|
Pelo menos, neste caso, o Sacerdote não necessita utilizar a conhecida "máxima" do "faz o que eu digo, mas não faças o que eu faço". Digo isto porque duvido que a grande maioria dos Crentes, na nossa região, tenham capacidade económica para frequentar o SPA. Enfim...exemplos.
(HM)
Alfândega da Fé tem o primeiro Spa suspenso e ao ar livre do país. Um projecto municipal que merece a bênção do sacerdote local.
O padre Zé nunca foi ao céu mas por momentos esteve lá perto. Olhos fechados e braços abertos, mergulhado em águas quentes e revoltas, estava nas nuvens.
Habituado a cuidar da alma e da fé dos seus paroquianos, José Rodrigues aceitou o convite da Única para entregar-se, por um dia, aos prazeres do corpo no novo coqueluche lá da terra - o Hotel Spa Alfândega da Fé, situado a mais de mil metros de altitude, em plena Serra de Bornes.
Não que este padre dos tempos modernos seja um absoluto estreante nestas matérias. "É fundamental proporcionar ao corpo momentos de descanso e descontracção, ter cuidados de limpeza, de tratamento, cuidarmos de nós", declara. "O nosso aspecto exterior também é importante e não pode ser descurado. Temos esse dever e esse direito. Afinal, o ditado diz: 'Mente sã em corpo são'".
Palavras sábias as deste jovem sacerdote de 34 anos, conhecido na região transmontana como "o padre casamenteiro", que ainda chegou a prestar provas para polícia e frequentou o primeiro ano do curso de Gestão. Mas o chamamento de Deus tornou-se tão forte que, aos 19 anos, teve de largar tudo para ingressar em Teologia. "Custou-me imenso. Sentia vergonha. Tinha namorada... Mas quando Jesus coloca em nós o seu olhar é impossível resistir. Senti uma necessidade de entrega mais profunda e radical ao reino de Deus e aqui estou".
Aqui, mais precisamente no recém-inaugurado Spa, com boa disposição evidente e pronto a experimentar um pouco de tudo. Para começar deliciou-se com um dos tratamentos exclusivos deste espaço, que potenciam os produtos da terra: a cerejaterapia, uma máscara com um creme cor-de-rosa à base de cereja. A massagem a quatro mãos - que padre Zé também experimentou, ao ar livre - a olivoterapia, a massagem geotermal, o mergulho sakura e o mergulho mediterrâneo completam a lista de tratamentos com assinatura deste primeiro Spa suspenso e ao ar livre do país.
Dúvidas - pelo menos que partilhasse com a Única - neste dia não teve. Já no seminário, por vezes pairavam-lhe no espírito. "Claro que tive momentos de dúvida, fazem parte do processo de crescimento. Tive de renunciar a uma família, gostava de poder casar e ter filhos... O celibato devia ser opcional e não obrigatório, até porque um padre que não tem vocação para casar não é bom padre!", declara.
|
E de casamentos percebe ele. O epíteto de "padre casamenteiro" cai-lhe que nem uma luva. Das 405 celebrações que já realizou desde que foi ordenado há dez anos, nenhuma delas resultou até agora em divórcio. "Dou graças a Deus. Não é mérito meu. Mas se calhar tenho alguma influência no acompanhamento dos noivos. O mais importante é criar uma relação de amizade com eles para que vejam em mim um amigo a quem possam recorrer quando há complicações. E alguns já recorreram", diz, revelando que reza diariamente por todos aqueles que casou. A fama é tal que já foi convidado a realizar casamentos nos EUA, Brasil e outros países. "As minhas celebrações são alegres, há muita cumplicidade com os noivos. Faço as coisas com paixão e isso contagia-se. Quem assiste quer o mesmo para elas".
Apreciador da boa mesa, padre Zé adora "patuscadas, festas e convívios". Ele próprio faz questão de organizar vários encontros ao longo do ano, tanto com amigos, como para os paroquianos das 13 freguesias que tem a seu cargo, dos concelhos de Alfândega da Fé, Vila Flor e Moncorvo. Já foi 11 vezes ao Brasil, quatro ao Vaticano e esteve na Grécia, Itália, França, Brasil, Marrocos, Tunísia, uma lista não exaustiva. "Para o ano vamos a Petra (Jordânia) e à Terra Santa, em Israel. As minhas viagens têm sempre momentos culturais, recreativos e religiosos", explica.
Sem medo das palavras, dos actos e do frio que se fazia sentir, depois da cerejaterapia aceitou o desafio de mergulhar num dos dois jacuzzis do Spa. Situados numa plataforma suspensa, a sete metros do solo, com uma perspectiva privilegiada sobre o Vale da Vilariça, são sem dúvida uma das mais-valias deste espaço.
Apesar das nuvens não deixarem gozar a vista sobre a paisagem, o sacerdote aprecia o instante, à medida que vai confessando os seus "pecados". "Já fui criticado pelos meus pares, mas isso não me preocupa. Tenho a consciência tranquila. A Igreja não tem de ser um martírio. Somos 'partners' de Deus e devemos levar a sua palavra com toda a alegria, verdade e amor. É isso que faço. Como costumo dizer: um santo triste é um triste santo".
Tiago Miranda A massagem a quatro mãos feita por duas fisioterapeutas parece uma dança, lenta e suave
Considera por isso que a Igreja "deu demasiada importância à forma" e que "a fé é um dom de Deus que nasce connosco mas que tem de ser alimentada, como uma relação de amizade ou amor. Através da oração, da partilha, da eucaristia, mas com o coração aberto, com alegria". Até porque, adianta, "o que vemos por aí muitas vezes são fezadas". Ou seja, pessoas preocupadas com o acto da procissão, "que tem de parar ali e virar além, mais parecendo um desfile alegórico, onde a fé está adormecida, fazendo as coisas por fezada, por mera tradição e não com sentimento", acusa.
Tiago Miranda A massagem a quatro mãos feita por duas fisioterapeutas parece uma dança, lenta e suave |
Antes de se despedir, padre Zé recorda o que um bispo lhe disse uma vez durante o seminário: "Comer e beber bem é 50% do celibato garantido". "Sinto-me plenamente realizado e satisfeito. Muitas vezes sinto-me a pessoa mais feliz do mundo". Pelo menos neste dia, bem parecia.
Texto publicado na Única de 20 de Dezembro de 2008
Sem comentários:
Enviar um comentário