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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

NÓS, TRANSMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - ONDE DE FALA DA PESTE E DOS JUDEUS E MÉDICOS TRANSMONTANOS.

O fecho de fronteiras e as medidas de confinamento não são coisa exclusiva dos nossos dias, provocada pelo COVID/19. São coisa antiga e, na Torre do Tombo, guarda-se, por exemplo, um documento datado de 27.5.1680, com o título seguinte:

- Mandado para que sejam examinadas as pessoas e fazendas que entrarem em Trás-os-Montes vindas de Espanha, onde grassa a peste. (1)

O confinamento, por seu turno, não era feito da mesma forma que hoje, antes pelo contrário. Em tempos de peste, abandonava-se a casa do aglomerado urbano e procurava-se refúgio no campo, mesmo que fosse uma cabana.

Este comportamento aparece refletido em processos da inquisição, como o de Catarina Lopes, filha de Afonso Baeça e Branca Cardosa, moradora no Porto. Nos anos de 1580 começou a peste a grassar naquela cidade e ela e a família foram-se para a Quinta dos 4 Caminhos, nos arredores de Lisboa. (2)

Exemplos vários de fugas das cidades do Algarve para os campos, são apresentados pela Drª Carla Vieira, que conclui:

- Em tempo de peste, a cidade torna-se um local a evitar, onde a concentração demográfica facilita o contágio, a desorganização social é mais evidente e os seus efeitos mais assustadores. O campo surge como um espaço convidativo enquanto se aguarda o fim da epidemia. (3)

Ontem mais que hoje, em tempos de calamidades como a peste, surge a necessidade de atribuir a culpa do mal. E se hoje há quem aponte o dedo à China, outros culpam os excessos da sociedade de consumo em que vivemos, com a exploração desenfreada de recursos naturais e a utilização incontrolada de químicos na produção de bens. O coronavírus será a vingança da terra contra a poluição provocada pelo homem.

Mas há muita gente que interpreta a calamidade como um castigo de Deus e apela à necessidade de expiação dos pecados.

Este sentimento era muito mais forte em outras eras e chegou a extremos incríveis, como aconteceu com a peste negra (1347-1350), porventura o acontecimento mais marcante de todo o milénio passado, que, em algumas cidades matou até 70% de seus habitantes e provocou na Europa cerca de 20 milhões de mortos, correspondendo a 1/5 da população. (4)

Tal como o COVID/19, a peste negra veio de fora, trazida por mercadores e marinheiros e foi sobremodo intensa nas cidades. Interpretada como castigo de Deus, só havia uma forma de a combater: orações e procissões, para expiação dos pecados. E ganhou notoriedade uma seita religiosa denominada os Flagelantes. Juntavam-se em grupos, armados de correias, vimes e até correntes de ferro e percorriam as ruas flagelando-se e implorando a compaixão divina em altos brados.

Naquele tempo as comunidades judaicas viviam em ruas e bairros separados e notava-se que entre eles a mortandade era muito menor. Hoje sabemos que tal facto se ficava a dever ao hábito de lavar sempre as mãos antes das refeições e os pés quando se chegava de uma jornada, conforme preceito imposto pela Bíblia. Naquele tempo dizia-se que os judeus morriam menos porque eles é que foram os causadores da peste, envenenando as fontes, os poços e os rios. E, por toda a parte, foi uma tremenda caça aos judeus, acusados que sempre foram de matar Cristo, responsáveis pelo grande pecado que ficou afetando para sempre a humanidade.

Os Flagelantes viraram caçadores implacáveis de judeus, comandando multidões em ataques às judiarias, muitas das quais foram completamente arrasadas e saqueadas, desaparecendo mesmo, sobretudo em terras do sacro-império romano-germânico. A ponto de o papa Clemente VI se ver na necessidade de promulgar um decreto dizendo que os judeus não eram culpados e com grandes ameaças aos perseguidores.

Estudando o acontecimento, historiadores há que manifestam a sua admiração por ter ficado com o nome de peste negra e não com o de peste judaica, por tão feroz e cruel perseguição levada a efeito contra os judeus.

