da sua infância, tudo indica que a passou próximo do pai, não obstante a sua condição de eclesiástico. Estudou no Liceu de Vila Real, entre 1874 e 1877, e ingressou na Academia Politécnica do Porto no ano letivo de 1877-1878, onde fez os preparatórios para a admissão à Escola Médico-Cirúrgica do Porto, na qual, entre 1878 e 1883, cursou Medicina com distinção, tendo apresentado no seu último ano o trabalho Inervação do coração e ganho o Prémio Macedo Pinto, destinado ao melhor estudante do curso.
Iniciou a sua carreira em 1883, como médico do partido municipal no concelho de Valpaços, passando no ano seguinte a diretor técnico do Estabelecimento Termal das Pedras Salgadas, cargo que ocupou até 1897. Nesse período, em 1885, foi nomeado cirurgião ajudante do Exército, condição em que se manteve por poucos meses, já que entretanto iniciou a sua carreira política como procurador à Junta Geral do Distrito de Vila Real, pelo concelho de Alijó, e como este lugar era incompatível com o de médico militar, abandonou o Exército no mesmo ano.
A partir de 1897, exerceu também clínica termal em Vidago, tendo já publicado alguns estudos sobre termalismo. Foi, aliás, acionista da Empresa das Águas do Vidago, à qual deu vigoroso impulso como sócio-gerente, cargo que exerceu até ao fim dos seus dias, atribuindo alguma imprensa da época à sua vontade férrea a construção do monumental Vidago Palace Hotel.
Os elevados cargos públicos e políticos que viria a assumir posteriormente pouco tiveram a ver com a sua formação médica, mas muito com a notabilidade que angariou a nível regional e depois nacional. Para a sua imagem de poderoso cacique local muito contribuiu a sua robusta compleição física, bem como o seu caráter de provinciano, direto, quase bruto, não desprovido todavia de afabilidade. Assim o evocava um dos seus epitáfios: “Profundamente afetuoso, a despeito do aspeto rude de transmontano, tinha o condão de atrair amigos, de fazer prosélitos, e assim conquistou uma larga influência que se acentuou principalmente na província em que nascera e em que teve o seu maior baluarte político” (O Comércio do Porto, 6.6.1917).
A adesão ao Partido Regenerador foi decisiva no seu trajeto político, tornando- se paulatinamente uma das suas figuras proeminentes, até alcançar a chefia partidária, já no derradeiro ano da Monarquia, quando foi também chefe de Governo, o último do regime, mas também muito ficou a dever às suas amizades nos meios capitalistas, onde se destaca Francisco Isidoro Viana, fundador e diretor da Casa Bancária Fonsecas, Santos & Viana (mais tarde Banco Fonsecas & Burnay) e da Companhia dos Tabacos de Portugal, que viria a colocar Teixeira de Sousa no bem remunerado lugar de inspetor do círculo do norte da Companhia de Tabacos, cargo que exerceu durante uma década (1891-1900), financiando ainda a sociedade comercial que o político formou em 1897 para adquirir a já referida Empresa das Águas do Vidago.
Os altos postos administrativos que lhe renderam grandes honorários e vastas redes de influência não ficaram por aqui: em 2 de maio de 1904, foi nomeado pelo Governo de Hintze Ribeiro diretor-geral das Alfândegas do Reino, exercendo ainda as funções de presidente do Tribunal Superior do Contencioso Técnico Aduaneiro e presidente do Conselho da Administração-Geral das Alfândegas. Cinco anos mais tarde, em fevereiro de 1909, acumulou aquelas funções com as de governador do Banco Ultramarino, até obter licença sem vencimento do lugar de diretor-geral das Alfândegas em dezembro de 1909. Demitiu-se desses empregos no dia 25 de junho de 1910, quando constituiu Governo.
Foi pois em Trás-os-Montes, juntamente com outro regenerador da sua geração, António de Azevedo Castelo Branco, que se revelou como um notável da região.
