(colaborador do "Memórias...e outras coisas..")
Emigrante Transmontano em Natal/Brasil – desde 1979
(Falecido em 23 de julho de 2020)
A minha Mãe, que Deus já lá tem, teve 11 filhos, porém só oito sobrevivemos!
Eu sou o último da "ninhada"; Sete Homens e uma Mulher nascidos e criados na Aldeia de Caravelas de Mirandela (eu sempre menciono a minha Aldeia no Concelho de Mirandela porque o nome existe de forma genérica mundo afora e até em outros Países - o Brasil por exemplo - mas voltemos ao tema).
Dos Oito Homens que ela criou e conviveu todos vestimos a Farda do Exército Português. O meu Pai serviu em Lisboa no início do Século XX e nós os Sete Irmãos em outros quartéis, incluindo um dos mais velhos que foi 2 anos para a Índia. Três servimos em Angola incluso eu com os meus 42 meses em Angola onde já estavam 2 outros Irmãos.
A pergunta que não quer calar é: O quê o Estado Português nos deu em troca?
(Crônica de numero 005) - Ir às Sortes!... "a sorte protege os audazes" – este era o lema dos Comandos – uma Tropa de Elite que actuou com honra e dignidade ao serviço da Pátria. Todavia como e costuma dizer: no melhor pano cai a mancha e foram justamente alguns Comandos que desgraçaram a situação política em Portugal e no Ultramar depois de Abril de 1974 até 25 de Novembro de 1975.
(esta crônica extraída parcialmente do Meu Livro "Crônicas da Emigração" é dedicada àqueles que se esqueceram de ir às "sortes" depois do 25 de abril de 74).
--- Mirandela, Janeiro de 1957.... vinha um frio de rachar (os lábios, claro!) lá da encosta sul da serra de Bornes, ( a décima terceira mais alta do nosso querido Portugal) fazia uns 7 ou 8 graus abaixo do zero!... Era ainda de noite, mas os rapazes que faziam os 20 anos, se levantaram todos, e lá se foram pelos 10 kms de pedras e giestas, estebas e urzes, e arçãs que cobriam as bordas do caminho gelado durante a madrugada, até à Vila para irem às "sortes"!
Já era quase meio-dia e o chão ainda estava coberto de gelo, (ah quem dera um pouquinho daquele frio aqui nos trópicos" para variar), os pés escorregavam como a faca na banha de porco em dia de verão, na hora da sesta!
Épa! vê lá se t'aleijas que assim já não vais lá bater c'us costados!. (disse o rapaz do Ti João'zé).
A gente sabe lá p'ra onde esses cabrões nos vão "a mandar" depois das "sortes"!?.
Até parece que as coisas lá na Índia andam meio complicadas. Tem lá um tal d'um "gandulo"...
Não, não é gandulo, (disse o rapaz da Ti Julheta) é GHANDI PÔ!... MAHATMA GHANDI pô!?
É, é, peis é esse mesmo. Dizem que ele já tirou de lá os ingleses e agora vai tirar os portugueses de Diu, de Damão e de Goa!
É ? não é lá que temos a India, páaa!
Tirou-nos a todos de lá?!
Quer seja à pá ou à picareta, mas então aquilo não é nosso !?
Sei lá!... eu nem sou dos "Albuquerques".
Nunca fui bom de história, e essa do Vice Rei da Índia ser o Albuquerque... porquê, hein!?
- Oh páaa ouvi isso ainda na semana passada lá na casa da Fidalga da Vilariça. Oh tu!... a tua Mãe não sabe disso não?
Ela trabalhou lá na casa da Fidalga páaaaa!
A minha Mãe só anda a chorar lá nos cantos da lareira porque ela acha que "lá vai mais um filho p'ra guerra"! ... i uqué que s´ade fazêre!?...hein? hein?
Esta catramonzelada literária rolava na conversa pela ladeira abaixo, perto da Freixedinha enquanto os rapazes iam chegando à Vila de Mirandela para tirar a "sorte". ( o que é que era isto?! simplesmente era dar o nome para ser alistado no Exército)
Actualmente, tirar a "sorte" é mais prático, mais simpático, mais evoluído, mais culto, mais patriótico, mais português (no pós 25 de abril) nem mais mas, nem meio-mas; Os rapazes de hoje, tal qual um menino birrento apenas batem o pé no chão!... não quero ir à tropa, não quero, não quero e não quero, prontos! Não quero Pô ... iiii prontus eu vou mas é emigrar.
