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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 9 de março de 2018

"Não fui fadista rebelde de forma pensada, limitei-me a ser eu próprio"

Depois de mais de uma década de 'exílio', Paulo Bragança está de volta a Portugal e é o entrevistado do Vozes ao Minuto desta sexta-feira, dia em que o EP 'Cativo' é lançado.
Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Chamaram-lhe o fadista rebelde - o fadista punk. Não é insulto nem mentira. À voz que enchia uma sala, Paulo Bragança juntava uma imagem que o mundo do Fado não conhecera. 

Das roupas aos cabelos, passando pelos pés por vezes descalços com que pisava os palcos, Paulo Bragança fez-se fadista singular e nos anos 90 era já nome de relevo. Dava concertos, vendia discos, atravessou até o Atlântico à conta da editora da David Byrne. E, um dia, em março de 2006, despediu-se da mãe sem saber se voltava. E desapareceu.

"Fugi", corrige-nos Paulo Bragança. O fadista deixou Portugal, a família, a música, até o nome. Ainda conviveu alguns meses com uma comunidade cigana, na Roménia, passou por Londres, mas foi em Dublin, na Irlanda, que assentou. Por lá viveu 11 anos, boa parte desse tempo no mais profundo anonimato. 

Nos últimos anos, só tivemos esporádicas aparições. Uma volta por vídeos antigos de Paulo Bragança no YouTube mostra-nos elogios ao fadista e um sentimento, logo o da saudade, que tantas vezes cabe no Fado. "Devia voltar", pedia-se há oito anos. E, um dia, voltou.

Em 2017 Paulo Bragança voltou aos concertos, participou no álbum dos Moonspell e, numa entrevista ao Observador, 'abriu o jogo', falando do tempo fora, dos dramas que o atingiram e de quem precisou de ser para se descobrir.


Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Estamos em 2018 e as aparições já viraram certeza: Paulo Bragança está de regresso. Tem um EP novo, 'Cativo' -, que acaba de chegar às lojas, tem concertos na agenda e está a preparar álbum novo para lançar este ano.

Depois de uma curta atuação para a imprensa, na Associação Fado Casto, já a caminho do castelo São Jorge, em Lisboa, o Notícias ao Minuto sentou-se à conversa com o fadista a quem chamaram um dia rebelde. 

A rebeldia, essa, podia ser detalhe fácil de ignorar quando se fecha os olhos e se ouve a voz de Paulo Bragança. Mas é também uma inevitabilidade, uma espécie de fado, sem mágoa, do fadista. "Não fiz aquilo de uma forma pensada, simplesmente limitei-me a ser eu próprio". 

Quando o Paulo Bragança sai de Portugal, deixa para trás a música, a família, até o conforto. Era necessária uma mudança de vida tão violenta?

[Pausa] Era. Por bem que isso me tivesse custado, era. As mudanças são radicais, não é a meio [que se fazem]. É como estar no palco: ou bem que estou por inteiro ou então não consigo. Faço por inteiro, e essa mudança tinha de ser radical, ao ponto de não levar nenhum telefone, nenhum contacto.

Como foi na altura explicar à família e aos amigos?

Não expliquei. Fugi.

E houve saudades de algo em particular?

Não, nenhumas. Bem, só do palco, de estar com músicos, em ensaios. Vim de uma altura em que tinha estado com o David Byrne, vivi em Nova Iorque muito tempo, fiz montes de viagens e concertos. Só tinha saudades de concertos, de ter umas 18 pessoas comigo, onde acabo por ser 'pai' de todos e eles eram família. Disso é que tive de facto muito falta. Mas era o aprender a estar sozinho.

Foi o tal exílio.

É mesmo exílio, um self inflicted exile [auto-infligido], porque ninguém me mandou embora. Eu é que tomei essa atitude porque não sabia o que queria, nem queria fazer nada. Queria de facto ir para algum lado mas não sabia onde. Era, como se diz em inglês, go with the flow ['ir na onda'].

