segunda-feira, 22 de junho de 2020

DA CRIAÇÃO DO GOVERNO CIVIL DE BRAGANÇA À REGENERAÇÃO (1835-1851)

Em 21 de maio de 1834, o prefeito da província de Trás-os-Montes, Francisco António de Almeida Morais Pessanha, é pressionado pelo Governo a iniciar as suas funções. De existência efémera e atribulada, as prefeituras são extintas em 1835, e neste ano, na sequência da carta de lei de 25 de abril, que implementou a divisão administrativa do Reino em distritos, foi criado o Distrito de Bragança, com sede nesta Cidade, tendo sido nomeado para Governador Civil Venâncio Bernardino Ochoa, que tomou posse a 28 de setembro. Bragança passou, a partir de então, a sede de Distrito, prerrogativa que manteve até ao presente.
Edifício do Governo Civil de Bragança no início do século XX
A agitação política em Bragança, como por todo o Nordeste Trasmontano, vai manter-se entre 1834 e 1837, com assaltos, ajustes de contas contra os miguelistas, divisões entre clérigos e fiéis (cisma dos mónacos), prisões, etc.
Ainda em 1834, são presos na cadeia de Bragança o pároco de Algoso e o capitão-mor da mesma vila, por terem organizado uma guerrilha composta por perto de duas centenas de homens, que nos primeiros dias de maio aclamou D. Miguel nas vilas de Algoso e Miranda do Douro, esta última, reconquistada por forças portuguesas auxiliadas por 200 carabineiros espanhóis.
Em janeiro de 1835, o Periódico dos Pobres no Porto noticia que a “ladroeira” na Cidade de Bragança e “vizinhanças é grande: têm assaltado várias quintas e estradas; e isto feito por soldados e paisanos”.
A instabilidade sociopolítica continuou, de tal modo que o Governo foi obrigado a concentrar forças em Bragança para anular levantamentos populares, combater o banditismo e a difusão da doutrina dos mónacos.
O juiz de direito da comarca de Bragança, em 26 de março de 1837, escrevia que “o génio do mal divaga impune por todas as terras deste Concelho, aqui e ali aparecem ladrões que, infestando as estradas, atacam a segurança individual, e em toda a parte os inimigos do Governo tramam contra a ordem estabelecida”. Em Bragança, entre 1835-1840, são presos aqueles que fazem parte da “seita mónoco-sismática”, cujos membros não iam à missa, não praticavam os atos religiosos e espalhavam “suas criminosas doutrinas neste Concelho, assim como têm praticado em diversos pontos desse bispado”.
A agitação política a nível nacional mantinha-se alimentada por duas leituras diferentes do liberalismo, a esquerdista e a conservadora. A Revolução de setembro de 1836 deu a vitória aos radicais, que aboliram a Carta Constitucional, colocando em vigor a Constituição de 1822. Os conservadores vão procurar restaurar a Carta, provocando um golpe de Estado, a Belenzada, em novembro de 1836, e uma guerra civil em 1837, que ficou conhecida por Revolta dos Marechais. A Belenzada parece não ter motivado qualquer agitação em Bragança, mas a Revolta dos Marechais (marquês de Saldanha e duque de Terceira), iniciada em julho de 1837, opondo os cartistas aos setembristas, teve alguns reflexos nesta Cidade.
O general visconde das Antas, comandante da Divisão Auxiliar Portuguesa à Espanha, assim como os seus oficiais, a 14 de agosto de 1837, em Burgos, protestaram a sua fidelidade à Rainha e à Constituição Política da Monarquia Portuguesa, lamentando a “ingrata rebelião” cartista. Contudo, uma das duas brigadas que integravam aquela força, e que regressou a Portugal, entrando em Bragança a 30 de agosto de 1837, aderiu aos defensores da Carta Constitucional de 1826. Foi nomeada na Cidade uma Junta Governativa, mas de efémera duração, uma vez que a guerra civil terminou em 20 de setembro – não acabando, contudo, a agitação política.