Agora somos da European Economical Community, ou se preferirem na linguagem do Clemenceau - aquele que disse que "a vida é uma oportunidade de ousar"!
Ora então diga-se; Communité Economique Européin (sic) e vamos usar palavras de "sete e quinhentos para a nossa lingua " e dizermos simplesmente CEE... cê é é caragooooo!
E nós vamos lá a fazer o tal do "Recenseamento militar"!
Tem que ser feito para todos maiores de 20 anos e pronto. O homem de Belém assim falou e pronto.
Isto porque afinal em janeiro pagam-se as "licenças" e nós portugueses todos pagávamos naquela época as "licenças" com a falta de liberdade.
E ainda nos divertíamos com isso, cada um à sua maneira, claro!.
Parece absurdo mas é assim e pronto!
Pagava-se a licença do isqueiro que (mais tarde) se tornou a piada predilecta dos Brasileiros, que acham que sabem mas não entendem o que são estes "sete e quinhentos" lá de Trás dos Montes!.
E depois de pagar por um lado o papel da licença, pelo outro lado (do português escrito) entra-se de licença por 30 dias, também conhecido hoje na língua popular como férias! - (quem não gosta de Férias e de licenças, hein?).
Eu não!, eu não gosto de Férias e simplesmente detesto pagar licenças.
Detesto pagar as licenças vulgo conhecidas como impostos, e adoro férias, mas como não tenho dinheiro para pagar as licenças não posso ter férias!.
Mas que merda de vida! -E lá continuaram ladeira abaixo os Rapazes de Caravelas que iam às “sortes” em Mirandela.
Quando acabavam as "sortes" os rapazes voltavam p'ra casa em clima de festa!. Alguns por terem sido Emancebados e outros por se livrarem de ir para o Quartel. Lá mesmo na saída da Vila já começavam a soltar os foguetes, cantavam e dançavam com tudo e com todos.
Azar do filho do Ti Luciano que quando o Pai foi a agarrar na cana do foguete, ainda correu pra largar no rojão mas perdeu 3 dedos logo ali na porta da taberna do Ti Orlando! Ora que porra de sorte a minha! (dizia ele a chorar) Fui apurado nas "sortes" e agora o meu pai ficou aleijado?
Que merda de "sorte" a minha, hein!?!
(in: CRÔNICAS DA EMIGRAÇÃO – CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS)
Nota de Rodapé: A minha primeira Carta eu escrevi para o Meu Irmão Martinho, que estava na India aonde ficou dois anos e como a Minha Mãe que Deus tem, não sabia ler nem escrever, ela me ditou o que ela precisava dizer a ele.
Silvino dos Santos Potêncio, nascido a 04/11/1948, é natural da Aldeia de Caravelas no Concelho de Mirandela – Trás-Os-Montes - Portugal.
Este Autor tem centenas de crônicas, algumas já divulgadas sob o Título genérico de “Crônicas da Emigração”. Algumas destas crônicas são memórias dos meus 57 anos na Emigração foram incluídas nos Blogs que todavia estão inacessíveis devido ao bloqueio do Portugalmail.pt, porém algumas foram já transcritas para a Página Literária.
Presidente Fundador do Clube Português de Natal e Membro activo de várias páginas em jornais virtuais ligados ao Mundo da Lusofonia.
01 – POEMAS DE ANGOLA – “Eu, O Pensamento, A Rima!...”
02 – E-Book (Livro Electrônico): “UM CONVITE P’RA TOMAR CHÁ”
03 - CURRIÇAS DE CARAVELAS- TROVAS COMENTADAS é uma Antologia que contém Trovas e Textos Auto Biográficos da Aldeia Transmontana.
São livros da minha autoria já prontos para Edição e publicação brevemente.
Actualmente mantenho uma página literária própria, como Emigrante Transmontano em Natal/Brasil, no Portal Recanto das Letras.
