Publicado há quase 15 anos, antecipa muito do que vivemos atualmente com a covid-19.
Repartições públicas encerradas, escaladas de preços nas farmácias, ano letivo adiado. Estes foram alguns dos efeitos da maior pandemia que Portugal já viveu. Não a de covid-19 mas a da gripe pneumónica que, há um século (1918-1919) terá matado mais de cem milhões de pessoas em todo o mundo.
Corria o ano de 2007 quando Manuel Cardoso, médico veterinário de Macedo de Cavaleiros e antigo Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Norte, lançava o romance histórico 'Um tiro na bruma', em que a a vida de Amadeu Cardoso, seu avô, numa altura em que a região era assolada pela gripe espanhola.
No início de 2019 proferiu uma conferência, em Lisboa, organizada pela Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) para falar precisamente sobre o tema que, 12 meses depois, se tornaria no centro do mundo.
"É coincidência, de facto, esta pandemia, cerca de um século depois da pneumónica e um ano depois da minha palestra... com muitas coisas que não são coincidência: são ocorrências de cada pandemia na população humana, a história é que é desconhecida para o grande público!... Muitas realidades repetem-se como que decalcadas dum paradigma!....Mas há ainda outra curiosidade: a da terceira edição de Um Tiro na Bruma ter ocorrido em janeiro de 2020, há menos de meio ano..", apontou Manuel Cardoso.
O livro, cujas primeiras duas edições esgotaram, relata algumas situações que agora se identificam plenamente.
"Muitas pessoas nem se davam conta do que se passava verdadeiramente já que não havia informação nem cultura para uma visão de conjunto. A má-nutrição e as carências de toda a ordem faziam com que a urgência fosse a de se arranjar comida para o dia a dia e mesmo assim havia muitas falhas.Tentavam comer mais laranjas e limões ou outra fruta que houvesse, mas rareava e só ocorria na época. Reduziam-se as visitas e também houve pessoas que se fechavam em casa! Se bem que Macedo ainda teve uma grande sorte: o recente caminho de ferro colocava-o com muitos artigos mais à mão - mas caríssimos! E o mesmo quanto à informação: os jornais aqui chegavam com um dia de atraso em relação ao Porto, raramente no mesmo dia, e com dois dias em relação a Lisboa, raramente no dia seguinte! De forma que implementar medidas de mitigação para lá das que se faziam desde tempos imemoriais, nem pensar: caiavam-se as casas que o podiam fazer, usava-se mais lixívia e sabão mas... lembremo-nos que não havia eletricidade nem água corrente canalizada nem rede de esgotos nem ruas pavimentadas ou limpas já que na sua maioria eram de terra, lodo, palha e estrume dos animais!... Houve repartições e lojas a fechar mas não foi por prevenção: foi porque as pessoas adoeceram!", recorda Manuel Cardoso.
Na sua investigação, o autor recorda que os preços de produtos farmacêuticos conheceram, também, uma escalada.
António G. Rodrigues
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