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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 23 de setembro de 2018

O tio Alberto Mirandela, sua mulher e dois filhos, que para mim eram secundários e vinham depois do artista e da sua arte!

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Moravam na casa que era a última e que por comparação com a parábola do Evangelho de Mateus (18-1,5), me lembrava das palavras do Mestre; Os últimos serão os primeiros! O pintor Alberto, chamado o Mirandela era um homem diferente de todos os outros os vizinhos da minha rua.

Quem ler esta afirmação, pensará, de quantos já disseste o mesmo? E eu responderei, este homem era diferente porque a sua matriz cultural era estranha pois não sabendo eu exactamente de onde era, senti sempre que entre ele e nós (os de Bragança), havia algo de diferente, qualquer coisa que sendo mais urbano, mas proletário, lhe garantia uma certa aura de superioridade na sua profissão se comparada com os seus pares de matriz bragançana, mas também de outro modo uma quase incapacidade de ter com os vizinhos e demais gente um relacionamento afável, caloroso e genuíno.
Deixarei por aqui, como se pela rama, a minha apreciação que é subjectiva e parcial, pois estou a partir do princípio de que ele não era nado e criado na área territorial do concelho bragançano.
Outro ponto de apreciação era a maneira de vestir da sua esposa, Cândida, que usava blusa e saia rodada com avental curto e com bordo de folhos, mais à moda de Entre-Douro-e-Minho. Os seus dois filhos que eram da idade dos meus irmãos mais velhos e dos quais me recordo perfeitamente, Manuel e Carlos, viviam, creio, entre duas maneiras distintas de viver em sociedade, a de seus pais e a "nossa". Viveram anos incontáveis na Caleja, mas a sua matriz imutável era de outras paragens.
Ora, o que eu acabo de escrever não apouca em nada esta família nem sequer e só os progenitores que sendo mais genuínos na sua génese, eram gente honrada e metida na sua vida. Havia que considerar como ponto de excelência a arte e a fantasia do tio Alberto, em contraponto com a quase hostilidade para com a garotada e uma permanente maneira brusca de relacionamento da tia Cândida para com as outras mulheres da rua onde todas viviam. Realçava esta ideia o facto da sua casa de habitação ser a última e ter dois degraus de escada para se alcançar o cancelo que servia de resguardo aos olhares curiosos, de verem de perto uma colecção de arte popular digna de registo e apreciação!
Havia ali de tudo, castelos, solares, casas de lavoura e outras avarandadas ou não que faziam a minha delícia e me faziam também sonhar com outras paragens e outras gentes que eu só conhecia dos livros e de ouvir dizer!


Zé Santana

Atrevo-me a escrever, que a arte "naïf" que hoje é a imagem de marca do bragançano Zé Santana, que todos conhecemos dos presépios que montou há ainda pouco tempo, ou da exposição que ele dá à curiosidade de todos, portugueses e estrangeiros e está patente no quintal da ponta final da Ponte dos Açougues a que hoje se chama de Além do Rio, nasceu do contacto contínuo e do fascínio que o trabalho do pintor Alberto Mirandela exerceu na mente do meu amigo Zé Santana que é da Caleja e que lá continua a viver. Não passa isto da minha apreciação e de dedução empírica de quem conheceu a ambos muito de perto.
Mas adiante que o tio Alberto dá pano para mangas e falta-me relatar o acontecimento que me fez um seu admirador incondicional.
Por alturas do São João mais ou menos nos finais de cinquenta inícios de sessenta, entre, 59/61, a Câmara Municipal resolveu fazer uma "Cascata" para comemorar o Santo Batista e convidaram o tio Alberto Mirandela para idealizar e edificar a cascata. Socorreu-se o Mirandela do património que tinha dentro de casa e que tanta curiosidade a garotada da Caleja tinha em ver de perto, pois embora ele construísse as Casinhas à porta de casa quando as pintava, fazia-o dentro, pois aí tinha as tintas e pincéis para com perícia fazer os acabamentos que tinham sempre algo de delicado e original. Depois de ter finalizado toda a obra da cascata, e sem ninguém suspeitar, no dia do ensaio geral em que toda a garotada da Caleja, Loreto, Além do Rio e Vila estava presente o tio Mirandela diz ao tio Américo Jardineiro: -Abre a água! E vemos, estupefactos, um esguicho sair das profundezas e elevar-se glorioso até quase às alturas do muro da Rua da República que está em frente ao Coreto. Foi uma gritaria que se elevou aos céus. O garotio surpreendido dava liberdade ao júbilo de poder ver a água sair gloriosamente da terra e elevar- se sustentando em movimento contínuo uma bola de ping-pong que o tio Alberto Mirandela havia colocado com perícia no centro do esguicho que abrindo em leque sustinha a bola para gáudio de pequenos e graúdos.
Hoje tantos anos depois, pergunto-me, o que impressiona as crianças na idade em que começam a ter capacidade de raciocinarem no abstrato? As tiradas grandiloquentes dos discursos demagógicos ou antes as coisas simples mas tangíveis que os seus olhos vêem e a sua memória regista?
Havia naquele tempo muita obra feita pelo tio Mirandela, paredes, caixilhos, portas e janelas que eram obra limpa, mas aquela cascata com o esguicho de água a suster a bolinha preencheram a minha imaginação de criança até já tarde! Falta-me acrescentar que a partir daí arrolei o Tio Alberto e a Tia Cândida nos "nossos " e deixei de pensar na blusa, saia e avental dela e na secura de feitio dele! Aos que ainda restam da tribo da minha rua faço um apelo. Digam-me o que ainda lhes vai na memória dos tempos e acontecimentos da vida que todos vivemos mas que cada qual vê de ângulo diverso.
Ao Zé Santana perguntarei de viva voz se o que eu acima afirmei corresponde nem que seja um pouquinho à verdade.




A. O. dos Santos
(Bombadas)

1 comentário:

  1. Toninho, realmente o teu comentário é precioso e que nos faz lembrar, relembrar, pessoas de bem, donos do seu nariz, que nao dava abébias, pelo menos no que se referia aos trabalhos, a rapaziada do nosso tempo. Sinceramente nao me recordo de algum momento menos bom, mas como sabemos, a nossa rua, a nossa querida rua, era um poço de diversidade: oficinas de motas, senhoras da vida, trabalhadores e um naipe de pessoas que formavam aquele viver de todos nós. Naturalmente teríamos largas historias para contar: "Os Bombadas", as familias que "desenhavam" uma extraordinária "Caleja". Eu proprio: frente à minha casa vivia uma senhora que muita alegria e satisfaçao a milhares de pessoas que por ali "passavam" e que chegavam a fazer filas... Enfim, hei-de, agora que me reformei, tentar relembrar tido que consiga.
    Um abraço para todos e ao dispor.
    Fernando Borges
    930664957
    Guimaraes-

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