Entre 1884 e 1892, colaborou no jornal dirigido por aquele sobrinho de Camilo, O Distrito de Vila Real, passando depois a escrever noutro periódico que se iniciou como órgão do Partido Regenerador, O Vilarealense. Mas a consolidação da sua influência local ocorreria numa altura de encerramento do Parlamento, quando por despacho de 13 de dezembro de 1894 foi nomeado governador civil de Bragança, cargo de que tomou posse em 21 de dezembro de 1894 e exerceu até 23 de janeiro de 1896, pedindo nesta altura a exoneração para regressar à atividade parlamentar.
Este era, então, um distrito de tumultuosa vida política, onde o Partido Progressista detinha clara hegemonia. Todavia, conseguiu fazer terminar o predomínio do núcleo progressista em Bragança, o qual não se abalançou a disputar nem as eleições legislativas nem as municipais. Como refere então a Gazeta de Bragança, em 1895, “de Bragança, onde tem pousio político o Sr. Eduardo Coelho, têm sido enviadas umas correspondências para os jornais progressistas e republicanos, em que bem se vê como as hostes do impetuoso político brigantino se sentem feridas pela firmeza de ação do Dr. Teixeira de Sousa. Já o sabíamos.
O governador civil de Bragança não lhes saiu de panos quentes. Espírito reto e forte, destrói-lhes, com um sucesso que os confunde, o castelo de bugalhos onde tinham firmado o poderio do Sr. Eduardo Coelho. […] O Dr. Teixeira de Sousa foi o diabo que apareceu em Bragança. Aquilo ia tão bem!”
A radicação do Partido Regenerador naquelas paragens foi, na verdade, pelo menos em grande parte, obra sua, gabando-se à época de não haver então “uma pedra na minha província que eu não conheça!” E a imprensa do distrito não lhe poupou elogios, reconhecendo-o como “uma energia guiada e esclarecida por um espírito pronto, largo e prático. Por isso, um estadista que se compraz principalmente na ação”.
Iniciou o seu percurso como deputado em 1890, com 33 anos de idade, e deixou de desempenhar tais funções em 1900, sendo nomeado par do Reino em 29 de dezembro desse ano, com tomada de posse em 14 de janeiro de 1901. Moveu-se pois nas lides parlamentares durante duas décadas. Eleito ainda em 1889, ano em que fixou residência em Lisboa, pelo círculo uninominal de Alijó, com a dissolução da Câmara dos Deputados em 20 de janeiro de 1890, após duas semanas incompletas de funcionamento, não chegou a prestar juramento. Foi reeleito nesse mesmo ano e pelo mesmo círculo, para a legislatura de 1890-1892 ( juramento a 3.5.1890). Ainda pelo mesmo círculo, em 1892, foi novamente eleito para a legislatura de 1893, desta feita como “regenerador-governamental” ( juramento a 16.1.1893). No ano seguinte, voltou a ser eleito por Alijó para a curta legislatura de 1894 ( juramento a 17.10.1894).
Em 1895, foi eleito para a legislatura de 1896-1897, pelo círculo plurinominal de Vila Real e na lista do Governo de Hintze Ribeiro ( juramento a 8.1.1896). Finalmente, pelo mesmo círculo, foi eleito em 1899 para a legislatura do ano seguinte ( juramento a 10.1.1900.)
Como era previsível, revelou-se um deputado ativo com numerosas intervenções, quer antes quer depois do seu desempenho no Governo Civil de Bragança.
Logo em 1890, foi eleito segundo secretário da Câmara dos Deputados e, em 1894, primeiro secretário, cargo que desempenhou até 1898. Entre 1890 e 1894, integrou sete comissões parlamentares: Verificação dos Poderes (1890, 1893 e 1894); Negócios Eclesiásticos (1890); Fazenda (1893 e 1894); Orçamento (1893); Administração (1893-1894); Agricultura (1894); e Instrução Primária e Secundária (1894). Posteriormente, este labor nas comissões seria ainda reforçado, e só no ano de 1897 participou em nove: Resposta ao Discurso da Coroa, Regimento e Disciplina, Fazenda, Legislação Criminal, Marinha, Guerra, Agricultura, Saúde Pública e Recrutamentos.
