sábado, 29 de setembro de 2018

No Sabor, o último rio selvagem deu lugar a lagos calmos

Perdeu o epíteto de “último rio selvagem” de Portugal quando há dois anos foi dominado pela “mãe de todas as barragens”. Mas isso não significa que tenha deixado de ser arisco, à espera de ser explorado nas suas águas tépidas. Por detrás do Douro, há uma porta que se abre para a nova paisagem do rio Sabor, cheia de espelhos de água, à espera de serem quebrados. Os Lagos do Sabor são uma novidade no horizonte transmontano que ainda não cedeu ao turismo de massas. Nem tem como.

Foto: Rita Rodrigues

Alfredo faz o mesmo caminho todos os dias. Sobe a ladeira, num passo ligeiro, errante, desengonçado, mas directo ao destino. Em cima das pernas de 98 anos vai decidido para se encostar à fraga, onde antes se sentava com um livro no colo. “Lia tudo o que viesse à mão”. Agora ali fica a sentir o calor abrasador na pele e a trocar dois dedos de conversa com quem passa.

Naquela rocha escura há um enclave que parece uma cadeira feita de propósito às medidas do corpo do tio Alfredo. Os olhos já não lhe permitem ler, mas não precisa da nitidez da vista porque os pés sabem de cor o caminho entre a sua casa, ao lado da igreja matriz, e o castelo do Mogadouro, onde vai passar as tardes. Dali do cimo daquela vila, Alfredo diz que nada mudou, que o horizonte que dali espreita se mantém igual. Mas naquelas bandas de Trás-os-Montes muito é diferente desde que nasceram a jusante e a montante os dois paredões da barragem do rio Sabor e com elas se criaram lagos onde antes só se avistava terra.

Os olhos de Alfredo ainda não viram bem os efeitos das mudanças da barragem do Baixo Sabor. Há muita água onde antes o rio minguava quase até ficar uma ribeira. No Verão, por vezes o caudal deste rio, que chegou a ser o último rio selvagem português, era tão baixo que dava para passar a pé de uma margem à outra. Não tinha barragens, não tinha regadio intensivo, não tinha aproveitamento organizado para o turismo. Agora também ainda não os tem, faltam-lhe as assinaturas do Governo no plano estratégico da barragem para que possa ser aproveitado com ordem e lei.

Entre o ser selvagem e o passar a ser dominado, ficou num limbo. Um limbo que ainda abre uma janela de oportunidade aos visitantes para aproveitarem a sua genuinidade e autenticidade, a começar pela das suas gentes.

Foto: Rita Rodrigues

Alfredo é uma das pessoas às quais não deve passar indiferente ao visitar Mogadouro. Para ser o “dono” do Castelo da terra só lhe falta a chave da porta, porque a dos segredos ninguém lha tira. Inspira qualquer um a conhecer a terra que foi em tempos propriedade da família dos Távoras e que deixa transparecer sinais deste domínio. O mais evidente, a avaliar pela quantidade de placas a anunciar a sua existência e o caminho para lá chegar, é o Monóptero de São Gonçalo. A ida até à beira deste monumento de inspiração barroca vale por si. De um lado e de outro da estrada, as silvas vão arranhando a carrinha pickup, mas o pior são os buracos na terra batida que fazem com que a distância por ali se deixe de medir em quilómetros e se passe a medir em tempo.


Foto: Rita Rodrigues

O Monóptero está num terreno privado. Para o ver é preciso passar por sinais que avisam que se entra em propriedade que não é de todos e talvez por isso este monumento singular na Península Ibérica se esteja a degradar a olhos vistos, apesar da classificação desde 2012 como Monumento de Interesse Público.

Esta classificação chegou anexada com uma zona especial de protecção, uma vez que é preciso ter “em consideração o enquadramento paisagístico da construção, que realça a sua singularidade e confere ao cenário um carácter bucólico que o valoriza e a sua fixação visa a salvaguarda do monumento e do contexto que com ele estabelece uma relação interpretativa”, lê-se na portaria assinada pelo então secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.

