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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 13 de junho de 2020

Pelo Verão, sardinha no pão


A sardinha tem o seu melhor período pelo Verão. As primeiras, aquelas já gordas e de pele solta, caem no pão por Junho, altura dos Santos Populares. Paralelamente à dimensão festiva e à função primordial, como alimento, a sardinha é também elemento ligado à nossa cultura literária e popular, neste último caso muito arreigada ao nosso património proverbial.
No século XIII já fervilhava na capital, em Lisboa, o mercado da Sardina pilchardus, o mesmo é dizer, limpando-lhe a terminologia científica, a conhecida sardinha. Desde há muito, na nossa história, que este pequeno peixe, entre os 10 e 15 cm vem sendo, a par do bacalhau, um «fiel companheiro» à mesa dos portugueses. Consumida, preferencialmente, assada na brasa, a sardinha foi sendo sustento de muitas populações durante longos períodos da nossa história. Uma importância que lhe garantiu estatuto na literatura, enraizou nas canções, nos contos e jogos populares, pregões, festejos, referências toponímicas e mesmo na genealogia, surgindo no nome de algumas famílias. Durante anos, os almocreves traziam de suas terras produtos e, de Lisboa, levavam sardinhas, tornando-as o prato basilar da alimentação de muitas populações rurais. 
Mas recuemos um pouco no tempo, ao período em que a sardinha terá sido introduzida no nosso território. Presume-se que entre as espécies que os Fenícios salgavam tradicionalmente, no decurso da sua presença na região que é hoje Portugal, se encontrava a sardinha. Com os Romanos, ao desenvolvimento nas pescas acresceu-se a necessidade de colocar bens perecíveis em pontos longínquos do Império. A sardinha, depois de salgada, viajava assim em ânforas, desde a Ibéria para todo o mundo romano, chegando à península itálica, Gália, Inglaterra e África. 
Sabe-se que no período muçulmano, a Sul do Tejo, se fazia a pesca ao largo, com redes próprias para a pesca da sardinha, espécie que era encontrada e capturada em grande abundância. 
Mais tarde, no século XIII, em Lisboa já há relatos de uma população pobre que se alimentava de sardinha e bacalhau. No século XIV, os excedentes do peixe eram salgados em locais apropriados na zona da Ribeira, onde se adquiria fresco. Corria 1387 e o reinado de D. João I, Mestre de Avis, quando a pesca da sardinha se viu protegida por carta, permitindo aos moradores do Porto a captura da espécie em águas de Lisboa e Setúbal. Em 1456 foi, por seu turno, permitida a captura de sardinhas ao domingo e em dias santos, excepção feita às festas de Jesus Cristo e da Virgem Maria. 
Já no século XVII regista-se uma escassez da sardinha em Lisboa. Há uma expansão para outros portos de abastecimento. Em consequência, os almocreves não passavam tanto pela capital e escasseavam outros bens alimentares vindos dos meios rurais.
Face à escassez os responsáveis pelo abastecimento intervêm e determinam pesadas penas para quem «desencaminhava» a sardinha de Lisboa para outros destinos. Os faltosos incorriam numa pena nove vezes superior ao furto e, inclusivamente ao risco de degredo. As proibições, numa outra altura, chegaram também às vendedeiras da Ribeira, que se viram proibidas de lavar as sardinhas com água salgada, artimanha a que recorriam para ocultarem a pouca frescura do peixe. 
Sardinha casa bem com pão:
A sardinha no pão é hábito que acompanha a história, uma prática dos pobres que esfregavam a sardinha assada na côdea para lhe conferir sabor e, com isso, enganar a escassez do alimento. 
Em 1942, Remo Noronha, médico em Mesão Frio, no Nordeste Transmontano, escrevia acerca da dieta dos rurais: «quilo e meio de broa, 60 gramas de sardinha, 200 gramas de legumes secos, 500 gramas de legumes verdes…».
