(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
1825… Ano no qual viveriam os trisavós ou tetravós de alguns dos que vão acompanhando estas diatribes. 1825… Época na qual esses nossos antepassados viviam, maioritariamente, da trilogia «pão, vinho, castanhas», que a carne apenas estava ao alcance de uma minoria e as batatas ainda não faziam parte da ementa comum. 1825… Ano no qual se viviam grandes convulsões por Terras de Bragança!
E porque trago aqui o ano de 1825? Muito do que pode saber-se acerca da História destas magníficas terras provém dos Arquivos Eclesiásticos. Afinal, para lá de alguns privilegiados das classes favorecidas, eram, maioritariamente, os membros do clero aqueles que dominavam a escrita. É, precisamente, da vasta documentação que nos legaram que, em inúmeras situações, é possível traçar as realidades sociais, geográficas ou económicas, desse passado bem recente. E lá fui parar a uma Pastoral de há, precisamente, 200 anos!
Uma época em que o quotidiano era muito marcado pelas lutas entre Absolustistas e Liberais. Naturalmente, segundo a «cartilha», a chamada Revolução Liberal, ocorrida em 1820, aí englobados todos os acontecimentos que se lhe seguiram, decorreu «muito longe daqui». Desde a Constituição de 1822, à Vilafrancada de 1823, ou à Abrilada de 1824, tudo se passou «a léguas», sem qualquer intervenção de gente oriunda das então «pobres e iletradas» Comarcas de Bragança e de Torre de Moncorvo. O que não é, porém, verdade…
O que não falta são ilustríssimas figuras oriundas do actual distrito sem as quais a dita Revolução Liberal, e os acontecimentos subsequentes, não teriam ocorrido da mesma forma. São mesmo inúmeras, de um lado e do outro da barricada, Absolutistas ou Ultra-Realistas, a um lado, Liberais ou Constitucionais, do outro. Todavia, não vim aqui por essas incontornáveis figuras para a História Nacional. Talvez um dia aqui as vá trazendo, esquecidas que são, inclusive pelos seus conterrâneos…
O que aqui me trouxe foi a coincidência de uma Pastoral do Bispo de Bragança-Miranda, D. Frei José Maria de Santana e Noronha, emitida em Genísio, decorria o referido ano de 1825, após uma visita pastoral a Terras de Miranda. Onde alude ao costume bárbaro de os povos festejarem os seus santos ou prestarem culto a Deus, através de ferozes lutas entre os «mancebos», as quais terminavam, inúmeras vezes, em mortes ou na incapacidade de os participantes executarem os seus trabalhos, por ficarem inabilitados para tal, como resultado das mencionadas lutas, incluídas que estavam no «programa das festas»!
A referida pastoral, que obrigava a que fosse distribuída por todas as paróquias da diocese, ameaçava de excomunhão, não apenas os que participassem nas ditas lutas, mas também todos os que a elas assistissem ou as promovessem, nos quais eram incluídos os próprios padres, que as incentivavam ou presentes estavam no decorrer desses «bárbaros festejos». Esta passagem é, todavia, uma pequena amostra da realidade social vivida há apenas dois séculos!
Uma realidade na qual jogava uma suprema importância o clero. Por um lado, os eclesiásticos com mais elevada categoria, nos quais se incluíam os Cónegos da Sé ou aqueles que desempenhavam os cargos de Abades, e alguns dos seus dependentes Curas, defensores do Absolutismo; por outro, o chamado «clero menor», onde se incluíam, maioritariamente, os chamados Reitores, assim como membros do clero regular, ou seja, aquele que estava submetido a regras de ordens religiosas, de uma forma geral apoiantes do Liberalismo.
E se o Povo mantinha ancestrais costumes considerados «bárbaros» pela hierarquia da Igreja, o mesmo se aplicava a elementos do Clero, particularmente àquele designado como «clero rural». Não irei aqui expor as inúmeras situações em que os seus membros eram repreendidos pelos superiores eclesiásticos, fossem os Visitadores, ou os próprios Bispos, retendo-me em alguns aspectos relacionados com os desenvolvimentos da própria Revolução Liberal. “Ó cunsuante”, tão rapidamente eram incitados pelos seus superiores a prestarem juramento de fidelidade à Constituição, ou a fazerem a apologia do Governo Constitucional, como eram instruídos a regozijarem-se pela abolição do mesmo Governo Constitucional. Era mesmo “ó cunsuante”, segundo os interesses e o desenrolar dos acontecimentos!…
Será inacreditável perceber alguns dos sermões que eram proferidos nessa época de convulsão política. Nos quais se incluíam pregações onde era incentivada a morte aos apoiantes dos Liberais, sendo, até, afirmado por um pároco ultra-realista, numa ocasião, que ele próprio absolveria quem matasse os defensores da Constituição de 1822! Sermões nos quais era incentivado o ódio, usando-se, inclusive, de calúnias públicas contra o rei! São incontáveis os exemplos da intolerância política na época desse ano de 1825...
Intolerância que chegava, naturalmente, às «classes baixas», sendo comuns os desacatos e desavenças familiares que resultavam, em inúmeras ocasiões, em mortes. Inclusive em manifestações religiosas, como procissões! O reino, e as Terras de Bragança não eram alheias a isso, estava em polvorosa nesse 1825. Por vezes, dou por mim a pensar: «De que lado estariam os meus trisavós/tetravós?»… De que lado estariam os seus, caro(a) leitor(a)?...
(Imagem: «Alegoria da Revolução Liberal» - Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

Sem comentários:
Enviar um comentário