O monumento circular com seis colunas já ficou sem a cúpula abobadada e aos poucos está a perder os plintos de granito que põem em perigo as seis colunas e por consequência a estrutura de todo o monóptero. Além disso, dizem que em tempos tinha uma imagem de São Gonçalo, no centro. Já não existe. Este Verão tinha apenas as palhas da vegetação que entra pelo pequeno monumento adentro. A Câmara Municipal do Mogadouro negoceia com os privados o que fazer, mas a solução ainda não foi encontrada.

Foto: Rita Rodrigues

A ida ao monóptero e um passeio pelas aldeias de Penas Róias, também ela com um castelo, ou de Azinhoso, onde perduram singularidades da arquitectura de Trás-os-Montes, como as varandas de madeira ou as pequenas igrejas com alpendres, que serviam para albergar peregrinos, sem que nos cruzemos com turistas são um exemplo do muito que há por descobrir nestes quatro concelhos.

Depois do enchimento da barragem, que aconteceu há dois anos, pouco foi feito junto ao imenso espelho de água que se estende pelos concelhos de Macedo de Cavaleiros, Moncorvo, Alfândega da Fé e Mogadouro. E isso não tem de ser mau para quem lá vai, apesar de ser pouco útil, rentável ou produtivo para quem lá vive.

A linha do horizonte entrecortada de Trás-os-Montes ganhou, através da acção da mão humana, água nos vales, mas a mesma mão não modificou nada ou mudou muito pouco do que ficou à tona. Ainda não há autorização para novas praias fluviais, ainda não há os famosos barcos-casa, as casas palafitas, os barcos de recreio ainda são poucos, a pesca ainda não está regulada e o regadio também não é programado. É um imenso mar de água doce por explorar e organizar e isso dá a sensação ao visitante que é o primeiro a fazer tudo por ali.

Essa sensação de ter uma experiência turística ainda partilhada por poucos é um dos segredos mais bem guardados da região. Na verdade, por esta zona, fazer praia nos novos lagos ou passear de barco apenas pode ser feito por conta e risco próprios, já que não há empresas que possam explorar as margens das albufeiras criadas com a barragem e existem apenas duas praias fluviais que já existiam, a praia da Foz do Sabor e a praia da Foz do Azibo. As duas com água mais quente do que seria de esperar para rio – rondaria os 23, 24 graus no final de Agosto.

Foto: Rita Rodrigues

Onde antes quase só se via terra e um pequeno curso de água, nasceram desde há dois anos três grandes lagos: o Lago de Cilhades, o Lago do Medal e o Lago dos Santuários. Com a subida do leito, ficou maior e mais larga a Foz do Azibo. Em cada um há uma história que ficou escondida na água ou para ser descoberta nos montes que a rodeiam.

Um santuário trasladado
Luís casou há dez anos no Santuário de Santo Antão da Barca, que fica no concelho de Alfândega da Fé virado para o de Mogadouro. À ida para o casamento, foi pela estrada que atravessava o rio. Muitas vezes, durante o Verão, dava para passar o Sabor a pé. O leito secava tanto que se punham a descoberto as pedras do fundo e as margens tocavam-se.  Nesse dia foi festa rija no Santuário. “A meio da tarde cai uma trovoada e o rio sobe tanto que já não pudemos atravessá-lo e tivemos de dar a volta”.

Dar a volta significava andar quilómetros até que a ponte do IC5 os pusesse do lado de lá. Luís conta a história do casamento durante um passeio de barco. É dos poucos que os faz nos novos lagos, no seu pequeno barco de pesca. Sem docas, o improviso para entrar na água leva-o a usar uma estrada que ficou alagada para se aproximar da água com o jipe e largar o barco na albufeira. Fá-lo a expensas próprias, porque naqueles lagos ainda não há autorização para serem construídas docas ou para empresas poderem fazer exploração de passeios turísticos.