O sitio do Escritor Silvino Potêncio www.silvinopotencio.net está aberto a visitas de todos os leitores de Lingua Portuguesa.
A minha Mãe, que Deus já lá tem, teve 11 filhos, porém só oito sobrevivemos!
Eu sou o último da "ninhada"; Sete Homens e uma Mulher nascidos e criados na Aldeia de Caravelas de Mirandela (eu sempre menciono a minha Aldeia no Concelho de Mirandela porque o nome existe de forma genérica mundo afora e até em outros Países - o Brasil por exemplo - mas voltemos ao tema).
Dos Oito Homens que ela criou e conviveu todos vestimos a Farda do Exército Português. O meu Pai serviu em Lisboa no início do Século XX e nós os Sete Irmãos em outros quartéis, incluindo um dos mais velhos que foi 2 anos para a Índia. Três servimos em Angola incluso eu com os meus 42 meses em Angola onde já estavam 2 outros Irmãos.
A pergunta que não quer calar é: O quê o Estado Português nos deu em troca?
(Crônica de numero 005) - Ir às Sortes!... "a sorte protege os audazes" – este era o lema dos Comandos – uma Tropa de Elite que actuou com honra e dignidade ao serviço da Pátria. Todavia como e costuma dizer: no melhor pano cai a mancha e foram justamente alguns Comandos que desgraçaram a situação política em Portugal e no Ultramar depois de Abril de 1974 até 25 de Novembro de 1975.
(esta crônica extraída parcialmente do Meu Livro "Crônicas da Emigração" é dedicada àqueles que se esqueceram de ir às "sortes" depois do 25 de abril de 74).
--- Mirandela, Janeiro de 1957.... vinha um frio de rachar (os lábios, claro!) lá da encosta sul da serra de Bornes, ( a décima terceira mais alta do nosso querido Portugal) fazia uns 7 ou 8 graus abaixo do zero!... Era ainda de noite, mas os rapazes que faziam os 20 anos, se levantaram todos, e lá se foram pelos 10 kms de pedras e giestas, estebas e urzes, e arçãs que cobriam as bordas do caminho gelado durante a madrugada, até à Vila para irem às "sortes"!
Já era quase meio-dia e o chão ainda estava coberto de gelo, (ah quem dera um pouquinho daquele frio aqui nos trópicos" para variar), os pés escorregavam como a faca na banha de porco em dia de verão, na hora da sesta!
Épa! vê lá se t'aleijas que assim já não vais lá bater c'us costados!. (disse o rapaz do Ti João'zé).
A gente sabe lá p'ra onde esses cabrões nos vão "a mandar" depois das "sortes"!?.
Até parece que as coisas lá na Índia andam meio complicadas. Tem lá um tal d'um "gandulo"...
Não, não é gandulo, (disse o rapaz da Ti Julheta) é GHANDI PÔ!... MAHATMA GHANDI pô!?
É, é, peis é esse mesmo. Dizem que ele já tirou de lá os ingleses e agora vai tirar os portugueses de Diu, de Damão e de Goa!
É ? não é lá que temos a India, páaa!
Tirou-nos a todos de lá?!
Quer seja à pá ou à picareta, mas então aquilo não é nosso !?
Sei lá!... eu nem sou dos "Albuquerques".
Nunca fui bom de história, e essa do Vice Rei da Índia ser o Albuquerque... porquê, hein!?
- Oh páaa ouvi isso ainda na semana passada lá na casa da Fidalga da Vilariça. Oh tu!... a tua Mãe não sabe disso não?
Ela trabalhou lá na casa da Fidalga páaaaa!
A minha Mãe só anda a chorar lá nos cantos da lareira porque ela acha que "lá vai mais um filho p'ra guerra"! ... i uqué que s´ade fazêre!?...hein? hein?
Esta catramonzelada literária rolava na conversa pela ladeira abaixo, perto da Freixedinha enquanto os rapazes iam chegando à Vila de Mirandela para tirar a "sorte". ( o que é que era isto?! simplesmente era dar o nome para ser alistado no Exército)
Actualmente, tirar a "sorte" é mais prático, mais simpático, mais evoluído, mais culto, mais patriótico, mais português (no pós 25 de abril) nem mais mas, nem meio-mas; Os rapazes de hoje, tal qual um menino birrento apenas batem o pé no chão!... não quero ir à tropa, não quero, não quero e não quero, prontos! Não quero Pô ... iiii prontus eu vou mas é emigrar.