A peste negra não foi a única, antes eram cíclicas e frequentes tais calamidades. Em Portugal ficaram algumas datas marcadas por tais fenómenos e consequentes perseguições aos judeus, e cristãos-novos, depois. Aconteceu nomeadamente depois que foram expulsos de Espanha e acolhidos em Portugal e, depois, em 1504 quando, no seguimento do surto de peste houve incidentes graves com os cristãos-novos da Rua Nova, em Lisboa, que vieram a culminar na chamada matança de Lisboa de 1506 em que terão sido imolados cerca de 2 000 hebreus. (5) A propósito desta matança, diria Francisco Mendes, o Beicinhos, de Miranda do Douro, em 1544, na inquisição de Évora:

- Entende provar que estando ali juntos vieram a falar da matança de Lisboa dos cristãos-novos, que foi há muitos anos, dizendo que os de Lisboa eram a cabeça e não quiseram guardar a lei de Moisés e estar firmes nela e querer ser judeus, quando D. Manuel os mandou ser cristãos e por terem pecado, veio a matança de Lisboa. (6)

Em 1569, o nosso país conheceu uma grande peste, que alguns classificam como “a grande peste de Lisboa” e de que nós encontramos notícia também em Coimbra, no processo instaurado a Francisca Fernandes, de Vila Flor, que foi sentenciada em mesa, pois que por causa da peste não pode realizar-se o auto-da-fé.

Ainda em Coimbra, o ano de 1599 foi também marcado por igual calamidade, que ficou registada em vários processos da inquisição, com a peste a impedir a realização de autos-da-fé. Entre os prisioneiros de Bragança contaram-se os casos de Beatriz Rodrigues, Isabel Luís, Isabel Mendes e Isabel Gomes.

Por outro lado, e desde sempre houve a preocupação das pessoas em preservar a saúde, com os médicos a procurar remédios. Sobre o assunto, o mais antigo documento será o “Regimento Proveitoso contra a Pestelença”, um incunábulo do século XV, impresso em Lisboa, por Valentino de Morávia e do qual José Barbosa Machado Transcreveu algumas partes, nomeadamente o seguinte excerto:

- Em tempo de pestilência melhor é estar em casa que andar fora, nem é são andar pela vila ou cidade. E também a casa seja aguada, e em especial em o alto verão, com vinagre rosado e folhas de vinhas e alimpar o rostro e depois cheirar as mãos; e também é bom, assim em o inverno como no verão cheirar cousas azedas. Em Monpelier não me pude escusar de companhia de gente, porque andava de casa em casa curando enfermos por causa da minha pobreza, e então levava comigo uma esponja ou pão ensopado em vinagre, e sempre o punha nos narizes e na boca, porque as cousas azedas e os cheiros tais opilam e çarram os poros e os meatos e os caminhos dos humores e não consentem entrar as cousas peçonhentas; e assim escapei de tal pestilência, que os meus companheiros não podiam crer que eu pudesse viver e escapar. Eu certamente todos estes remédios provei.

Ignoramos quem fosse este médico. Mas temos notícia do Dr. Francisco Lopes, que fugiu de Bragança, por causa da inquisição, estudou em Montpeliier e Bordéus e foi o médico responsável pelo combate naquela cidade a uma epidemia que então varreu a França, tendo inclusivamente tratado o Cardeal Richelieu. Por isso mesmo foi agraciado pelo governo de França e contemplado com muitas regalias.

Referência também para o Dr. Jacob de Castro Sarmento, outro médico Brigantino fugido da inquisição que se tornou famoso em Inglaterra, na investigação de uma vacina contra a varíola.

Finalmente, citamos o Dr. Francisco da Fonseca Henriques, médico da nação hebreia nascido em Mirandela que foi pioneiro da medicina preventiva, da alimentação saudável e das águas minero-medicinais.

Notas

1-ANTT, Marqueses de Olhão, núcleo Varia, cx 48ª, nº 57.
2-Inq. Lisboa, pº 4235, de Catarina Lopes.
3-VIEIRA, Carla – Uma amarra ao mar e outra à terra Cristãos-novos no Algarve (1558-1650), Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa.
4- SERRÃO, Joel (Dir.) – Dicionário de História de Portugal, vol. III, Peste Negra, ed. Iniciativas Editoriais, Livraria Figueirinhas, Porto, 1971.
5-Ver: MATEUS, Susana Bastos; PINTO, Paulo Mendes – Lisboa, 19 de Abril de 1506 O Massacre dos Judeus, ed. Aletheia, 2006.
6-Inq. Évora, pº 9627.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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