Também no Parlamento, protagonizou o choque de sensibilidades no seio dos regeneradores, confrontando-se em 1896 com José Dias Ferreira e João Arroio, neste último caso a propósito da reforma do regimento interno da Câmara dos Deputados, de que fora relator, assim como de outros projetos levados a discussão.
Na legislatura de 1897-1899, com João Franco, Teixeira de Vasconcelos e Malheiro Reimão, patenteou o seu talento combativo contra o Governo progressista de José Luciano de Castro, sendo seu alvo principal o ministro da Fazenda, Manuel Afonso de Espregueira. O Diário da Câmara regista, para essa legislatura, 93 intervenções de Teixeira de Sousa num período de 16 meses.
Teixeira de Sousa faria em 1900 a sua estreia em cargos governamentais, como ministro da Marinha e Ultramar, entre 25 de junho daquele ano e 28 de fevereiro de 1903. No desempenho desta primeira pasta ministerial, quis mostrar que poderia ser um governante sério e atento aos reais problemas do País. Apresentou então às câmaras numerosos projetos de lei, acompanhados de longos relatórios que ele próprio elaborou, publicou quantiosos decretos e portarias, enfim, granjeou fama de profundo conhecedor das questões ultramarinas e diligente especialista numa área que se afirmava nevrálgica e prioritária na viragem do século – o fomento colonial.
Assim, em 12 de janeiro de 1901, apresentou à discussão do Parlamento cinco propostas de lei, com os respetivos relatórios pormenorizadamente documentados, sobre o regime bancário e a concessão de terrenos, cadastro e regime de propriedade no Ultramar, proteção do açúcar e do algodão e sobre a administração, contabilidade e fiscalização dos correios e telégrafos ultramarinos. Nos períodos entre legislaturas, por decretos e portarias, pôs em execução outras providências, nomeadamente sobre administradores e comissários do Governo nas companhias coloniais; sobre a administração da Fazenda Pública no Ultramar; sobre a direção dos caminhos-de-ferro ultramarinos; sobre as receitas e despesas das províncias ultramarinas; sobre a indústria e comércio do álcool, algodão e açúcar nas províncias ultramarinas; sobre as obras no porto de Lourenço Marques; e um decreto a criar o distrito de Huíla, em Angola. A carta de lei de 9 de maio de 1901, sobre concessão de terrenos no Ultramar, criou “comissões de terras” em cada província e distrito autónomo e sujeitou as concessões a bases claras e precisas. Em finais de 1901, Teixeira de Sousa procurou estabelecer um modus vivendi com o alto-comissário inglês para a África do Sul, de maneira a regular a situação posterior à guerra anglo-boer, com o objetivo de assegurar os aspetos principais do tratado de 1835, que estabelecia as condições comerciais com o Transval. Pela lei de 24 de abril de 1902, criou o Hospital Colonial de Lisboa e a Escola de Medicina Tropical.
Sintetizando, ao seu mandato ficaram associadas abundantes iniciativas: a publicação da primeira estatística colonial realizada sob critérios definidos e sistemáticos; o equilíbrio das finanças das províncias de além-mar, com assinalável diminuição dos saldos negativos orçamentais relativos ao Ultramar, permitindo suster em 1902 o decréscimo do movimento comercial ultramarino; o início da construção do porto de Lourenço Marques; a criação do fundo do caminho-de-ferro de Malanje, a concessão do do Lobito e o contrato para a exploração do de Mormugão com a companhia Southern-Maratha; a promoção do fabrico de açúcar em Angola e Moçambique; a organização dos trabalhos para a conquista do Barué (Moçambique); e a delimitação de fronteiras em várias colónias. O seu nome viria inclusive a ser dado a uma povoação na província do Bié, em Angola – Vila Teixeira de Sousa, atual Luau.