Agora somos da European Economical Community, ou se preferirem na linguagem do Clemenceau - aquele que disse que "a vida é uma oportunidade de ousar"!
Ora então diga-se; Communité Economique Européin (sic) e vamos usar palavras de "sete e quinhentos para a nossa lingua " e dizermos simplesmente CEE... cê é é caragooooo!
E nós vamos lá a fazer o tal do "Recenseamento militar"!
Tem que ser feito para todos maiores de 20 anos e pronto. O homem de Belém assim falou e pronto.
Isto porque afinal em janeiro pagam-se as "licenças" e nós portugueses todos pagávamos naquela época as "licenças" com a falta de liberdade.
E ainda nos divertíamos com isso, cada um à sua maneira, claro!.
Parece absurdo mas é assim e pronto!
Pagava-se a licença do isqueiro que (mais tarde) se tornou a piada predilecta dos Brasileiros, que acham que sabem mas não entendem o que são estes "sete e quinhentos" lá de Trás dos Montes!.
E depois de pagar por um lado o papel da licença, pelo outro lado (do português escrito) entra-se de licença por 30 dias, também conhecido hoje na língua popular como férias! - (quem não gosta de Férias e de licenças, hein?).
Eu não!, eu não gosto de Férias e simplesmente detesto pagar licenças.
Detesto pagar as licenças vulgo conhecidas como impostos, e adoro férias, mas como não tenho dinheiro para pagar as licenças não posso ter férias!.
Mas que merda de vida! -E lá continuaram ladeira abaixo os Rapazes de Caravelas que iam às “sortes” em Mirandela.
Quando acabavam as "sortes" os rapazes voltavam p'ra casa em clima de festa!. Alguns por terem sido Emancebados e outros por se livrarem de ir para o Quartel. Lá mesmo na saída da Vila já começavam a soltar os foguetes, cantavam e dançavam com tudo e com todos.
Azar do filho do Ti Luciano que quando o Pai foi a agarrar na cana do foguete, ainda correu pra largar no rojão mas perdeu 3 dedos logo ali na porta da taberna do Ti Orlando! Ora que porra de sorte a minha! (dizia ele a chorar) Fui apurado nas "sortes" e agora o meu pai ficou aleijado?
Que merda de "sorte" a minha, hein!?!
(in: CRÔNICAS DA EMIGRAÇÃO – CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS)
Nota de Rodapé: A minha primeira Carta eu escrevi para o Meu Irmão Martinho, que estava na India aonde ficou dois anos e como a Minha Mãe que Deus tem, não sabia ler nem escrever, ela me ditou o que ela precisava dizer a ele.
Silvino dos Santos Potêncio, nascido a 04/11/1948, é natural da Aldeia de Caravelas no Concelho de Mirandela – Trás-Os-Montes - Portugal.
Este Autor tem centenas de crônicas, algumas já divulgadas sob o Título genérico de “Crônicas da Emigração”. Algumas destas crônicas são memórias dos meus 57 anos na Emigração foram incluídas nos Blogs que todavia estão inacessíveis devido ao bloqueio do Portugalmail.pt, porém algumas foram já transcritas para a Página Literária.
Presidente Fundador do Clube Português de Natal e Membro activo de várias páginas em jornais virtuais ligados ao Mundo da Lusofonia.
01 – POEMAS DE ANGOLA – “Eu, O Pensamento, A Rima!...”
02 – E-Book (Livro Electrônico): “UM CONVITE P’RA TOMAR CHÁ”
03 - CURRIÇAS DE CARAVELAS- TROVAS COMENTADAS é uma Antologia que contém Trovas e Textos Auto Biográficos da Aldeia Transmontana.
São livros da minha autoria já prontos para Edição e publicação brevemente.
Actualmente mantenho uma página literária própria, como Emigrante Transmontano em Natal/Brasil, no Portal Recanto das Letras.
O sitio do Escritor Silvino Potêncio www.silvinopotencio.net está aberto a visitas de todos os leitores de Lingua Portuguesa.
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