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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Vivam os Cuscos

(Preparação de cuscos - secagem após
separação por tamanhos de granulação)
Imagem retirada de:
"Os Gestos dos Sabores", citado no texto
Não, não vou escrever sobre alcoviteiros nem sobre transmissores de notícias, segredos, que têm o condão de os divulgar rapidamente.

Estes cuscos são de comer, embora a tradição já não ser o que era. E por isso esta minha crónica. Para aqueles que ainda se lembram, e para despertar a curiosidade daqueles que nunca os provaram. Devo confessar que não tenho, na memória de infância, lembranças de assistir à sua confeção ou consumo. Só mais tarde ouvi falar e sempre associado a uma herança dos muçulmanos do Magreb, os infiéis. Talvez por isso se tenham apagado nas nossas práticas. Mas, a partir de que época deixou de ser um alimento constante na dieta dos transmontanos? Transmontanos da Terra Fria segundo me parece constatar. Curioso é verificar que foram os portugueses, a partir do século XVI, que levaram a tradição dos cuscos para Cabo Verde e daí para o Brasil. Depois dá para pensar como atualmente se confecionam em Israel cuscos iguais aos transmontanos. Esta questão foi-me apresentada pela nossa ilustre autoridade Maria de Lourdes Modesto. Não querendo eu surgir com uma resposta rápida, mas de fácil dedução, conversei com a outra autoridade transmontana que é o meu amigo António Monteiro que já escreveu, e muito sabe, sobre a matéria. Depois de várias conversas lá me arrisquei a imaginar que possivelmente algumas famílias de judeus que habitaram na zona raiana, terão partido para outras regiões, com a perseguição da Inquisição, levando com elas a tradição de preparação dos cuscos. Estas tradições mantêm-se, por vezes, por várias gerações. É provável que, quando da criação do Estado de Israel, algumas dessas famílias tenham levado com elas o hábito dos cuscos e o mantenham…


Eu gostaria é de saber porque é que se perdeu o costume em Trás-os-Montes. Ao que me parece apenas Maria de Lurdes Diegues, de Vinhais, é uma das últimas artífices desta iguaria. E chamo iguaria pela simplicidade do produto, nascido possivelmente pelo seu baixo custo, aproveitando ainda um artigo de produção local que é o trigo “barbela”. E com a vantagem de ser um produto polivalente pois serve para a sopa, acompanha peixes ou carnes e também se faz doce. Esta atividade, de fazer cuscos, seria ocupação de tempos menos afadigados, sendo os cuscos um produto armazenável e de confeção direta. Noutros tempos os cuscos seriam muito mais baratos do que o arroz e, mais tarde, do que a batata.


Qual é o segredo dos cuscos? Para responder a esta pergunta não há como ver o filme, em DVD, “Os Gestos dos Sabores”, produzido pela Associação para o Estudo e Promoção das Artes Culinárias, do qual lamento eu, e muitos mais, não haver uma edição disponível no comércio.



Não me vou alongar sobre as qualidades do trigo “barbela”. Mas é de produção local e, segundo julgo saber, teria uma capacidade inferior de produção de farinha pelo que era importante dar-lhe utilização, fazendo dele também outra farinha. Vou tentar explicar como se fazem os cuscos. Primeiro temos uma caixa masseira, em madeira, onde se coloca a farinha “barbela”. À parte preparamos uma tina com água morna e com sal. Esta água deve ser provada para garantir que não tem excesso de sal. Depois arranjámos uma vassoura de produtos vegetais que pode ser de erva da linhaça, semelhante às de limpar fornos. A farinha vai sendo salpicada, de água morna e com sal, com a vassoura. Gentilmente com as duas mãos vai-se remexendo a farinha sem a calcar pois pode “empapar”. Repete-se esta operação até que a farinha fique toda granulada. Depois passa-se por um crivo e vamos obter grãos finos e grãos mais grossos. Levam-se estes granulados a secar sobre uma toalha de tecido sendo bem espalhados com as mãos. Agora a operação delicada de cozer. É necessário ter uma cuscoseira. Esta consiste num objeto cónico com furinhos (imaginem um “chinês”- passador) que encaixa sobre uma panela onde se coloca água para ferver. Embrulham-se os cuscos num tecido e colocam-se sobre o objeto cónico. Deve-se garantir que da panela (ou pote de três pés) não saia vapor. Para isso pode usar-se uma massa simples de água e farinha que funciona como vedante e se utiliza para “fechar” a zona de encaixe da peça cónica com a panela. Os cuscos não devem tocar a água e a água vai ferver para produzir vapor que cozerá os cuscos. Depois retiram-se e, com a ajuda das mãos, separam-se e levam-se a secar por dois dias. Estão prontos e podem ser guardados. Claro que por este texto não ficaram a aprender a fazer cuscos. Apenas para terem uma ideia dos procedimentos fundamentais. O importante é aprender a usá-los na cozinha. Já se encontra no mercado, cuscos transmontanos. Estes, irregulares na sua granulação, revelam o modo artesanal, que significa riqueza, como são produzidos. Que não é o mesmo produto dos “couscous” magrebinos.

Na cozinha os cuscos podem servir para engrossar uma sopa ou ser um seu complemento. Depois podem ser cozidos e acompanhar peixe ou carne. Podem ainda ser guisados com chouriça ou repolgas, e também podem ser sobremesa. Cozidos em água açucarada e depois regados com mel e canela… Invente a cozinhar com cuscos. Vamos depressa enquanto há alguém que os produz, e tenhamos esperança que apareçam outros. E esperemos que a Maria de Lurdes Diegues ensine a muitos, como fazer.


Para conhecer a universalidade dos “couscous” sugiro um livro extraordinário com o título “Le Livre du Couscous”, de Fatéma Hal, publicado pela Editora Stock em 2000. Para os mais curiosos ISBN 9782234053076.


Outra sugestão ainda para este inverno frio: ver o filme, disponível em DVD, com o título “O segredo de um Couscuz” que Abdellatif Kechiche realizou em 2006, que mostra como a simplicidade de um prato pode ser um elemento de união familiar. Filme no qual não vai aprender a fazer os cuscos. É sobretudo uma lição de como um produto alimentar pode ligar as famílias. Encantador.


© Virgílio Nogueiro Gomes



in:virgiliogomes.com

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