No século XIX chega a indústria conserveira e o peixe do grupo dos teleósteos abdominai entra para um sector onde se mantém até hoje. Em Portugal a indústria conserveira inaugura em 1865 com uma fábrica de conserva de atum em Vila Real de Santo António, Algarve. Seria em Setúbal, nas margens do rio Sado, que em 1880 se instalou a primeira unidade portuguesa de conservas de sardinha. O exemplo repetiu-se noutras localidades e no século XX já laboravam em Portugal 400 fábricas de diversas dimensões. O País aproveitou a crise das pescas francesa e alcançou uma posição invejável na exportação de conservas por altura da Grande Guerra(1914-1918). A França consumia, à data, 50% da nossa produção anual de sardinha em azeite e molhos em conserva. Em 1938 Portugal produziu 40 mil toneladas de sardinha em conserva. O Estado Novo apercebendo-se da óbvia mais-valia que consistia a exportação das conservas além-fronteiras, depressa lhe tomou mão, criando o Consórcio Português de Conservas de Sardinha, entidade substituída em 1936 pelo Instituto Português de Conservas de Peixe. 
«Estar apertado como sardinha em lata»
A sardinha entrou, também, nos hábitos sociais. Os Santos Populares estão intimamente associados a este peixe, assim como o pão e a salada de pimentos assados. Lá diz o ditado que «no São João pinga a sardinha no pão». O peixe é associado a estas festas populares porque é nestes meses, de Junho, que começa a ser boa. E por boa, o gastrónomo Virgílio Gomes explica-nos que se deve entender: «gorda». 
Os provérbios, ou ditos populares, são uma demonstração desse cariz tradicional da sardinha. O vice-presidente da Associação Internacional de Paremiologia, Rui Soares, cita-nos alguns provérbios sobre esta temática que compilou no livro «Do Ano ao Santo tudo é encanto - Ditos populares ao longo do ano»: «A quem em Maio come sardinha, em Agosto lhe pica a espinha», este poderá ser uma alusão ao tempo de comer sardinha. Maio é ainda cedo. Rui Soares lança mais uns provérbios: «Quem quer ver seu homem morto dá-lhe sardinhas em Maio e couves em Agosto e Quem quiser mal à vizinha dê-lhe em Maio uma sardinha e em Agosto a vindima». 
Os exemplos proverbiais apontam para a necessidade de comer o alimento na sua época, característica que Virgílio Gomes também comenta ao Café Portugal. «Nós devíamos reeducar as pessoas a comer nas épocas em que o produto é bom, quando a natureza os dá, até devido a um equilíbrio sustentável da agricultura». Nas obras de Gil Vicente, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Antero de Quental, Eça de Queirós, entre muitos outros ilustres, encontramos citações à sardinha. O próprio mundo onírico inclui-a (crê-se que sonhar com sardinhas pode significar, mau agoiro, fortuna, questões sentimentais) e muitas mesinhas, de Norte a Sul do país, recorrem a sardinhas para, por exemplo, afastar o «mau-olhado».
Do popular à alta cozinha
A descoberta dos benefícios para a saúde da sardinha, sobretudo para o colesterol, é um dos motivos apontados, pelo gastrónomo, para a entrada deste peixe na chamada alta cozinha. Na mesa tradicional, o peixe é preferencialmente assado, como se sabe colocado em cima do pão e deixando que este absorva a gordura natural. No Norte interior, devido à demora no aparecimento do peixe, em tempos idos, fazia-se bolas de sardinha para a conservar melhor. 
O Chefe Luís Baena avança, ao Café Portugal, outras formas de cozinhar o apreciado peixe «português»: «A sardinha faz todo o sentido em qualquer tipo de cozinha. Comida crua com uma ligeira marinada com elementos ácidos como citrinos ou maracujá resulta muito bem». O Chefe diz, ainda, que tornar a sardinha um produto de excelência depende de três factores: «evitar muitos artifícios, controlar com muito rigor o ponto de cozedura. Devido à sua gordura há uma cozedura por inércia, isto é, depois de sair do fogão contínua a cozinhar e os acompanhamentos podem e devem ser variados e, esses sim, sofisticados».

Ana Clara e Sara Pelicano
cafeportugal

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