Quanto ao cargo de ministro da Fazenda, Hintze Ribeiro entregou-lho num momento em que a emulação com Artur de Campos Henriques era já notória e muitos consideravam que não merecia tal distinção, mas para ele transitou no novo Governo que o líder regenerador presidiu desde 28 de fevereiro de 1903. Aí se manteve por pouco mais de um ano, já que pediu a demissão, concedida em 26 de março de 1904. Também na Fazenda quis mostrar determinação governativa, subordinando a sua ação ao princípio do aumento da riqueza nacional. Delineou um “plano financeiro”, do qual faziam parte a cobrança dos direitos aduaneiros em ouro e o alargamento da área fiscal de Lisboa. No início de 1904, apresentou à Câmara dos Deputados um plano de fomento económico constituído por 17 projetos de lei (entre os quais se encontrava o da organização de uma carreira de navegação regular para o Brasil), que gerou longas discussões e acabou por não colher aprovação no Hemiciclo, facto que ditou a sua demissão.
Voltaria a assumir esta pasta entre 20 de março e 19 de maio de 1906, no último e breve Executivo de Hintze, que precedeu o Governo franquista. Naquele curto período de tempo, Teixeira de Sousa elegeu como tarefa prioritária do seu Ministério o problema do contrato dos tabacos, que vinha agitando a opinião pública e estivera sempre na ordem do dia dos dois anteriores executivos progressistas (entre outubro de 1904 e março de 1906), como na época foi bem publicitado. Teixeira de Sousa tentou resolver a questão realizando um concurso público, depois de garantir os meios necessários para efetuar o reembolso das obrigações que não fossem à conversão, mas não ficou imune a críticas no fogo cruzado de interesses entre a Companhia dos Tabacos e a Companhia dos Fósforos. Das “falsidades” de que fora acusado quis prestar cabal esclarecimento, publicando nesse mesmo ano o livro A Questão dos Tabacos, o primeiro de vários que daria à estampa para justificar as suas opções governativas face ao coro de graves acusações que lhe estavam reservadas.
Na Câmara dos Pares, teve um desempenho igualmente destacado, fazendo parte de sete comissões parlamentares, nomeadamente de áreas em que detinha experiência: Fazenda, em 1904-1905, Ultramar e Marinha, ambas em 1905. As suas intervenções também não foram de pequena monta, quer em número, quer na relevância dos temas e seu tratamento aprofundado, avultando em 1907 a questão do Douro, discurso pronunciado nas sessões de 2, 3 e 5 de abril, cuja publicação, logo no mês seguinte, foi promovida por uma comissão de lavradores durienses.
Nos anos seguintes, o seu discurso radicalizou-se à esquerda, quiçá em busca de popularidade. Em 1908, clamou por reformas profundas; na incómoda discussão sobre os adiantamentos à Família Real, eximiu-se das suas responsabilidades como ministro da Fazenda, deixando o ónus recair em Hintze Ribeiro, falecido no ano anterior. Em 1909, pronunciou-se quase favoravelmente à nova Câmara republicana da capital ditada pela eleição de 1 de novembro de 1908. Numa análise dos últimos governos do País, afirmou em março de 1910 que os princípios constitucionais estavam “obliterados”.
Com a morte de Hintze, em agosto de 1907, revelou a sua ambição de liderar o partido, mas as cúpulas opuseram-lhe o nome do Júlio de Vilhena, perante o qual desistiu da sua pretensão e até o passou a apoiar quando ele se aliou a José Maria de Alpoim em reação à aliança entre Artur de Campos Henriques e Luciano de Castro, sendo de lembrar que o chefe progressista tinha particular aversão a Teixeira de Sousa pela sua amizade com Alpoim. A sua vez ainda não tinha chegado. Todavia, Teixeira de Sousa não se inibiria de comunicar ao jovem Rei a sua opinião sobre a inépcia do líder regenerador.
