(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
...e a sentença de morte a outras tradições, em que entram as «Pandorcas», ou «Pandorcadas», e as «Pastoradas de Natal», ou «Ramos de Natal». Mas já lá iremos futuramente...
É fascinante avaliar as realidades sociais tão distintas dos nossos antepassados, bem como as suas vivências por esta época natalícia. Outros eram os tempos, nos séculos XVIII e XIX, há 200 ou 300 anos, em que os trabalhos agrícolas deste período eram reduzidos, que as oliveiras ainda não pontuavam, de forma tão marcante, a nossa paisagem agrícola. E permaneciam arreigados velhos costumes pagãos em, por vezes, amena simbiose com os rituais religiosos. Vezes outras, essas velhas ritualizações pagãs eram objecto de recriminações, particularmente pelas mais altas instâncias eclesiásticas.
Percorrer a imensa documentação eclesiástica dessas épocas, desde as Pastorais dos Bispos aos Capítulos de Visitação, providencia-nos uma visão de grande amplitude acerca da forma como os nossos antepassados, os «avós dos avós dos nossos avós», viviam esta época festiva. E, com efeito, era uma realidade completamente distinta da actual, onde pontificavam costumes e tradições milenares, alguns entretanto perdidos.
As «Festas de Santo Estêvão», também designadas por «Festas dos Rapazes», inseridas no grande ciclo das «Festas de Inverno», eram uma dessas ancestrais manifestações que estiveram em vias de se perder, irremediavelmente. Juntamente com ocorrências paralelas, como o são o «Charolo», a «Galhofa», as «Loas», as «Mascaradas», as «Chocalhadas», ou as «Fogueiras»...
Não irei aqui escalpelizar os motivos para a ocorrência das referidas «Festas de Santo Estêvão», nem as causas para se festejar o santo no dia imediato ao Natal. Aliás, a introdução das festividades em honra a Santo Estêvão trata-se de uma sobreposição de manifestações cristãs a rituais pagãos que as antecederam. Isto é, antes de se implementar a celebração a Santo Estêvão, já existiam os rituais associados ao Solstício de Inverno, à chegada da «nova luz», à passagem da idade juvenil para a idade adulta, à celebração da fecundação, ao endeusamento da «mãe-terra».
Daí, igualmente, a simbiose entre as manifestações rituais com «mascarados», «chocalheiros», «gaiteiros» e «tamborileiros», e o «culto ao pão», bem manifestado no «Charolo» ou na «Mesa de Santo Estêvão». Mas isso, daria pano para mangas… Regressemos às «Festas dos Rapazes» ou, como chamadas eram nos séculos XVIII e XIX, «Festas de Santo Estêvão».
«Festas» estas, hoje felizmente reabilitadas, que foram proibidas há, precisamente 270 anos, por instruções do Bispo de Miranda, D. Frei João da Cruz, por intermédio do Desembargador da Mesa do Despacho Episcopal, por determinação de 18 de Dezembro de 1755. Documento no qual consta que se «Prohibe […] as chamadas Festas de Santo Estevão […] por cuja occasião tem havido mortes e pendencias pelos excessos de comes e bebes que nos ditos dias se fazem». Outras coisas se proibindo, sob ameaça de penas pecuniárias e, em caso de reincidência, de censuras. Outros tempos… Já cá voltarei com o tema…
(Foto: Setemargens)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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