Camilo de Mendonça |
No editorial do Nordeste – Boletim da Organização Regional da Lavoura, datado de 30 de novembro de 1968, não se poupavam as palavras para noticiar e justificar a homenagem:
“ Foi na verdade grandiosa, e única, na cidade de Bragança, tão justa homenagem como não há memória, ao Homem público número um do distrito, possuidor da mais elevada matriz política dentro do regime vigente – que soube servir sem dele se servir – cimentada na maior obra económico – social realizada na região bragançana, a bem do comum representado pela lavoura nordestina, obra que exprime bem aquele «res, non verba» inspirador da maior confiança e fé que a lavoura regional tem no ilustre homenageado.”
Camilo António de Almeida da Gama Lemos de Mendonça (1921-1984) nasceu em Vilarelhos, Concelho de Alfândega da Fé, a 23 de julho de 1921. Engenheiro Agrónomo de formação, político e dirigente cooperativo, notabilizou-se como sendo o principal impulsionador da construção do Complexo Agro-Industrial do Cachão, empreendimento único na região que tentou revolucionar a agricultura tradicional no Nordeste de Portugal. O complexo do Cachão nasceu em 1963, com um conjunto alargado de unidades de transformação, abrangendo um vasto leque de produções: lagar, adega, fábricas de frutos secos, de frutos preparados, de conservas e congelação de produtos hortícolas, de rações, de charcutaria, lavandaria de lãs, queijaria, etc.
Na sua dissertação de doutoramento, Laura Larcher Graça, sintetiza a obra de Camilo de Mendonça:
“ Camilo de Mendonça, delineou uma estratégia global para o desenvolvimento da região que assentava em três traves mestras: primeiro, a reconversão cultural com a implantação de novos regadios que se deveriam estender por uma área total de cerca de 60 000 hectares; segundo, a transformação das explorações agrícolas, conforme o modelo técnico em voga (fomento da mecanização, adopção de culturas, variedades e métodos mais exigentes na quantidade e qualidade dos factores de produção); terceiro, comercialização associada e transformação local dos produtos agrícolas.”
Nascia uma esperança para a gente pobre que praticava uma agricultura de subsistência. A este propósito, cabe aqui um relato contado pelo Padre Francisco Videira Pires no discurso proferido na já referida homenagem:
“(…) há cerca de três ou quatro anos passava eu por um caminho solitário de uma aldeia(…) vi uma mulher colher para uma cesta de verga, amoras silvestres dos caminhos e perguntei-lhe porque é que, com tanto afã, ela colhia aquelas amoras silvestres, respondendo-me: - Meu senhor, é que agora, na nossa terra, graças ao Eng.º Camilo de Mendonça, até já as amoras dos caminhos dão dinheiro!”
Pouco dariam mas ao pobre, o pouco parece muito. Habituei-me a ouvir este tipo de relatos sobre Camilo de Mendonça um pouco por todo o distrito. Constatei que o interior agrícola, apesar de décadas passadas, manifesta uma grande consideração pelo engenheiro que um dia sonhou que o Nordeste Transmontano poderia ser viável recorrendo à sua riqueza secular, a Agricultura, a Lavoura como ao tempo se dizia. Também é verdade que alguns mitigaram o projeto de vida do Eng.º Camilo de Mendonça, reduzindo-o a uma falsa pretensão:
“ O capital político de Camilo Mendonça cobriu o descalabro da gestão financeira. Louvado pelos notáveis locais, apoiado pelo poder central, ele foi o principal actor de uma grande farsa: o empenho do Estado Novo no desenvolvimento das regiões deprimidas do interior.” in Propriedade e Agricultura: Evolução do Modelo Dominante do Sindicalismo Agrário em Portugal, de Laura Larcher Graça.
Pode ser que assim tenha sido. Mas subsiste a dúvida: Quem mais tentou, de forma articulada e abrangente, promovendo uma verdadeira coesão regional, fazer do Nordeste Transmontano uma terra onde ao homem se possa “restituir plenamente a si próprio, e ao mesmo tempo de lhe assegurar condições de vida que o dispensem de procurar em terra estranha aquilo que o seu meio lhe não proporciona”?