Não surpreende que, quando Vilhena abandonou o cargo em finais de 1909, desiludido com o Rei por não o chamar a formar Governo e irritado com Campos Henriques e Teixeira de Sousa pelas suas ofensas e deslealdades, Sousa tivesse assumido a chefia do partido, em 16 de janeiro de 1910, numa reunião com os seus seguidores, na Rua do Norte, enquanto no mesmo dia Henriques era eleito líder partidário pelos seus amigos políticos, na Rua do Alecrim, constituindo-se em grupo autónomo, sob a designação de Partido Regenerador Conservador. A cisão era inequívoca.
Com a crise do Gabinete Beirão, resultante sobretudo da sua incompatibilidade com as Câmaras e boatos de revolução a circularem, a escolha do monarca para a chefia do novo Governo, empossado a 26 de junho de 1910, recaiu sobre Teixeira de Sousa, que também assumiu a pasta do Reino. Este Executivo, o último da Monarquia, enfrentou numerosos problemas e sobressaltos, muito por força do prenúncio claro de uma revolução republicana (duas tentativas goradas ocorreram em 15 de junho e 19 de agosto de 1910), com as diversas fações monárquicas a digladiar-se em intrigas e ódios pessoais. Teixeira de Sousa estava assim muito longe de gerar consensos. António Cabral, numa das suas muitas invetivas contra o último chefe de Governo da Monarquia, testemunhou a afirmação de um republicano: “Nós, quem queremos no Governo é o valente transmontano.
Depois de ele lá estar não se passarão seis meses que não esteja proclamada a República”. Em contrapartida, Teixeira de Sousa concitou a oposição de todos os quadrantes monárquicos – progressistas, franquistas, nacionalistas, henriquistas, vilhenistas: “Todos contra mim! Paciência!”, afirmava numa entrevista que deu em 17 de julho, onde também declarou que perseveraria no seu caminho, apesar da “guerra de morte” que lhe movia esse bloco monárquico
A sua propensão liberal, a que se aliava uma declarada dimensão anticlerical, viria a guiar a sua política como chefe do Governo. Pensava que assim “caçava no terreno” dos republicanos, neutralizando a sua ação, mas tal não sucedeu e por isso ficou associado ao labéu de culpado direto pela queda da Monarquia, por conivência com os republicanos. Este anátema foi violentamente reiterado pelo progressista António Cabral, patenteando especial acutilância no primeiro capítulo de Em plena República, a que deu o título “O coveiro da Monarquia”. Mas outros testemunhos, como o de Eduardo Schwalbach, jornalista e deputado regenerador, recusaram energicamente atribuir-lhe o estigma de inepto e traidor. O próprio Teixeira de Sousa escreveu algumas obras para declinar responsabilidades no derrube do regime e, em consequência, culpabilizar outros por esse facto, como a direita conservadora e as Forças Armadas.
Após a Revolução do 5 de Outubro, de que terá saído ferido com uma bala na perna, facto que alguns testemunhos contestaram mas que o próprio longamente descreveu, Teixeira de Sousa permaneceu na capital até ao dia 15, recolhendo em seguida a Vidago, pese embora tenha posteriormente viajado muitas vezes a Lisboa.
Mas a República não o tratou mal, pelo contrário. E ele de certa forma retribuiu.
O Governo provisório da República ofereceu-lhe a oportunidade de continuar no lugar de diretor-geral das Alfândegas, que ele recusou. Mas à sua saída de Lisboa, Teixeira de Sousa multiplicou, na imprensa, apelos a que os seus correligionários
não hostilizassem o regime. A 16 de junho de 1914, para escândalo dos monárquicos, o Governo da República criava condições para que fosse eleito vogal do conselho de administração da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. O rendoso e apetecido lugar a que em 1914 acedeu a pedido do Governo português era, na opinião de muitos, “os trinta dinheiros da traição”.
