(Preparação de cuscos - secagem após separação por tamanhos de granulação) Imagem retirada de: "Os Gestos dos Sabores", citado no texto |
Estes cuscos são de comer, embora a tradição já não ser o que era. E por isso esta minha crónica. Para aqueles que ainda se lembram, e para despertar a curiosidade daqueles que nunca os provaram. Devo confessar que não tenho, na memória de infância, lembranças de assistir à sua confeção ou consumo. Só mais tarde ouvi falar e sempre associado a uma herança dos muçulmanos do Magreb, os infiéis. Talvez por isso se tenham apagado nas nossas práticas. Mas, a partir de que época deixou de ser um alimento constante na dieta dos transmontanos? Transmontanos da Terra Fria segundo me parece constatar. Curioso é verificar que foram os portugueses, a partir do século XVI, que levaram a tradição dos cuscos para Cabo Verde e daí para o Brasil. Depois dá para pensar como atualmente se confecionam em Israel cuscos iguais aos transmontanos. Esta questão foi-me apresentada pela nossa ilustre autoridade Maria de Lourdes Modesto. Não querendo eu surgir com uma resposta rápida, mas de fácil dedução, conversei com a outra autoridade transmontana que é o meu amigo António Monteiro que já escreveu, e muito sabe, sobre a matéria. Depois de várias conversas lá me arrisquei a imaginar que possivelmente algumas famílias de judeus que habitaram na zona raiana, terão partido para outras regiões, com a perseguição da Inquisição, levando com elas a tradição de preparação dos cuscos. Estas tradições mantêm-se, por vezes, por várias gerações. É provável que, quando da criação do Estado de Israel, algumas dessas famílias tenham levado com elas o hábito dos cuscos e o mantenham…
Eu gostaria é de saber porque é que se perdeu o costume em Trás-os-Montes. Ao que me parece apenas Maria de Lurdes Diegues, de Vinhais, é uma das últimas artífices desta iguaria. E chamo iguaria pela simplicidade do produto, nascido possivelmente pelo seu baixo custo, aproveitando ainda um artigo de produção local que é o trigo “barbela”. E com a vantagem de ser um produto polivalente pois serve para a sopa, acompanha peixes ou carnes e também se faz doce. Esta atividade, de fazer cuscos, seria ocupação de tempos menos afadigados, sendo os cuscos um produto armazenável e de confeção direta. Noutros tempos os cuscos seriam muito mais baratos do que o arroz e, mais tarde, do que a batata.
Qual é o segredo dos cuscos? Para responder a esta pergunta não há como ver o filme, em DVD, “Os Gestos dos Sabores”, produzido pela Associação para o Estudo e Promoção das Artes Culinárias, do qual lamento eu, e muitos mais, não haver uma edição disponível no comércio.
Na cozinha os cuscos podem servir para engrossar uma sopa ou ser um seu complemento. Depois podem ser cozidos e acompanhar peixe ou carne. Podem ainda ser guisados com chouriça ou repolgas, e também podem ser sobremesa. Cozidos em água açucarada e depois regados com mel e canela… Invente a cozinhar com cuscos. Vamos depressa enquanto há alguém que os produz, e tenhamos esperança que apareçam outros. E esperemos que a Maria de Lurdes Diegues ensine a muitos, como fazer.
Para conhecer a universalidade dos “couscous” sugiro um livro extraordinário com o título “Le Livre du Couscous”, de Fatéma Hal, publicado pela Editora Stock em 2000. Para os mais curiosos ISBN 9782234053076.
Outra sugestão ainda para este inverno frio: ver o filme, disponível em DVD, com o título “O segredo de um Couscuz” que Abdellatif Kechiche realizou em 2006, que mostra como a simplicidade de um prato pode ser um elemento de união familiar. Filme no qual não vai aprender a fazer os cuscos. É sobretudo uma lição de como um produto alimentar pode ligar as famílias. Encantador.
© Virgílio Nogueiro Gomes
in:virgiliogomes.com
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