Em 6 de maio de 1838, a Câmara de Bragança jurou a nova Constituição. Mais tarde, em 17 de julho, foi instalada a Junta Geral do Distrito de Bragança, de acordo com o Código Administrativo de 1836, a qual, nas sessões de 1839, publicadas no Diário do Governo, irá pôr a nu a aflitiva situação em que se encontrava Bragança e o seu Distrito: “não há instrução pública, não há administração da justiça”, o comércio está “estagnado e a agricultura definhada”, e estradas propriamente ditas não existiam.
O Setembrismo, progressivamente despojado do seu vigor inicial, recebeu o golpe final em fevereiro de 1842, quando Costa Cabral proclamou a restauração da Carta Constitucional no Porto. O cabralismo, embora procurando desenvolver economicamente o País, estabeleceu “um regime de repressão e violência” (Oliveira Marques), que degenerou, entre 1846-1847, em guerra civil.
Indignados com o despotismo de Costa Cabral, a corrupção existente, o aumento dos impostos, a crise agrícola, a lei que proibia os enterros nas igrejas, e o efeito de contágio do levantamento da Galiza contra o Governo de Espanha, as populações do Norte de Portugal levantaram-se contra os Governos de D. Maria II (sucessivamente de Costa Cabral, do duque de Palmela, e de Saldanha), organizando Juntas Governativas um pouco por todo o Reino, modelo rapidamente adotado pelas forças que permaneceram fiéis aos Governos de Lisboa. A Junta do Porto, que se manteve em funções mesmo após o movimento da Maria da Fonte (abril-maio de 1846), que terminou com a saída de Costa Cabral do Governo, acabou por agrupar todos os movimentos contestatários, assumindo a chefia da Patuleia, o que deu origem à “mais terrível e longa guerra civil que se registou entre os liberais” (Oliveira Marques).
É evidente que este prolongado conflito teve profundas repercussões em Bragança e no seu Distrito. Não é fácil historiar a evolução dos acontecimentos que ocorreram em 1846 1847 no Nordeste Trasmontano, uma vez que as fontes de que dispomos são escassas, e Francisco Manuel Alves referiu já o que é conhecido, sobretudo para 1847, transcrevendo e comentando alguns documentos, nomeadamente os que fazem parte da obra A Patuleia, publicada em 1909 pela Biblioteca Pública Municipal do Porto. Contudo, não podemos deixar de chamar a atenção para dois aspetos que nos parecem importantes quanto a Bragança, neste período de grande agitação político-social, que são comuns às duas partes em confronto, os cartistas, fiéis ao Governo de Lisboa, e os revoltosos “patuleias” da Junta do Porto: a criação de estruturas burocrático-administrativas que simbolicamente representaram o Estado, destinadas à apropriação dos fundos públicos e arrecadação de impostos, por um lado; e o aparecimento da Junta Governativa de Bragança e de boletins oficiais publicados na mesma Cidade, por outro.
Se em 1846, as forças que permaneciam fiéis ao Governo de D. Maria II, nomeadamente do visconde de Vinhais, dominam Trás-os-Montes, batendo no Distrito de Bragança guerrilhas “rebeldes” e “miguelistas” que teriam surgido no âmbito do movimento contestatário do Governo de Costa Cabral – a Maria da Fonte –, iniciado em abril desse ano, a verdade é que, já no quadro do movimento da Patuleia (outubro de 1846 a junho de 1847), as tropas leais ao Governo, do comando do visconde de Vinhais, são batidas em Mirandela, em abril-maio desse ano, pelas forças do general Bernardino Coelho Soares de Moura, da Junta do Porto, e obrigadas a retirar-se para Espanha.
Com efeito, em 5 de maio de 1847, as autoridades fiéis a D. Maria II abandonam Bragança, retirando para Espanha, nomeadamente, o Governador Civil do Distrito, Francisco Xavier de Morais Pinto, o secretário do Governo Civil, Diogo Albino de Sá Vargas, a maior parte dos empregados do Governo Civil, e os “influentes do Distrito”, os Pessanhas e os Mirandas, levando consigo as verbas relativas à cobrança da décima e existentes em cofre, os documentos da repartição de fazenda e numerosos papéis de secretarias.
