(colaborador do "Memórias...e outras coisas..."
A propósito da recente fotografia do burro zebrado – que correu célere pelo mundo, pelo menos o mundo Ocidental, – e foi coqueluche nas redes sociais, lembrei-me da velha história ocorrida há cerca de dois mil e trezentos anos:
Estando o grande Demóstenes, discursando, sobre matéria de elevada gravidade, verificou, que pouca atenção prestavam às suas palavras.
Como eminente orador, que era, logo introduziu historieta, para acordar o adormecido auditório:
Certo mercador, tendo precisão de se deslocar a determinada localidade, tratou de alugar, numa alquilaria, burrito possante.
Ao longo do caminho – estrada poeirenta, rasgada em terra quase deserta, – o calor era abrasador, e não havia: muro, rocha, árvore ou arbusto, por mais pequeno que fosse, que oferecesse refrescante sombra.
O pobre homem, aflito, apeou-se, protegendo-se à sombra, que o jumentinho projetava.
O recoveiro, sufocado, transpirava por todos os poros, e insurgiu-se indignado: “ que alugara o burro, mas não a sua sombra”. Portanto a sombra era dele…
De súbito, o orador, calou-se. Curioso silêncio imperou. Ouviu-se, então, uma voz” – Como terminou o pleito, Sr. Demóstenes? …” – ; seguida de outras, em uníssimo, fazendo a mesma pergunta:
- “ Como terminou o pleito?! …”
Desceu do ambom, irado, Demóstenes, dizendo em alta voz:
- “ Vergonha das vergonhas! …Tendes mais interesse na história de um burro, e na contenda de dois néscios, do que nos negócios da nação! …”
Como no tempo de Demóstenes, também, nós continuamos a comportarmo-nos como os atenienses: damos mais importância ao Futebol, do que à governação do país! … e ao bem estar do semelhante!…
Basta haver Campeonato do Mundo; jogo entre equipas rivais; transferência de jogador famoso, para a mass-media esquecer tudo! …
Que mundo é este, que regateia (muitas vezes) o vencimento de político hábil, capaz de administrar, com sabedoria, a nação, e oferece milhões a jogador, que muitas vezes, mal sabe ler!? …
Que mundo é este, que corta verba, para investigar, e “ chora” honorário de sábio, que passa dias e dias encerrado no laboratório, e noites e noites, em claro, a estudar, tentando descobrir a cura de doença maligna ou vacina, que ponha cobro a epidemia galopante, e gasta milhões em armamento!? …
Que mundo é este, que assevera: a Família é imprescindível para educar a criança, e não facilita, aos pais, para estarem mais tempo com os filhos!? …
Que mundo é este, em que tudo se conjuga para destruir a Família; e se iguala ao matrimónio, o que não é, nem nunca foi!? …
Que mundo é este, em que politico honesto, é preterido ao populista, que promete o que não pode, e mente sem pejo!? …
Que mundo é este, que dá mais valor ao artista, que dizem ser ótimo, do que ao verdadeiro artista!? …
Que mundo é este, onde pintor ou escultor, apresenta obra que ninguém entende – verdadeira aberração, – mas todos “ apreciam”, para não serem apelidados de inépcia!? …
Que mundo é este, que nega verbas para construir hospital, e equipá-lo com o material mais moderno, e gasta milhões a erguer estádios de Futebol!? …
Como no tempo de Demóstenes damos valor ao que não tem valor… Será que ao Poder (esquerda, centro e direita,) interessa-lhe cidadãos marionetes, que só pensem: em sexo e “guerras” desportivas?! …
Demóstenes queria acordar o auditório adormecido; agora, muitos (que são poucos,) pretendem adormecer a populaça, tornando-a acéfala
Não são novidades. Basta abrir livro de História, para verificar, que, por mais que o povo faça, anda sempre de canga. Apenas consegue mudar de cangalhas.
Humberto Pinho da Silva, nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA.Foi redactor do jornal: “Notícias de Gaia"” e actualmente é o responsável pelo blogue luso-brasileiro: " PAZ".
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