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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 30 de março de 2015

"TRÁS-OS-MONTES": FILME CONTRA A CIDADE

«O filme não é para a cidade, o filme é contra a cidade», afirma António Reis que assina a realização do filme «Trás-os-Montes», conjuntamente com M. Martins Cordeiro.

O filme, que inicialmente se designava «Nordeste», palavra limitativa que a cidade vulgarizou, chamar-se-á definitivamente «Trás-os-Montes», a cuja raia se dá por nome de «fronteira do luto».

Da Idade Média aos nossos dias, a obra percorre as lendas que chegaram a Trás-os-Montes ou dela partiram. Reintegra a sabedoria chinesa, por exemplo, na mirandesa. «Isto é nosso», diria um mirandês falando duma chinesa.«Os actores não são profissionais, os actores são o povo transmontano».

Actores, além de outros, são o sr. Amador, camponês da Freixiosa, que, ao vestir a festiva capa mirandesa, retorna à sua dimensão de oráculo; o ferreiro de Ifanes, de 82 anos, gordo robusto, que escolheu a vida sedentária; os garotos Armando Manuel, «Armandito» na ternura dos que mergulharam nesta viagem e aventura através dos tempos, do Patronato de Santo António, de Bragança, com sardas que mais parecem borrifos de estrelas e ar profundamente triste; e o Luís Ferreira, a quem morrera a mãe há dois meses e que no filme teve de chamar mãe a outra pessoa. Optou pela libertação. «Um pequeno génio», como diria António Reis.
As filmagens demoraram 40 dias.
Foram gastos 15.000 metros de fita. Após a montagem, serão aproveitados não mais que 2.000.As verbas concedidas, que em dinheiro sonante atingem apenas os 900 e tal contos, não foram suficientes.«Trás-os-Montes», produção do Centro Português de Cinema, foi patrocinado pelo Instituto Português de Cinema, com a colaboração da R.T.P. e da Tobis.Da equipa técnica, além dos realizadores António Reis e M. Martins Cordeiro, fizeram parte o operador Acácio de Almeida, o assistente de montagem Carlos Nana, o iluminista João Silva e o técnico de som João Diogo. Foi director de produção, Pedro Paulo.
O «CASTELO DE HAMLET»O filme, a ser estreado na Primavera, única estação que, intencionalmente, não aparece representada na película, terá a sua ante-estreia em Bragança e Miranda. «É um acto de justiça e gratidão para com o povo transmontano».

Algumas das cenas são como que o ultrapassar das barreiras do tempo, se é que há muros para o tempo.

Autêntica barbárie, nas suas capas ancestrais, normandos e godos, com olhos de violência azul, sobem as arribas de Algoso, tendo ao alto o castelo de algum «hamlet» trasmontano, em ruínas hoje, mas soturno e denso ainda.

As minas de estanho de Ervedosa, onde em tempos homens morreram de silicose, um corpo desconjuntado e cercado por montes, com chapas de zinco atordoando ao vento e fios como veias rebentadas assomando da profundidade da mina.

Um garoto, o «Armandito», explorando esta paisagem de pesadelo e sem tempo, enquanto chove torrencialmente. A cena lúcida dos dois garotos a comerem pedaços de gelo numa ribeira: aparece-lhes um peixe congelado ainda com filetes de sangue riscando o dorso.

Mineiros com os seus capacetes pesados à vista, mirandeses e bragançanos com as capas nobres, reúnem-se na «Domus Municipalis de Bragança», arquitecturalmente única na Europa.

A Idade Média e Hoje, marcaram ali encontro. «É a primeira vez que vejo «mirandeses», diria, impressionado, um mineiro.

A última cena do filme é uma homenagem ao comboio que, a resfolegar, chega, há quase meio século, a Duas Igrejas.

O comboio passa, o maquinista diz: «Se for necessário, fazemos uma marcha-atrás». Repetem-se as filmagens. O comboio acaba sempre por chegar a Duas Igrejas.

n/assinado

Jornal Diário de Lisboa, pág. 6, 17 de Fevereiro de 1975 (republicado em Celulóide, n.º 209, págs. 8-9, de 10 de Abril de 1975)

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