Passou a servir de Governador o conselheiro de distrito Manuel Bernardo Pinheiro de Lacerda, logo substituído por Quintino Teixeira de Carvalho, antigo secretário do Governo Civil, que, nomeado pela Junta do Porto, chega a Bragança quatro dias mais tarde, para tomar posse do cargo.
Três dias depois, o marechal de campo que comandava a 5.ª divisão militar, António Joaquim Guedes de Oliveira e Silva, afeto à Junta do Porto, Patuleia, edita uma proclamação aos trasmontanos, em Bragança, contra o Governo de Costa Cabral.
A preocupação dos revoltosos, como tinha sido a dos cartistas, uma vez dominada Bragança, foi a de arrecadar as verbas cobradas pelo tesoureiro-pagador da Cidade e seu Distrito, como se pode ver pela obra já referida, A Patuleia.
Em maio de 1847, a Junta do Porto nomeou para tesoureiro-pagador Jacinto José de Sá Lima, o qual, porém, não foi obedecido pelo seu antecessor, que se recusou a entregar-lhe as verbas existentes em cofre, nem por vários recebedores concelhios quanto ao envio de fundos para Bragança.
Quintino Teixeira de Carvalho, secretário do Governo Civil de Bragança, nomeado interinamente como Governador Civil do Distrito pela Junta do Porto, requisitou a Jacinto Lima as verbas necessárias para pagar os vencimentos aos militares, o calçado e tecidos necessários às tropas, mas também os ordenados dos funcionários das repartições e serviços públicos indispensáveis ao seu funcionamento “normal”, nomeadamente, ao pessoal da alfândega de Bragança, da repartição da Fazenda e do Governo Civil, no qual trabalhavam, além do governador, três oficiais, três amanuenses e o porteiro.
Uma vez terminada a Junta do Porto, logicamente foram substituídos Teixeira de Carvalho na secretaria do Governo Civil (por Sá Vargas) e Jacinto Lima na pagadoria distrital.
Por outro lado, em 1846-1847, até à retirada das forças que permaneciam fiéis ao Governo de D. Maria II, em maio de 1847, à semelhança do que aconteceu em Vila Real, exemplo também seguido em numerosas cidades e vilas do Reino, estabeleceu-se a Junta Governativa de Bragança, tendo como presidente o par do Reino António José de Miranda, primeiro visconde de Paradinha do Outeiro, o qual soube manter Bragança e o seu Distrito em obediência ao Governo de D. Maria II. Esta Junta foi reconhecida superiormente, como se vê pelo ofício do embaixador de Portugal em Madrid que, em 10 de novembro de 1846 chegou a pedir ao Governo espanhol armamento para lhe ser entregue junto da fronteira de Bragança a fim de aquela poder combater mais eficazmente as forças da Patuleia em Trás-os-Montes, assim como as guerrilhas miguelistas que aclamavam D. Miguel como “Rei de Portugal absoluto”.

A Junta Governativa de Bragança promoveu a publicação, nesses anos, do Boletim Oficial de Bragança, que constitui um marco fundamental na história da imprensa na Cidade, uma vez que aí foram impressos. Com efeito, durante a Maria da Fonte e a Patuleia, foram publicados, com o mesmo título, dois Boletim Oficial de Bragança, um primeiro, que pertencia ao Partido Popular, em junho de 1846; e um segundo, dividido em duas séries, em defesa do Governo de D. Maria II, a primeira série em outubro e novembro de 1846, iniciado logo a seguir à exoneração de Sousa Teles de Governador Civil de Bragança, e uma segunda série, entre março e maio de 1847, que terminou com a retirada das autoridades e forças conservadoras para Espanha, perseguidas pelas tropas da Junta do Porto.