Foto: Rita Rodrigues

Apesar de ter estado envolvido em todo o processo de construção da barragem, Luís ainda está a tentar decorar os novos cantos da casa que foi sempre sua. “O Santuário devia ser mais ou menos aqui”, aponta para um dos lados do imenso Lago dos Santuários. O nome foi dado pela Associação de Municípios do Baixo Sabor, que quer dinamizar a zona e criou a marca “Lagos do Sabor”. Ao certo, ninguém sabe dizer onde ficava o local de romaria que juntava as gentes dos dois concelhos vizinhos, todos os anos no início de Setembro. “Agora está ali”, diz olhando para cima.

Lá do cimo do monte aparece o santuário trasladado. As imagens de satélite do Google ainda estão no antigamente. Ainda se vê o rio, estreito, com a areia acumulada e as rochas a descoberto. Agora, no cimo do monte, a cerca de um quilómetro onde existia o santuário com mais de 200 anos, foi erigido o novo lugar de culto. Ou foi reerguido. Durante meses, equipas de restauradores foram desmontando a igreja de um lado e montando do outro, pedra a pedra até à sua nova morada, no cimo do monte da Parada e de frente para o novo Lago dos Santuários.

A igreja lá no alto marca com imponência uma das curvas do rio, onde este se junta com a ribeira Zacarias, antes uma pequena ribeira, agora do tamanho e largura de um rio. Como muitos dos sítios religiosos da zona, a igreja agora trasladada foi mandada construir no século XVIII pela família dos Távoras, senhores do Mogadouro.

Foto: Rita Rodrigues

Neste local, onde é possível apreciar a nova paisagem criada pela água do Sabor, foi construído um pequeno museu que mostra em fotografias como a igreja subiu a encosta ao longo de meses, que tem um espaço dedicado à vida do Santo Antão e ainda uma parede dedicada aos “ex-votos” que os crentes faziam ao santo, para pagarem promessas. Do lado de fora, há espaço para um restaurante panorâmico, ainda fechado por falta de equipamentos, e um dormitório na Casa do Romeiro, também ele fechado. Este espaço, propício a um investimento de turismo rural pela vista e pelas condições que oferece, está meio abandonado, apenas visitado por curiosos ou quando se prepara a romaria anual.

Foto: Rita Rodrigues

Há 14 anos, o jornalista do PÚBLICO, Ricardo Garcia, foi conhecer as terras que iriam ficar alagadas quando nascesse a barragem, o que só aconteceu mais de dez anos depois, e falava de uma terra esquecida, onde pouco acontecia, mas que tinha uma paisagem deslumbrante que ficaria submersa. “Provavelmente, apenas quem visita um vale antes de ser inundado consegue vislumbrar a dimensão brutal do que se perde com as albufeiras, em troca de água e electricidade. Há coisas que estão lá longe, e passarão a ficar ao pé. Outras, ao contrário, estão hoje ao alcance de todos, mas amanhã nunca mais serão acessíveis”, escreveu.

Um desses casos é a aldeia de Cilhades, no concelho de Torre de Moncorvo. Descendo pelo rio, é possível chegar ao recém-nascido lago que ganhou o nome da aldeia (que já na altura era) abandonada e que ficou no fundo. O Lago de Cilhades, nome bonito para um local mais bonito ainda, é o maior lago criado com a construção da barragem. Sentados à sua beira, parece que a natureza nos põe à frente um teste de Rorschach inventado a 360 graus: é água ou são os montes? Onde começa um e acaba o outro? A água parada, sem ondas, cristalina, tépida, confunde os peixes que roçam à tona com as oliveiras do serro.

