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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

NOSTALGIAS DO ANO NOVO A NORDESTE

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Entramos sem grande entusiasmo no ano de 2020. Uma nova década e o tempo a limitar-nos o tempo da nossa precária existência. Cai uma chuva miudinha e o vento sopra dos lados da Sanábria onde habitam todos os frios e os seculares nevões. Sinto as mãos geladas e nem o ano novo me traz a novidade, o fulgor de puder dizer aos meus vizinhos:

— Bom ano e boas festas!

Mas esperamos sinceramente que 2020 seja um bom ano e as festas felizes. Abro a janela, mais frio, um dia igual a tantos outros, sem nada de novo. Já não se vislumbra o sorriso da rapariga que se vestia de lavado e penteava o cabelo. No ar sentia-se o cheiro a perfume TABÚ de contrabando, comprado nas aldeias raianas. Os rapazes já não vestem a samarra, nem falam em cabeças de gado, nem em alqueires de trigo que se adivinham fartos para o ano novo. Já não há beijos de novidade à beira da fonte, nem as mulheres passam grávidas escondendo o ventre de futuro e esperança, no longo xaile.

A minha vizinha continua agarrada ao cajado, mancando e gemendo:

— Valha-me Deus, valha-me Deus, há mais de uma semana que a galinha poedeira deixou de pôr, não sei o que se passa!

Um homem velho esqueceu-se de recolher a lenha.

— Nem o diabo faz arder esta lenha molhada, nem o diabo!

Treme de frio, de longas ausências, só a mulher que já morreu espreita ao canto da memória, mas o lume continua apagado!

Sofro as ausências dos que estão doentes, foram para o Lar. As casas caem, os xailes não aquecem.

Três crianças jogam à bola na cerca da escola, num dia igual a tantos outros, frios e cinzentos, com o pressentimento que vão chegar os homens do capitalismo e do poder, que não conhecem um arado, uma relha, uma samarra, um xaile velho, uma pita que deixou de pôr, nem a lenha molhada que não arde, dizer do alto da sua proa e astúcia que todos temos que ser solidários e apostar na coesão territorial. Mas na verdade o que eles quase sempre dizem é que todos temos que contribuir para que o ar condicionado não se desligue, os Bancos falidos não fechem as portas e não parem os carros de luxo, as subvenções, as festanças, os almoços, os fados e guitarradas, as visitas ao fim do mundo e continuem as irrevogáveis mordomias.

— Não se aflija vizinha a pita logo, logo põe! Então homem de Deus, como se esqueceu de recolher a lenha!

— Uma pessoa sem a mulher não é ninguém! Quando a minha era viva havia sempre lenha, caldo e uma camisa lavada!

Caem-me no peito as lágrimas mais honradas da longa noite transmontana. Escuto os vizinhos demoradamente. Ninguém fala de política, de desenvolvimento, de discriminação positiva para o nordeste transmontano. Ninguém fala da novíssima Secretária de Estado da Valorização do Interior que se espera que aproxime Lisboa do Portugal profundo do nordeste. Ninguém sabe. Anoitece. Os vizinhos acendem o lume e cismam, na saudade dos filhos ausentes. Fica só o sorriso dos netos no retrato que guardam ao peito.

Eu irei morrer, os meus vizinhos irão morrer. Quem ficará nas terras bravas transmontanas para garantir o futuro, acender o lume, na esperança do Ano Novo?! 

— Bom dia vizinho!

— Bom dia e boas festas!


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 

Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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