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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Memórias Orais//Emília Trigo

“A vida em Ligares era estar em casa à espera que minha mãe me trouxesse algum bocadinho de pão que ela era crivalheira de um moleiro do povo, uma dava-lhe uma coisa, outra dava-lhe a outra, quando ia pra casa, levava o regacinho cheio pra nos encher a barriga”

O peso da solidão faz com que raramente sorria. Os 83 anos começam a cansá-la, assim como a conformidade de saber que voltar à sua casa para quando chegar “o dia”, não é mais uma realidade. Emília Trigo vive no Lar de Freixo de Espada à Cinta, é lá que a solidão parece mais pequena e por vezes até esquecida. A infelicidade de um acidente levou-a para ali, para a dependência que nunca quis. Num ano, viu-se a deixar a sua casa e o trabalho que ainda ia fazendo, mas a maior mágoa é não estar perto dos seus. “Tenho dois filhos, um filho e uma filha. O meu filho foi pra Lisboa, casou lá e lá ficou, desde que vim prá’qui nunca mais o voltei a ver. E a minha filha casou ali na Barca e é com quem me tenho encontrado”. Uma vez por mês filha e neta visitam Emília mas o tempo é sempre pequeno.

Na vida, foi pastora, com o marido, ofício que lhe permitiu fazer a casa que foi sua durante mais de 40 anos. “Era uma vidinha de trabalho, porque chovesse, que nevasse tínhamos que sair sempre; tínhamos que ir abrir a porta que o gadinho não podia estar lá todo o dia (...)”. O rendimento procurava-o na venda do que a terra e os animais davam, e sempre foi respeitada pela freguesia, “vendia muito queijo na Barca porque nesse tempo havia comboio e vinha pessoal prá li prá Barca e já sabiam a minha casa e levavam-me muito, cada vez que eles vinham tinham sempre aquela remessa pra cada um, vendia muito pra levarem no comboio pra baixo e prá Espanha, ia pra todos os lados”.


No seu trabalho confessa que tinha dias de tudo, de boa vida e de trabalho mas o dinheiro chegava pra tudo, para a “comidinha”, não para enriquecer, diz, e sem precisar de ninguém. Não estudou, tinha que ajudar a criar os “mais pequenos” em casa. Nos dias que agora passam a ajuda sempre vem, mas não de quem ela espera. Ainda criou um sobrinho mas as palavras que chegam dele também são poucas. “Apanham-se criados com a vida governada e pobre de quem fica metida nos trabalhos, que passei tanto com ele, cheguei a ir buscar o leite a uma quinta numa burrinha e levá-lo tapado com um cobertor arrematado com uma corda, pra que não me caísse da burrinha a baixo”. 


A vida foi triste, admite, e a sua maior escuridão, a que “nunca lhe passa”, foi ter-lhe levado um neto cedo demais. E é essa mágoa que nunca contém. E a de ter deixado a casa. Sempre a sua casa. Ali é onde está o seu trabalho e o do marido, que já partiu. “Era e é uma casa muito linda. Na parede da frente tem um Santo António na parte de cima da porta, toda pintadinha a cor de rosa, era linda mas os anos passam-se e não podemos esperar por mais nada, lá ficou prós filhos”. Ali onde se ergueu grande parte da sua história, tem sempre vontade de voltar. Na sua casa, apesar de só, é quando volta a ser quem sempre foi. É só ali que a solidão parece sempre tornar-se mais pequena. 



Joana Vargas

Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta

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