Foto: Rita Rodrigues

Em 2004 a descrição do que era aquela aldeia é em tudo diferente do que se vê agora. “Hoje abandonada, Cilhades terá a albufeira como sepultura, sob dezenas de metros de água. A partir da aldeia, é preciso subir por tortuosos caminhos vicinais até chegar-se à futura superfície da albufeira”. Hoje ela já existe, cheia, a esconder amendoais e olivais. Pela superfície, indo pela Garganta da Fraga do Fojo, onde o rio estreita e faz uma curva, liga-se ao Lago dos Santuários. Este, por sua vez encontra-se com o Lago do Medal pelo Estreito do Aguilhão. Se a ideia é seguir pelos “tortuosos caminhos” estes continuam a existir, apesar de agora ser mais fácil chegar a esta zona do país pela A23 e pelo IP2, saído do sul ou pelas A24 e A4 se sair do Porto.

O monte maldito e o monte bendito
As árvores são mais pequenas, apesar de muitas serem muito velhas. Nada cresce. Nada brota. Chamaram-lhe “o monte maldito”. Do outro lado da encosta fica o “monte bendito” onde a terra é fértil. Tudo tão perto, porquê a diferença?

A explicação interessa ao mais leigo, mas sobretudo ao mais entusiasta da geologia. O Monte de Morais, em Macedo de Cavaleiros, o tal “monte maldito”, é denominado como “o umbigo do mundo” porque prova, explica o geólogo João Alves do Geopark de Macedo de Cavaleiros, na aldeia de Morais, que há muitos milhões de anos “houve a Pangeia”, o supercontinente que nasceu do choque de vários e que depois se voltaria a desmembrar para criar a divisão como a conhecemos hoje. Avaliando as rochas presentes neste maciço há “provas de dois continentes e um oceano de há 500 milhões de anos”, acrescenta.

Foto: Rita Rodrigues

Pela sua relevância geológica, este Geopark, apoiado pelos dinheiros das compensações que a EDP tem de pagar para contribuir para o desenvolvimento da região por causa da construção da barragem, é classificado pela UNESCO. Para isso, precisava de ter pelo menos um “geosítio” de interesse mundial: em Morais há quatro, que podem ser observados. Contudo, a construção da barragem dificultou o acesso a um deles, ao alagar uma das estradas.

A experiência não pode ser dissociada da explicação e do conhecimento que se obtém por se descobrir que Morais é importante para explicar a evolução do mundo. Pondo um pé numa rocha e outro noutra é como se tivesse, em sentido figurativo, um pé num continente e outro no fundo de um oceano, isto porque as rochas presentes nesta pequena região são de diferentes tipos, incluindo algumas do fundo do oceano.

A tia Maria Luísa vive no lado do “monte bendito”, a meio caminho entre o Morais e o rio Sabor, ali, mais estreito, por entre vales mais juntos, que se aproximam em escarpas com o propósito de esconder as águas mais esverdeadas. “Quando o sol abre os olhitos, é impossível cozer”. Naquele dia estão para cima de 30º e a padeira mais conhecida do concelho de Macedo de Cavaleiros já está àquela hora, depois de almoço, a descansar os braços de amassar, mas não dispensa narrar a sua história.

Foto: Rita Rodrigues

Ponto prévio: o pão é excepcional, mas a conversa não lhe fica atrás. É preciso tempo para conhecer esta senhora, ícone da aldeia de Lagoa, que aos 79 anos ainda se mete numa pequena garagem de reboco à mostra para cozer pão e dar conta de todas as encomendas. “Venho para cá às 5 da manhã, mas às 3h levanto-me, faço a sopa, faço a oração da manhã e brinco com o meu marido”, diz a rir esta estrela. A boa disposição chega-lhe ao riso, acredita, por causa do dia em que nasceu, 14 de Fevereiro. Mas isso não significa que tenha tido muitos namorados. “Não tive muitos namorados porque não tinha tempo, casei-me já muito tarde, com 19 anos”. 19 anos, tarde?! “Não tinha paciência para estar solteira, tinha de fazer render o tempo”.

