Foto Leonel de Castro/Global Imagens |
Há um São José de azulejos na parede da casa de Cândida Melo e José Júlio. Com a bênção do santo já levam 65 anos de casados, feitos no passado dia 25 de setembro, ali na aldeia de Vilarinho das Azenhas no concelho de Vila Flor.
Ouvir o som do comboio passar, todos os dias "era uma alegria" diz Cândida Melo que já passou dos 80 anos e a vida ensinou-lhe que há coisas em que é melhor ser como são Tomé. "Eu não acredito, (que o comboio volte) só vendo".
Cândida não acredita que o comboio que foi embora há anos volte a passar na aldeia, como dantes. Nem entende também porque é que está um comboio parado em Mirandela há tanto tempo guardado por dois seguranças. " É um desgoverno"
Um desgoverno para o qual José Júlio, o marido, tem a solução perfeita e não é a falta de dinheiro. "Dinheiro não, porque a linha está composta pelos empreiteiros. O que falta é a coragem"
Falta coragem aos que mandam e respeito pelas pessoas, acrescenta João Esteves outro habitante de Vilarinho das Azenhas. "O comboio que passava já não vai voltar. Eu acho! Não vale a pena andar aqui a enganar ninguém. A linha foi composta mas vai voltar a deteriorar-se e vão voltar a compô-la e o comboio não há de passar".
Foto Leonel de Castro/Global Imagens |
A ver passar os comboios andou Albino Sá durante toda a vida. Foi ferroviário 32 anos, 1 mês e cinco dias. Se gostava que os comboios voltassem aos carris? Nem se pergunta... mas não acredita. "Não, não acredito. Era preciso que alguém se responsabilizasse para que o comboio ande aí ara baixo e para cima. A REFER não se responsabiliza, acho eu. Agora para as pessoas daqui, idosas que não têm transportes era importante. O turístico está em Mirandela, parado... (risos)".
O Plano de Mobilidade do Tua contempla dois comboios na linha. Um para o dia-a-dia das pessoas que habitam nas aldeias de um e outro lado do rio Tua, que fará o percurso desde a Brunheda até Mirandela e outro turístico que fará exatamente o mesmo trajeto.
O Plano é uma das contrapartidas da construção da barragem que deixou debaixo de água os 17 quilómetros da via, desde o paredão de Foz Tua até à Brunheda. Esta distância será feita de barco.
Mário Ferreira, o conhecido empresário de viagens no Douro recebeu 11 milhões da EDP para por o plano em andamento. O homem da Douro Azul já se mostrou disponível no início do verão passado para começar as viagens e também salientou publicamente que com a aquisição do barco e do comboio, completamente novos, e com mais obras e compras de imóveis imprescindíveis para suportar a operação, já leva mais de 15 milhões investidos.
O barco está parado no cais da aldeia da Brunheda e o comboio (quatro carruagens e uma locomotiva), estacionado em Mirandela.
"Está guardado, 24 horas, por dois seguranças para que não haja vandalismo e não o grafitem. As garantias dos equipamentos começam a perder-se. Tudo isso tem custos de contexto elevados", salienta Carla Vaz, a diretora geral da Mystic Tua / Douro Azul, designação da empresa que está com a responsabilidade de todo o projeto turístico no vale transmontano.
Carla Vaz acrescenta que "não se pode esperar mais" e que o facto de estar tudo parado tem prejudicado o operador e a região. Com essa ideia também estão Adão Esteves e Paulo Correia. São proprietários de dois restaurantes em Mirandela. "A cidade precisa de gente e o comboio já deveria estar a andar".
José Bessa e um amigo abriram de propósito a loja de produtos tradicionais" Mercado dos Zés" à espera dos turistas. "Estamos à espera deles. Abrimos aqui porque está perto da estação. Estávamos a aguardar a abertura da linha o ano passado e não foi aberta. Quem perde é a região", ressalva o jovem arquiteto.
Apesar de a linha já ter sido desativada, continua a ser propriedade do estado. A gestão passou para a agência de Desenvolvimento do Vale do Tua, criada também como contrapartida à construção da barragem e que compreende os municípios de Alijó, Murça, Mirandela Carrazeda de Ansiães e Vila Flor.
Foto Rui Manuel Ferreira / Global Imagens |
José Paredes é o presidente da Câmara de Alijó e atual responsável da Agência. Diz que há "muita burocracia para ultrapassar". E que "é um imbróglio de papéis e de autorizações de tal forma que as coisas custam muito a avançar e avançam muito devagar. O que está aqui em causa é o licenciamento de toda a atividade e estou convencido que chegaremos a um entendimento muito brevemente", conclui.
Esse "brevemente" para o presidente da agência poderia ser "já amanhã" mas toda a gente continua sem saber quando será.
(A linha do Tua faz este sábado, dia 29 de Setembro, 131 anos. Foi inaugurada em 1887 pelo Rei D. Luís numa cerimónia onde esteve presente também a sua esposa a rainha D. Maria e o Infante D. Afonso. Foi encerrada em 2008. Tinha 134 quilómetros de extensão do Tua até Bragança.)
Afonso de Sousa
TSF
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