Um mês depois de completar 60 anos de idade, Teixeira de Sousa faleceu repentinamente, em 5 de junho de 1917, no Hotel Francfort, no Porto, onde se encontrava de passagem, pois chegara nesse mesmo dia de Lisboa, pretendendo viajar no seguinte para Vidago. A sua urna foi transportada à estação de São Bento e aí introduzida num vagão armado em câmara ardente e atrelado ao comboio do Douro que partia às 8 horas da manhã para o Pinhão, onde o esperavam milhares de pessoas. O Presidente da República considerou a sua morte uma “perda nacional” e foi notícia em quase toda a imprensa do País. No enorme destaque que O Vilarealense deu ao seu óbito, sobressaiu a resenha que fez dos textos que os periódicos de diferentes quadrantes ideológicos então publicaram, a derradeira consagração do “grande e glorioso estadista”.

Elogio da Gazeta de Bragança a Teixeira de Sousa (1906)

É uma energia guiada e esclarecida por um espírito pronto, largo e prático. Por isso, um estadista que se compraz principalmente na ação. Esta, pela rapidez do seu golpe de vista, não tem um momento de hesitação e, pelo seu superior tato dos homens e dos factos, é acertada.
A sua maneira de ser oratória o define com vigor. É um combatente terrível, não poupando o adversário, fulminando-o na réplica.
Possui, porém, com a força, a generosidade, e se, pelos termos da luta, é levado a ser implacável, por essa sua qualidade de alma, é o primeiro a ir erguer o vencido.
É um temperamento de estadista, sobre o qual a experiência, pelo seu sentimento das realidades, exerce a mais ilustrativa ação.

Fonte: Gazeta de Bragança, Ano XVI, 25.3.1906, p. 1 e 2.

Elogio à ação de Teixeira de Sousa enquanto governador civil de Bragança (1895)

De Bragança, onde tem pousio político o Sr. Eduardo Coelho, têm sido enviadas umas correspondências para os jornais progressistas e republicanos, em que bem se vê como as hostes do impetuoso político brigantino se sentem feridas pela firmeza de ação do Dr. Teixeira de Sousa.
Já o sabíamos. O governador civil de Bragança não lhes saiu de panos quentes. Espírito reto e forte, destrói-lhes, com um sucesso que os confunde, o castelo de bugalhos onde tinham firmado o poderio do Sr. Eduardo Coelho. Tenham paciência; nem tudo são rosas. O desforço é que não é limpo.
A propósito duma justa apreensão do Nordeste, uma folha brigantina que se permitiu a liberdade de conciliar o povo à resistência material, à revolta, como já aqui tivemos ocasião de explicar, só por este facto, que é tão corretamente legal, tocou a clarins em toda a linha.
O Correio da Noite gemeu uns tristes ais, e lá no Norte, onde as suas dores são tão sentidas, houve um coro de lamúrias, porque iam ferir aqueles indemnes varões do pousio político do Sr. Eduardo Coelho.
O Sr. Dr. Teixeira de Sousa não procedeu mal para a justiça, fez mal aos intuitos dos progressistas que, pelos modos, naquelas paragens não conhecem rei nem roque que não seja recomendado pelo seu chefe.
Ali, naquela cidadela brigantina, campus ubi Troja fuit, onde foi a arena do Sr. Eduardo Coelho, pareceu ao Nordeste que podia escrever o que os coligados nos comícios, perante a autoridade, ainda se não atreveram a dizer – que o povo não pagasse impostos porque para defender lá estava… yo y Juan Valiente, todos os caceteiros progressistas de chuços! E queriam que aquela bela obra corresse mundo!
Pois não podia ser. A autoridade administrativa é ativamente preventiva, no nosso regime legal; e o governador do distrito não podia assistir indiferente a uma concitação pública à desordem.
Pareceu ao Correio da Noite que aquilo eram afagos. Seriam, mas não foi assim que pensou o digno procurador régio, Sr. Dr. Augusto Maria de Castro, que deu instruções ao seu delegado em Bragança para proceder contra o Nordeste. E quando o poder judicial reprime um crime, à autoridade administrativa importa, usando das suas funções preventivas (artigo 281 n.º 1 do Código Administrativo) obstar aos efeitos do crime.