O Paulo andou pela Roménia, onde conviveu com uma comunidade cigana, andou por Londres, mas foi em Dublin, na Irlanda, que parou. Porquê Dublin?

Dublin tem uma luz especial, que é quase a negação da luz. Há dias em que parece que não há manhã, às vezes às 15h já é de noite e isso também me atraiu. Enquanto aqui o sol…

O governo lá dá autorização às pessoas para saírem à rua quando há sol, porque há falta de vitamina D. Mas a mim fez-me bem aquela introspeção. Nós temos esta dicotomia do claro e do escuro, mas muitas vezes é a mesma coisa, é tudo igual, é simplesmente o estado da pessoa. Podemos estar debaixo de uma enorme luz com uma negrura imensa dentro de nós. Em Dublin há o irish mist, aquela neblina quase permanente, e depois a Irlanda tem um lado pagão muito presente. As fairy trees, por exemplo.

Como assim?

Quando há um carreiro de árvores e há uma que está sozinha, essa é a fairy tree. E acreditem que se estiver lá uma nota de cem euros, ou deixar um anel, n'importe quoi, e ninguém tira. Aí se vê o respeito. E mesmo a Garda [a polícia local] não utiliza armas e não é por isso que as pessoas deixam de ter respeito. Mesmo os irlandeses mais ‘acesos’ - e há uma camada de gente mais enervada - respeitam. E isso ganhou-se, o que é fantástico numa república com cem anos.


Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Uma das músicas do EP ‘Cativo’ é em gaélico. É uma forma de marcar na música esta etapa da sua vida?

É, porque a Irlanda vai estar sempre comigo. Obviamente que se falamos de pátria, é Portugal. Mas também digo 'Erin go bragh' ['Irlanda para sempre', em gaélico]. Fui muito bem tratado, as pessoas são muito carinhosas, escutam muito. E depois não são pretensiosas. E há uma coisa que aqui não há, a nível de comunidade: as pessoas que vivem na mesma rua conhecem-se, já estiveram nas casas uns dos outros.

Lá quando uma pessoa parte, nem que vá só de férias, tem que reunir os amigos para beber um copo à saúde, porque pode não voltar. Isto é fantástico. É como o irish wake, os funerais, que são quase quatro dias de festa. As pessoas estão de preto, de luto, mas a celebrar a vida da pessoa. Isto é significativo de como aquele povo é tão cru e real perante a fragilidade que a vida tem.

Ainda passaram alguns anos em Dublin até as pessoas com quem convivia descobrirem que tinha um passado bem conhecido.

Só ao final de seis anos, quando tive o convite para um filme [a curta-metragem 'Henry and Sonny'], por parte de uma pessoa que me conhecia.

Surpreendeu-os?

Sim. Ainda hoje lhe pergunto: por que raio é que me foste buscar? "Não sei, alguma coisa me dizia". E foi aí que disse para 'googlarem' o meu nome. Depois a curta-metragem foi a vários festivais, ganhou alguns prémios, esteve até no Fantasporto, e por alguma razão está a tornar-se um filme de culto, porque é muito bem feito. O realizador, o Fergal Rock, está neste momento a fazer uma longa-metragem em Hollywood.


Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
É mais um irlandês a destacar-se.

É incrível. Um país com quatro milhões de habitantes tem a nível cultural esta pujança. Não é só os U2, é o país que tem mais prémios Nobel da literatura, depois há música que pensava que era de ingleses ou americanos, e são irlandeses. Atores, como o Liam Neeson. São tantos irlandeses, a família Kennedy é irlandesa. Eles até ao Obama arranjaram um ascendente irlandês!

Quando saiu de Portugal havia também alguma desilusão em relação à indústria musical.

Sim. Eu nunca me pude queixar nem do público nem da imprensa. Nada. A indústria em si… bem, está igual, ou até pior.

O Fado tem uma tradição já antiga e o Paulo era o fadista rebelde, que fugia a uma certa imagem mais conservadora que havia do Fado. O Paulo Bragança surgiu um bocadinho antes do tempo?