A velocidade a que viveu a vida imprimiu-a ela, a começar logo quando só media apenas “três palmos” e já queria peneirar a farinha. Mas aqueles eram outros tempos. Os mais novos eram empurrados para fazer trabalhos e contribuir para o rendimento de casa. Agora, pede ajuda “à Gracindinha” para fazer o pão “que é vicioso”. É. A vida desta mulher dava um livro. Às turras com a mãe quase desde que nasceu – “Sempre fui muito rebelde, ela não me gramava porque era refilona” – foi fazendo tudo às escondidas, incluindo acolher como melhor amigo um meio-irmão por parte do pai, que era mal visto pela mãe.

Se foi rebelde na vida, não o foi nas receitas. O pão e os bolos de azeite seguem a receita tradicional: “O pão que é pão é feito com farinha, fermento, água e sal. Mais nada. O meu pão é especial porque é feito com muito amor e sacrifício”, vai contando enquanto exemplifica com as suas mãos pequeninas como faz a sua marca: três dedos dentro da massa em triângulo. É assim o pão da tia Maria Luísa, sem enfeites porque a “raposa vestida de chita, raposa é, raposa fica”.

Foto: Rita Rodrigues

O lúcio mata as bogas e os barbos
Continuam a sair para a faina todos os dias, três ou quatro pescadores que levam as bogas e os bardos directamente para os únicos três restaurantes que ainda têm como prato típico estes peixes do rio fritos. As bogas, maiores, servidas às postas e os barbos, quando pequenos, a imitarem os jaquinzinhos fritos, mas de sabor mais intenso e com espinha mais branda. A tradição da Foz do Sabor, esta que é a última aldeia piscatória de rio da zona, está entregue a meia dúzia de pessoas, mas é agora ameaçada por outra novidade que anda na água: o lúcio.

O enchimento da barragem está a fazer deslocar o Lúcio para zonas onde antes não chegava, uma vez que o leito do rio era muito baixo o que impedia a sua viagem para outras paragens. Mas o Lúcio é um predador e alimenta-se também das bogas e dos barbos, os peixes típicos do Sabor.

Este foi apenas um dos problemas na biosfera da região. A barragem do Baixo Sabor nasceu como alternativa à barragem prevista para Vila Nova de Foz Côa. As gravuras salvaram o Côa e empurraram o domínio pela EDP mais para cima, para o Sabor, também ele um rio que se junta ao Douro. Apesar de anos de contestação, sobretudo por ser uma zona de protecção ambiental, a Comissão Europeia acabou por dar luz à construção da barragem, que custou cerca de 450 milhões de euros à eléctrica e produz electricidade para 300 mil pessoas. Como compensação pela construção daquela que foi apelidada, pelo então ministro da Economia Manuel Pinho como “a mãe de todas as barragens”, a EDP patrocina vários projectos de desenvolvimento que começam agora a dar os primeiros passos depois do enchimento.

Foto: Rita Rodrigues

Alguns desses projectos têm como objectivo garantir a biodiversidade da região. É o caso do recém-aberto Centro de Interpretação Ambiental e Recuperação Animal (CIARA), em Torre de Moncorvo. É neste centro que estão em recuperação muitos animais selvagens que são apanhados na zona do rio, sobretudo grifos, mas em que é possível perceber melhor a especificidade da região, incluindo através de um voo simulado em 3D. As visitas a este centro precisam de ser marcadas com antecedência no posto de Turismo.

Foto: Rita Rodrigues

Os quatro concelhos dos Lagos do Sabor ainda vão mudar muitos nos próximos anos. Ainda guardam muitos segredos. Um deles é à medida de cada um: esta paisagem é para viver, contemplando-a, seja do alto de um castelo ou do alto de um monte. Contemplar as vinhas, as oliveiras antigas que resistem à exploração intensiva, as culturas dos campos geometricamente alinhadas, as poucas aldeias espalhadas, os monumentos que contam uma história de conquista de território e de religião vivida em público ou em privado. Falar com as pessoas que são histórias de registar no livro dos únicos. Contemplar os montes que tapam montes, que escondem montes e que agora… mostram água.