Foi o que fez o Sr. Dr. Teixeira de Sousa, com tanta obrigação como se se tratasse de efetuar qualquer outro crime.
O Nordeste delinquiu. Ninguém o negará, e ao governador civil de Bragança importava reprimir o crime, para não se assegurar uma tripudiante impunidade.
O Nordeste instigava o poder judicial à revolta contra a sanção real, que entre nós, como em todos os países constitucionais, é o critério único para o poder judicial da promulgação da lei; alarmava o povo contra o fisco, dizendo que não pagasse impostos, que os advogados A. de Mendonça e F. M. de Morais defenderiam como influentes e como jurisconsultos essa revolta, para cuja realização o centro progressista forneceria dinheiro; defendia a resistência material e revolucionária. É este o belo sudário do tal Nordeste.
O Correio da Noite defende o papel, e no entanto, os coligados não ousaram ainda dizer nos comícios tais coisas. Não que se as dissessem teriam que entupir a retórica descabelada.
A experiência do Nordeste não pegou, apesar de ser um pequenino ensaio lá no pousio político do Sr. Eduardo Coelho.
E porque não ficou impune a petulância, está o Correio da Noite furioso. Sabemos tudo; aquilo não são comiserações pelo Nordeste, são furores represados que agora se expandem.
O Dr. Teixeira de Sousa foi o diabo que apareceu em Bragança.
Aquilo ia tão bem!

Fonte: Gazeta de Bragança, Ano IV, n.º 152, 1895, p.2.

A crise agrícola e a emigração no distrito de Bragança, vistas por António Teixeira de Sousa (1895)

Este distrito, em outros tempos relativamente próspero e abundante devido à cultura da vinha que se sucedeu à indústria sericícola, hoje morta e com poucas esperanças de renascimento e com cujo produto o agricultor faria face às despesas da sua economia e aos encargos fiscais, encontra-se com o desaparecimento de tão lucrativa indústria agrícola nas mais precárias circunstâncias, pois que do fabrico das culturas acessórias, que a necessidade impôs, mal tira para satisfazer às exigências do fisco. As culturas acessórias a que me refiro reduzem-se a fracas sementeiras de cereais, género este que só com uma cultura intensiva produz resultados remuneradores.
Deste estado de coisas resulta que o agricultor, impelido pelas despesas da privação de meios para satisfazer aos seus compromissos com a Fazenda e às necessidades de sua economia, procurou um dos dois derivativos: a emigração ou os trabalhos públicos.
Assim é que se observa, não sem espanto porque de todos é conhecido como proverbial o apego desta laboriosa e boa gente ao torrão natal, a abundante emigração de famílias inteiras, nas mais desgraçadas condições, por sinal, para terras do Brasil, algumas das quais gozaram, em épocas que não vão longe, de uma situação regularmente desafogada. Desta emigração forçada que toma o caráter de escravatura e à qual não é possível apor obstáculo dentro da lei, pois nem sequer o agravamento das respetivas taxas produziu depressão na corrente emigratória, conhece V. Exa. as desgraçadas consequências que advêm ao País. A população desaparece, raros voltam, e pior do que foram, e quanto ao dinheiro com que antigamente a onda dos emigrantes fertilizava o nosso país, e que representava não pequeno subsídio para atenuar as nossas faltas, deixou de vir por virtude de circunstâncias que por demais conhecidas me abstenho de enumerar. Por forma que presentemente nada recomenda ou justifica a emigração, que já teve qualquer coisa que atenuasse os seus efeitos, e resta cumprir os deveres de boa humanidade prendendo à sua terra os que pretendem abandoná-la com meios de encontrar o que nela lhes falta, expostos a todos os riscos e desventuras. Aos que não emigram resta-lhes o recurso do trabalho assalariado. Mas, o trabalho agrícola está suspenso com exceção de curtas épocas do ano, destinado às magras colheitas, por dois motivos: por um lado, a emigração desorganizou o regime da propriedade, pois que muitas terras estão abandonadas pelos seus proprietários, e neste caso incultas; por outro lado, as pequenas culturas dos cereais não dão trabalho certo e regular.
