Verdade, verdadinha é que anda tudo meio atarantado, a disfarçar cagaços para garantir a satisfação de necessidades básicas, inadiáveis, que permitem subsistir, mas também se podem transformar em ratoeiras infames, pelo menos são as novidades de todos os dias, conduzindo à quase paranóia, com efeitos de que só conheceremos os resultados se e quando a coisa parar ou se encontrar uma solução definitivamente tranquilizadora para estes humanos que vão tomando consciência da sua insignificância no cosmos, apesar das vaidadezinhas com que queremos encobrir as misérias.
Pelos vistos resta-nos esperar que a precaução, a disciplina e a comiseração nos ajudem e que tenhamos tido sorte nessa roleta que é a genética, para virmos a atingir novos verões de todos os contentamentos.
Depois alguém há-de perceber que é estranho termos atingido os níveis conhecidos de desenvolvimento técnico e científico e não desenvolvermos métodos de prevenção de situações que sabemos possíveis, mesmo prováveis, tendo em conta o registo histórico.
Chegando-nos agora a uma observação mais próxima da condição dos ocupantes que restam deste interior, onde múltiplas tragédias nos têm assolado secularmente, havemos de confirmar o que gostaríamos de ver reconhecido pelos responsáveis políticos: já não há forma de iludir o estado a que isto chegou.
A população mais vulnerável está aqui, os meios de contenção e combate à pandemia são, por cá, os mais elementares e, pior, a concentração de idosos em verdadeiros entrepostos de armazenamento, um problema grave há muito conhecido, pode redundar agora, como se tem visto na Itália e na Espanha, numa situação que nos inquieta e envergonha. A solução para o fim do percurso não devia ser tal amontoado de padecimentos, ansiedades e angústias.
Por outro lado, a prolongada ausência de investimento na saúde nestes territórios coloca-nos agora perante a impossibilidade de fazer o quer que seja, esperando pela misericórdia divina que, provavelmente, não alimentará muitas ilusões.
À semelhança do que acontece por esse mundo, onde se vão ouvindo vozes, torpes ou cruéis, a desvalorizar o impacto da pandemia, suportadas na convicção de que o mundo não estará para velhos, também poderá acontecer que de forma mais clara ou subreptícia, se vá instalando o mesmo discurso a caminho de justificar o injustificável.
O tempo de Páscoa que aí vem ainda era, em muitos casos, o momento de retorno às raízes, às tradições, aos afectos das gerações que estão a chegar ao fim do caminho. Já era ténue, mas ainda deixava marcas para vidas inteiras.
Neste ano e daqui em diante podem estar a coser-se as razões para, a par do individualismo radical, se perderem referências fundamentais para que possamos continuar a falar de comunidades humanas e mesmo da própria humanidade.
Teófilo Vaz
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