Não sei. Sabes porquê? Não fiz aquilo de uma forma pensada, simplesmente limitei-me a ser eu próprio. Eu nem tinha consciência. Uma amiga minha que já não vejo há algum tempo, a Rita Pinto de Leite, dizia-me: "tu nem tens consciência daquilo que és". Eu fiquei sempre com aquilo e na Irlanda até tive muito tempo para pensar e às vezes pensava e, realmente, nem hoje tenho essa consciência [risos].

E o Fado agora, em 2018, como é que o (re)encontra?

Diria que é mais material do que imaterial. Isto de o Fado ter sido elevado a património imaterial da Humanidade, ok, tudo bem, é um feito, mas atenção: há outras coisas [a merecer destaque], como o cante alentejano. Não é por aí, não é por causa disso que o Fado tem de ser mais ou menos. Como não é por causa de estar na moda que voltei. Antes não estivesse.

Porquê?

É que há o perigo de o Fado ser muito despretensioso, num mau sentido. Não ser pretensioso é bom de alguma maneira, mas por vezes há um certo desleixe que parece dado como adquirido. A mim choca-me ver em Alfama porta sim, porta sim... toda a gente tem Fado. É legítimo as pessoas ganharem dinheiro, não há pecado nenhum sobre isso. Não estou a julgar, estou a perguntar até que ponto não é demais.

E há novos nomes que lhe tenham chamado a atenção?

Não conheço muitos dos nomes novos de agora e reservo-me o direito de não falar de ninguém. Cada qual faz o seu trabalho, da melhor maneira que entende. Da parte dos guitarristas, dos músicos, acho que há uma nova geração loucamente apaixonada. É mesmo paixão e fazem aquilo com muito empenho, muita verdade e muito talento e alguns certamente nem têm raízes no fado. Acho que na parte musical se está a trabalhar muito mais, até com mais afinco.

E Lisboa? Mudou muito?

Lisboa é uma cidade de fariseus. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Dublin tem todos os dias do ano 98% de ocupação turística. E as pessoas não são incomodadas, nem ninguém é despejado por causa de turistas. Venham, os turistas, [que] é óbvio que é um bem. Mas há um certo descuramento em pensar que os ovos da galinha já ali estão e depois isto pode não ser duradouro, pode ser um boom, e depois? Ganhar dinheiro é legítimo… agora ser soberbo? Hmm [torcendo o nariz].

O Paulo Bragança participa na ‘In Tremor Dei’, música do álbum que os Moonspell lançaram no ano passado. Quando os entrevistámos falaram do Paulo como uma espécie de 'anjo caído do Fado'.

É o que ele escreveu. E eu já chamava a mim próprio Lucifer…

Estas ligações não são acaso, pois não? Como fadista, tem alguma facilidade em 'saltar' estas fronteiras musicais.

Sim, mas nem foram pensadas. Veja-se o tema com os Moonspell. O Fernando Ribeiro [vocalista] contou que quando fez o tema disse logo: "Esta canção era boa era para a voz daquele gajo [em referência a Paulo Bragança], mas eu nem sei onde é que ele anda". Curiosamente ele e a Sónia Tavares [dos The Gift] já tinham feito coisas dentro do Fado, com o Amália Hoje.

E até lança este EP com a Alma Mater, editora dos Moonspell, à partida mais orientada para o metal.

Exatamente. Mas o 'anjo caído', eu também já o chamava Lucifer e depois expliquei-lhe o que é que isso me queria dizer e ele também me chamava isso sem eu saber, e vice-versa. No dia dos meus anos ofereceu-me um casaco que diz atrás Lucifer, uma cena vintage dos anos 70, que ele foi descobrir não sei aonde. E depois escreveu-me um poema muito bonito, que há-de estar no 'Exílio'.


Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Depois destes anos longe, o Paulo Bragança volta em força, com EP, concertos na agenda e novo álbum, para lançar ainda este ano.

