sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Escolas do Município de Bragança em finais do Antigo Regime – a continuidade (1820-1834)

A Constituição Liberal de 1822, apesar da importância que o debate sobre a instrução pública assumiu nas Cortes Constituintes, para além de consagrar a “liberdade de ensino” – qualquer cidadão podia “abrir aulas para o ensino público” –, vai limitar-se a referir vagamente que, nos lugares do Reino, haveria “escolas suficientemente dotadas” para ensinar “a mocidade portuguesa de ambos os sexos a ler, escrever e contar, e o catecismo das obrigações religiosas e civis”; e ainda, que as escolas existentes seriam “novamente reguladas”, criando-se outras “para o ensino das ciências e das artes”.


A matriz da reforma pombalina da instrução pública manteve-se intacta até 1835-1836, e só a partir de então é que o liberalismo triunfante vai renovar significativamente o sistema de ensino em Portugal.
Através das teses de doutoramento de António Nóvoa e Maria Isabel Baptista, assim como de outras fontes, é possível apreender um pouco da realidade escolar do ensino primário no Município de Bragança, entre 1820-1834, o qual, na verdade, mantém a estrutura herdada de finais do século XVIII, desenvolvida pelo marquês de Pombal a partir de 1759 e definitivamente estabelecida em 1772, com a estatização e secularização do ensino, criando-se, para tal, um novo imposto, o subsídio literário, destinado a garantir, como diz António Nóvoa, “o orçamento nacional da educação”.
A partir de então, o ensino da leitura escrita, aritmética e catecismo da doutrina católica vai generalizar-se a todo o território de Portugal. Nas quatro comarcas de Trás-os-Montes existiam, em 1794, cerca de 70 professores régios de leitura e escrita, menos de 10% do total nacional, que era de 774. Na comarca de Bragança encontravam-se nesse ano 15 mestres de primeiras letras, mas não esqueçamos que esta comarca abrangia 20 concelhos, alguns bem distantes de Bragança, como, por exemplo, Chaves e Montalegre.
Não deixa de ser interessante verificar, aliás, que enquanto Trás-os-Montes, entre 1774 1793, contribuiu, em média mensal, com 34% das receitas do subsídio literário, graças aos vinhos do Alto Douro – o valor mais elevado de todas as províncias –, as despesas anuais com os salários dos professores a ensinar em Trás-os-Montes, no ano de 1781, por exemplo, não iam além dos 7%, o valor mais baixo de todas as regiões/províncias do Reino.
Finalmente, importa não esquecer que, para além deste ensino público, funcionava, paralelamente, o ensino privado, garantido por indivíduos a quem era autorizada o exercício da profissão docente, e que rivalizavam com os mestres régios em competência e dedicação, superando em número, nos finais de Setecentos, aqueles que eram nomeados e pagos pelo Governo.
Para além dos professores das primeiras letras, existiam também os professores do ensino secundário, que garantiam o funcionamento das disciplinas de filosofia, retórica, grego, gramática latina e línguas vivas, como o inglês e o francês, nas cidades e principais localidades do Reino, mais bem remunerados e mais prestigiados, naturalmente, que os professores do ensino primário.
Em Bragança, na última década de Setecentos, apenas ensinavam um professor de gramática latina e um professor de primeiras letras, solicitando o Município mais um mestre “em cada uma das ditas ciências”, e que as aulas passassem a ser no centro da Cidade, e não fora dela, como então acontecia, visto funcionarem no Convento de São Francisco. Isabel Baptista indica que, por 1820, havia em Trás-os-Montes 80 a 90 escolas primárias. Na Cidade de Bragança contavam-se, então, nesse ano, uma cadeira de ler e escrever, cujo funcionamento era garantido pelos franciscanos, e aulas de gramática latina, filosofia, língua grega e retórica, cujos professores garantiam os dois níveis de ensino, primário e secundário. Funcionavam ainda escolas de primeiras letras em Quintela e Salselas e duas cadeiras de gramática latina, uma em Izeda, a outra em Valdrez.
Em suma, no Concelho de Bragança, por 1820, registavam-se, no domínio da instrução pública, três cadeiras de primeiras letras, três de gramática latina, uma de filosofia, uma de língua grega e uma de retórica.
Além destas, funcionavam seguramente uma ou outra escola particular – como a que existiu, por exemplo, no recolhimento de Nossa Senhora do Loreto, fundado em 1794, transferida em 1819 para Fornos de Ledra, que se manteve até à República e onde eram instruídas as “meninas pobres, gratuitamente, em educação religiosa e civil” –, o Seminário de Bragança e as escolas regimentais das unidades militares aí instaladas.
Entre 1820, ano da Revolução Liberal do Porto, e 1834, ano da instauração definitiva do liberalismo em Portugal, o ensino em Bragança conheceu transformações significativas.
Em primeiro lugar, verifica-se um aumento das escolas de primeiras letras no “termo” da Cidade, tendo sido criadas quatro em Izeda, Morais, Ousilhão e Podence. Contudo, em 1832, três das sete existentes no Município foram extintas.
Em segundo lugar, o Seminário de Bragança, instalado na Cidade desde 1766, após a transferência da sede da Diocese de Miranda para Bragança, e que sentia já, antes de 1820, muitas dificuldades quanto a financiamento, disciplina e qualidade de ensino, viu agravadas as condições da sua existência. Em 1824, o bispo José Maria de Santa Ana Noronha considerava “lamentável e digno de lágrimas o seu estado, reduzido a uma simples aula de gramática latina e outra de moral”. A casa encontrava-se arruinada, “com poucos rendimentos, devassada e aberta, habitando nela leigos de um e outro sexo, sem meios de subsistência, sem alfaias necessárias e sem a regularidade de uma casa de educação”.
As guerras civis e a extinção dos dízimos constituíram duros golpes para o Seminário de Bragança. Em 1830, acabaram os “alunos pensionistas e porcionistas”, transformando a Casa numa “hospedaria que recebia rapazes”.
Por 1833, “o professor que regia todas as cadeiras – moral, retórica, cantochão e cerimónias – nada recebia pelo seu serviço”. Em 1834, com a retirada do bispo José Rebelo da Diocese, o Seminário fechou portas.
Finalmente, as duas escolas regimentais de Bragança, criadas em 1815 e que passaram a funcionar a partir de 1817, frequentadas por militares, mas também pelos seus filhos e por civis que o pretendessem, foram encerradas em 1823, por decisão das Cortes Gerais.
Desconhecemos o alcance da medida no Reino. Mas, quanto a Bragança, Isabel Baptista, no trabalho já referido, esclarece que a escola de Cavalaria n.º 12, em 1820, se encontrava em “pleno funcionamento”, “exclusivamente frequentada por alunos paisanos”, colmatando, porventura, “a falha de uma escola régia de primeiras letras na Cidade de Bragança, onde havia apenas a escola do convento de São Francisco”, que vai desaparecer em 1834, com a extinção das ordens religiosas masculinas.
As escolas regimentais foram restruturadas em 1837, mantendo-se, embora com largos hiatos, até aos nossos dias. Tiveram um importante papel no combate ao analfabetismo.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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