Já no ano passado, V. Exa., condoído da sorte deste distrito, minorou quanto pôde as suas dificuldades facultando-lhe trabalhos públicos, o que não pouco contribuiu para assegurar a manutenção da ordem pública, porque doutra sorte haveria a lamentar graves perturbações, e compreende V. Exa. quanto pesa ter de recorrer à violência para sufocar os ímpetos da impressão produzidos pela fome.
Este benefício e a livre importação de centeio espanhol, que igualmente se deve à generosa proteção do Governo a este distrito, facilitaram a tranquilização dos ânimos pela satisfação dos dois mais eficazes fatores de felicidade dos povos: pão e trabalho.
Posso assegurar a V. Exa. que sem o emprego destas medidas correria grave risco a tranquilidade pública neste distrito.
No presente ano, ocorrem menos circunstâncias dificultosas; as searas, que a princípio se apresentavam com aspeto de fartura, devido à influência do tempo produziram uma escassa colheita, que pode regular pela do ano passado, com a diferença, porém, de que neste ano por ocasião das colheitas se achavam esgotados todos os recursos.
Nesta circunstância, claro é que se impõe a necessidade de repetir a execução das referidas medidas. Quanto à importação livre do centeio espanhol, oportunamente terei a honra de a propor, para o que aguardo, apenas, que os factos mostrem que se acham esgotados os recursos locais.
No tocante, porém, a trabalhos públicos, as circunstâncias aconselham a que sem demora se lhes dê desenvolvimento, muito principalmente no norte e sul do distrito, além do que está marcado na respetiva dotação, que reputo insuficiente para o efeito.
O operariado desloca-se debalde de um para outro ponto em procura de ocupação, e desde que se assegura de que lhe é impossível encontrar meios regulares e ordeiros de prover às necessidades, não é de admirar que se lance no caminho da desordem e de todos os meios ilegítimos que lhes garantam, mal ou bem, a subsistência.
É isto que pretendo evitar, a bem da ordem pública e do bem-estar dos povos cuja administração me está confiada, e neste sentido tenho a honra de propor a V. Exa. a conveniência de, desde já, imprimir largo desenvolvimento aos trabalhos públicos deste distrito.

Fonte: Arquivo Distrital de Bragança, Núcleo do Governo Civil, Maço 45, n.º 216, fls. 53v-55.

Fontes e Bibliografia

Diário da Câmara dos Deputados. Lisboa, 1890-1910.
Diário da Câmara dos Pares. Lisboa, 1901-1910.
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Distrito de Bragança. Bragança, 1902.
Gazeta de Bragança. Bragança, 1906.
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LEITÃO, Joaquim, 1912. Os cem dias funestos: processo e condemnação do ultimo presidente do conselho de 1910,
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SOUSA, António Teixeira de. 1906. A Questão dos Tabacos (de 21 de Março a 17 de Maio de 1906). Lisboa: Tip.
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SOUSA, Teixeira de, 1912. Para a Historia da Revolução. Coimbra: Livraria Editora Marques & Paraisos, 2 volumes.
PEREIRA, Conceição Meireles. 2021. “António Teixeira de Sousa (1910)”, in SOUSA, Fernando de; PEREIRA, Conceição Meireles (coord.), Os Primeiros-Ministros de Portugal (1820-2020). Lisboa: Imprensa Nacional, vol. I, p. 970-1003.
PROENÇA, Maria Cândida. 2005. D. Manuel II. Lisboa: Círculo de Leitores.
RAMOS, Rui. 2006. “Sousa, António Teixeira de (1857-1917)”, in MÓNICA, Maria Filomena (coord.) – Dicionário Biográfico Parlamentar 1834-1910. Lisboa: ICS/Assembleia da República, vol. III, p. 802-809.

Publicação da C.M. Bragança

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