É bem provável que o acidente que vamos referir possa ter sido o primeiro atropelamento mortal provocado pelo condutor de um veículo automóvel em Bragança. Mesmo que não tenha sido, vale a pena relatá-lo, pela carga dramática, por todas as circunstâncias envolventes, pelos protagonistas e intervenientes. E, sobretudo, porque deixa transparecer a “coexistência”, no aglomerado, de relações entre o mundo urbano e mundo rural, que aqui se misturavam.
Estamos em 1907. A 4 de fevereiro, dia da primeira feira do mês. O condutor de um carro “desgovernado” provoca um acidente em que morreu uma criança com 18 meses. O caso, como não podia deixar de ser, chega a tribunal. Pelas peças do processo, é possível reconstituir a ocorrência.
Poucos seriam os veículos motorizados em Bragança e muito pouco expressiva seria, ainda, a circulação automóvel. Não deixa de ser digno de registo o facto de haver um outro meio bem mais arcaico “envolvido no acidente”, um burro. Encontram-se e cruzam-se, no quotidiano, dois mundos e dois tempos que coexistem: o de uma civilização que desponta e se afirma (que cria “máquinas velozes” que já marcam presença na urbe) e de uma outra que vem de tempos profundos, que envolve personagens ligadas ao meio rural e meios de transporte cuja circulação devia ser bem mais habitual no aglomerado urbano. Em confronto, o mundo daqueles, poucos, que, com possibilidades, podiam apostar no progresso e o daqueles, muitos, que não têm acesso a tais “conquistas civilizacionais”, e até desconfiam delas.
É assim que uma das testemunhas, um proprietário de hotel, descreve o acontecido: estando “na Rua do Loreto, presenciou que uma mulher com duas crianças desciam a Rua do Loreto a cavalo em um burro, e um pouco atrás, seguia com bastante velocidade um carro pertencente a António Gonçalves e guiado por um criado deste… a quem não conhecia; que o carro saiu da estrada para entrar na calçada da rua.” Uma das crianças acabou por ser atropelada mortalmente. Pelas circunstâncias bizarras que o envolveram, o acidente deveria ter impressionado vivamente os habitantes do aglomerado…
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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(Henrique Martins)
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