Do primeiro, são conhecidos dois números, talvez os únicos números do Boletim Oficial de Bragança. O n.º 1 foi publicado em 23 de junho de 1846, e dá conta de uma força de Caçadores n.º 3, comandada pelo capitão Ziegnheim, ter encontrado no cabeço de S. Brás, próximo à torre de D. Chama, uma guerrilha miguelista capitaneada por Luís dos Reis, a qual, depois de batida, debandou completamente, deixando sete mortos e alguns feridos. O n.º 2 tem a data de 25 de junho e dá a notícia de ter sido batida uma guerrilha miguelista em Alfândega da Fé pelo capitão de Cavalaria Doutel, e perseguida uma outra no Concelho de Vinhais pelo capitão Ilharco.

Provavelmente não se publicaram mais números, visto terem sido sufocadas as revoltas miguelistas, ainda no mês de julho.
O segundo Boletim Oficial de Bragança surgiu em defesa do Governo cabralista, na ocasião em que o barão do Casal se achava na província de Trás-os-Montes e havia aderido ao Governo de Saldanha, ou da “emboscada” de 6 de outubro de 1846.
O n.º 1 da primeira série, sem data, foi publicado em meados do mês de outubro e contém a proclamação da Rainha, de 6 de outubro; o decreto de 8 de outubro, demitindo Júlio do Carvalhal de Sousa Teles do cargo de Governador Civil de Bragança; e em “à última hora” publicou várias notícias, entre elas a de o barão do Casal, a tropa e o povo terem aderido em Chaves às ordens da Rainha. O n.º 2 traz uma proclamação do barão do Casal, datada de Chaves em 15 de outubro de 1846, e o n.º 3 uma outra proclamação do Governador Civil interino de Vila Real, António Alves de Aguiar, datada de 17 de outubro. Um pequeno suplemento a este último número dava a inexata notícia de que no Porto se proclamara a obediência às ordens da soberana. O primeiro número com data é o 4.º, publicado em 27 de outubro. O último número da coleção da primeira série é o n.º 15, de 24 de novembro de 1846. A segunda série do Boletim Oficial de Bragança, igualmente impresso na Tipografia de Bragança, a duas colunas, cabralista, começou com o n.º 1, publicado na terça-feira, 16 de março de 1847. O último número é o n.º 15, de 4 de maio do mesmo ano. Foi também editado um suplemento ao n.º 10. O formato deste Boletim Oficial de Bragança, embora igual ao da primeira série, revela, sob o ponto de vista tipográfico maior qualidade técnica.
O autor desta publicação, fiel ao Governo de D. Maria II, segundo o jornal O Nacional, foi o secretário do Governo Civil de Bragança, Diogo Albino de Sá Vargas.

Em suma, as forças leais à Junta do Porto apenas dominaram Bragança e o seu Distrito por algumas semanas, uma vez que, em 16 de junho de 1847, o exército espanhol, com as tropas do barão de Vinhais, proveniente de Zamora, está já em Bragança e dois dias mais tarde, o Governador Civil nomeado pelo Governo de D. Maria II, Francisco Xavier de Morais Pinto, apela aos habitantes do Distrito, já na Cidade, para os seus habitantes permanecerem tranquilos, uma vez que a guerra civil ia terminar “com o triunfo completo da causa da legalidade e da ordem”.
Com efeito, o Governo, incapaz de bater os revoltosos, ao abrigo do Tratado da Quádrupla Aliança de 22 de abril de 1834, solicitou a intervenção da Espanha, Inglaterra e França, a qual obrigou à assinatura da Convenção de Gramido em 29 de junho de 1847, que consagrou a derrota das forças da Patuleia e a vitória do Governo cartista, fiel à Rainha.
Fazendo um balanço da evolução política de Bragança e seu Distrito em 1846-1847, chegamos à conclusão de que Bragança se manteve, praticamente durante todo o tempo, com a exceção referida, fiel ao partido cabralista, ao Governo de D. Maria II e teve uma ação decisiva no combate às guerrilhas miguelistas que então infestaram a região.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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