O que fazer?
A região não está preparada para turismo de massas, pelo que é possível aproveitar muitas destas paisagens e andar quilómetros sem ver ninguém. Para isso, pode ir de automóvel e apreciar as vistas através do Circuito Panorâmico Automóvel do Baixo Sabor, ou caminhar pelos vários percursos pedestres. Em especial, a Ecopista do Sabor, que faz o caminho de parte da antiga linha do comboio entre o Pocinho e Miranda do Douro. Esta Ecopista termina em Carviçais, Torre de Moncorvo, num total de 24km. Além do património histórico e arqueológico da região, e apesar de o plano estratégico para a utilização do espelho de água ainda não ter sido aprovado, existem duas praias fluviais de água tépida a aproveitar: a praia da Foz do Sabor, em Torre de Moncorvo e a praia do Azibo, em Macedo de Cavaleiros.

Para um passeio mais didáctico, aconselha-se a visita ao Centro de Interpretação Ambiental e Recuperação Animal (CIARA), em Torre de Moncorvo, e ao GeoPark de Macedo de Cavaleiros

Onde comer

Restaurante A Lareira
Mogadouro
O chef Eliseu estudou em Paris e por lá foi chef de um restaurante com estrela Michelin. Foi a qualidade da cozinha francesa que pôs na mala para voltar para a terra Natal. Diz que escolhe a melhor carne, a de “vitelas mamonas, que ainda estão a mamar”, para vender aos clientes a posta mirandesa, típica da região. Serve-as com um molho regional e desafia a descobrir qual o ingrediente secreto. Até aqui, os clientes chegam de propósito, o turismo, diz, ainda não tem expressão na clientela. Entre os pratos-chave estão os cogumelos boletos pinícola e a batata do chef.

Quinta da Bela Vista
Agroturismo
Alfândega da Fé
O João e a Virgínia vivem com um bebé num monte com quatro quartos. Recuperaram silos de cereais e por lá têm o negócio, que inclui uma experiência gastronómica. Além da típica alheira e da carne de vitela fatiada em alho e tomilho, aqui pode experimentar as típicas “sopas de cegada”, o almoço de quem ia para o campo apanhar os cereais. As ceifeiras e os ganhões “malhavam” o trigo e no centeio e ao almoço era-lhes servido uma “comida com substância”, conta João. Para o fazer usa apenas o pão, bacalhau, ovo e batata, temperado com azeite e colorau.

Restaurante Villar de Masaebo 
Macedo de Cavaleiros
A dona Aldina, a cozinheira, é ela quem à entrada do restaurante tem uma banquinha onde por vezes se põe a fazer os enchidos para toda a gente ver. É também ela que vai para trás do fogão, em conjunto com a nora, confeccionar os pratos que passam, sobretudo, pela carne de porco bísaro, que os próprios criam. A cada duas semanas matam cinco porcos para o restaurante, e para venderem os enchidos na loja de artesanato.

Foto: Rita Rodrigues

Amêndoas da dona Dina 
Torre de Moncorvo
Conseguiram há pouco tempo a certificação das amêndoas de Moncorvo. A dona Dina recuperou a tradição das doceiras que iam pelas terras a vender amêndoas doces e que agora tornaram-se símbolo da vila. Durante oito horas por dia, as doceiras vão trabalhando as amêndoas, colocando calda de açúcar aos poucos num grande tabuleiro redondo quente e revirando as amêndoas para não queimarem, num movimento tão mecânico como cansativo. Mas só assim, dizem, é possível obter as melhores amêndoas e com o aspecto granulado das de Moncorvo.

Liliana Valente

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