É. Eu voltei para Portugal e não tinha nada nos bolsos – e não estou a falar de dinheiro, estou a falar de trabalho. Só tinha a música dos Moonspell. Não tinha ainda Museu do Fado, nem Bons Sons, nem festa do Avante, nem Vodafone Mexefest, nem Entre Muralhas [espaços onde atuou nos últimos meses]. Não tinha nada. Simplesmente peguei no telefone e comecei a dizer que gostava de lá ir.

Era importante voltar a atuar.

Foi já uma preparação, para perceber se de facto estava pronto para assumir esse papel. Porque isto não é só chegar ao palco e cantar muito bem, ou não... ou não, ok? [enfatizando]. Tinha que ter a certeza e isto para mim foi um teste. Mas tive logo um feedback enorme na rua .

Apesar do exílio, continuavam a reconhecê-lo?

É incrível mas as pessoas na rua continuavam a vir falar comigo. Perguntava-me: 'Como é que estes gajos ainda se lembram depois destes anos todos?'. Mesmo miúdos de 20 anos... Até uma rapariga me veio dizer que tinha coisas minhas escritas no quarto. Disse-lhe 'oh pelo amor de Deus, nem me digas mais nada' [risos].

Que público encontra, depois deste hiato? Calculo que já comece a juntar gerações mais antigas e gerações mais novas que estão agora a descobri-lo.

Estão a descobrir e têm sido muito carinhosas. No Bons Sons estive a dar uma sessão de autógrafos e até tinha miúdos, mesmo miúdos, alguns com 12 e 13 anos, acompanhados por um adulto. Traziam livros e fotografias que eu nem sabia que existiam.

Ainda no outro dia estava a fazer uma conferência de imprensa com os Moonspell e veio um, um… metaleiro, eu não concordo com os nomes mas chamemos assim para as pessoas perceberem do que estamos a falar. E ele diz-me 'pá, vi o concerto na festa do Avante e gostei tanto'. O rapaz devia ter alguns 22 ou 23 anos e o concerto até era com uma temática muito específica. Era dedicado ao Adriano Correia de Oliveira e num palco mais pequeno.

O Paulo sempre fez esta distinção de que cantar o fado, o ser fadista, não é uma questão de género musical. Porquê esta distinção?

Porque o Fado é a própria vida. O fadista é que inventou o Fado. Quando está a dizer as suas mágoas, as suas alegrias, a sua vida, era o cantar ao Fado. Daí o fadista tanto ser eu, ou tu, como outro qualquer. Independentemente do fado de cada um, todos nós temos o nosso, que é a nossa vida. Fado é vida. Não é mais nada. Agora que nós, portugueses, tenhamos uma forma musical onde isso se possa aplicar e explorar… ok, mas não é unicamente portuguesa porque lá fora há muitos intérpretes, para não falarmos em géneros musicais, que são tão emocionantes e têm tanto mistério como o nosso Fado.

O sentimento é comum à humanidade. Daí se perceber quando Amália nos anos 50 e 60 ia pelo mundo inteiro e as pessoas ficavam pasmadas. Por alguma coisa era, e não era porque percebessem português. É incrível, não é?

Foi com Amália que começou a ouvir fado?

Com sete anos ouvi Amália a cantar a ‘Incha’allah’, do Adamo, em francês. E eu não sabia se era Amália, se era Fado, se era francês ou português, não tinha noção. Mas ‘aquilo’ prendeu-se logo. Ficou. Trás [batendo na mesa]. Esse foi o primeiro momento de que me recordo, e os meus pais subscrevem a história. Mas eu sabia lá se era Fado... e nem era.

Temos colaboração com Moonspell, o ‘Cativo’ tem uma música em gaélico, tem uma versão de ‘Remar, Remar’, dos Xutos & Pontapés. Tudo aquilo que se falava do Paulo Bragança enquanto fadista rebelde é algo que se vai manter, não é?

Ah sim, sim. Porquê? Porque sou eu mesmo. Não faço as coisas propositadas ou para dar uma ferroada em alguém. Nem me passa pela cabeça. Não sei ser de outra maneira.

'Rosa da Noite' é o primeiro single de 'Cativo'.



POR PEDRO FILIPE PINA
Notícias Ao Minuto

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