Assim como nos podemos questionar se estaríamos na presença de um alto funcionário do regime, compensado pela sua subserviência. Não me parece. A 12 de de abril de 1969, em comunicado da Direção da Corporação da Lavoura, Camilo de Mendonça manifesta o seu descontentamento: “ Pelo que se refere ao planeamento regional, registou com mágoa não constituir mais do que uma incipiente tomada de posição que, pela fraqueza da representatividade, persistência de estruturas técnico-administrativas desactualizadas, ausência de instituições adequadas e indiferenciação do sector agrário, pouco poderá realizar do muito que urge e se espera inclusivamente no combate ao concentracionalismo centralista, à tardança das decisões e seu afastamento das realidades, à falta que continuará a subsistir de uma verdadeira política de equilíbrio intersectorial e de um combate enérgico, rápido e efectivo às assimetrias regionais de desenvolvimento.” Assim ditas, não parecem palavras de circunstância, oportunistas, ao abrigo de um qualquer sistema vigente que finge fazer, não fazendo.
A ação de Camilo de Mendonça não se limitou ao verbo fácil, de circunstância. Homem de ação. Homem da Terra. Fez da vida uma empreitada de desenvolvimento deste cantinho que amamos. Uns mais do que outros. Uns de forma mais contemplativa, outros retirando o proveito fácil. Subvencionando-se vitaliciamente.
* locução latina que significa “ obras, não palavras”
NOTA: Esta crónica não tem pretensões académicas. A minha intenção limitou-se a contribuir para a memória de um povo relembrando um dos nossos. Pode ser que sirva de exemplo para a conduta dos que decidem e para nós, os contemplativos, será uma aragem de esperança.
FONTES:
- Nordeste – Boletim da Organização Regional da Lavoura, n.º 29, Novembro de 1968;
- Dissertação de Doutoramento de Laura Larcher Graça, Propriedade e Agricultura: Evolução do Modelo Dominante de Sindicalismo Agrário em Portugal, Lisboa, 1999;
- Memórias e Prospectivas 1, Da Província à Região-Plano, CCDRN, Coord. de António Melo, Setembro, 2009.
Por: Rui Machado
Conheci, pessoalmente, Dr. Camilo de Mendonça. E fui, digamos, uma espécie de assessor dele, em um trabalho no qual se tentou uma reformulação de um Projeto de Assentamento de Trabalhadores Rurais, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, Órgão do governo brasileiro, onde trabalhei por longos 40 anos, 6 meses e 18 dias. Dr Camilo de Mendonça esteve conosco entre 1979 a 1981. Posso assegurar tratar-se de um técnico Engenheiro Agrônomo de uma visão como poucos, dentre os muitos que conheço. E tenho orgulho de, como engenheiro Agrônomo, dizer que aprendi bastante com nossas discussões e seus escritos que ele trazia, quase diariamente, à nosso Instituição, logo cedo da manhã. O projeto a que me refiro chamava-se Projeto Integrado de Colonização de Caxangá, o conhecido PIC CAXANGÁ, cuja sede se localizava no Município de Ribeirão, mas, a extensão de 19.200 hectares fazia com que suas terras se localizassem em sete Municípios, aqui no Estado de Pernambuco, Nordeste Brasileiro.
ResponderEliminarHomem de grande valor, sem vaidades, de uma dedicação às coisas da terra como ninguém,ainda recordo Asus personagem aquando ia bebero seu café no central da Vila de Macedo,recordo como fosse hoje, o desvio para a sua casa em travanca,na esquina ficava a casa do seu feitor,sr Ernesto,grande amigo de meu pai,que como ajudante de veterinário era uma pessoa muito querida no sei dessa grande família. Saudade
EliminarHomem corajoso, lutador, visionários e com carácter exemplar.
ResponderEliminarUm HOMEM íntegro e que o "ditador/manso Marcello Caetano, torpedeou! A obra que ainda hoje se vê no Cachão demonstram a visão de um gestor/político de alto gabarito! Pena que não tivesse conseguido os seus designios, tanto a nível da lavoura como a nível social para os trabalhadores do complexo, de que as casas que ali se vêem nos dão a verdadeira imagem de uma pessoa com um humanismo fora do normal. Paz à sua alma!
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