Martinho estava pasmado a olhar para eles; olhou depois para a sua côdea de pão, para a sua velha jaqueta, para o seu chapéu todo roto, e suspirando exclamou baixinho: Oh! se eu fosse aquele menino tão rico, em vez do desgraçado Martinho! que fortuna se ele estivesse aqui, e eu dentro daquela carruagem! O preceptor ouviu casualmente o que dizia Martinho e repetiu-o ao seu aluno, que, lançando a cabeça fora da carruagem, chamou Martinho com a mão.
- Ficarias muito contente, não é verdade, meu rapaz, podendo trocar a minha sorte pela tua? - Peço que me desculpe senhor, replicou Martinho corando, o que eu disse não foi por mal. - Não estou zangado contigo, replicou o fidalguinho, pelo contrário, desejo fazer a troca.
- Oh! está a divertir-se comigo! tornou Martinho, ninguém quereria estar no meu lugar, quanto mais um belo e rico menino como o senhor. Ando muitas léguas por dia, como pão seco e batatas, enquanto que o senhor anda numa carruagem, pode comer frangos e beber vinho. - Pois bem, volveu o fidalguinho, se me queres dar tudo aquilo que tens e que eu não tenho, dou-te em troca de boa vontade tudo o que possuo. Martinho ficou com os olhos espantados, sem saber o que havia de dizer; mas o preceptor continuou: “Aceitas a troca?”- Ora essa! exclamou Martinho, ainda me pergunta! Oh! como toda a gente da aldeia vai ficar assombrada de me ver entrar nesta bela carruagem! E Martinho desatou a rir com a ideia da entrada triunfante na sua aldeia.
O fidalguinho chamou os criados, que abriram a portinhola e o ajudaram a descer. Mas qual foi a surpresa de Martinho, vendo que ele tinha uma perna de pau e que a outra era tão fraca, que se via obrigado a andar em duas muletas: depois, olhando para ele de mais perto, Martinho observou que era muito pálido e que tinha cara de doente.
Sorriu para o rapazito com ar benévolo, e disse-lhe: - Então sempre desejas trocar? Querias porventura, se pudesses, deixar as tuas pernas valentes e as tuas faces coradas, pelo prazer de ter uma carruagem e andar bem vestido? - Oh! não, por coisa nenhuma! replicou Martinho. - Eu, disse o fidalguinho, de boa vontade seria pobre, se tivesse saúde. Mas, como Deus quis que fosse aleijado e doente, sofro os meus males com paciência e faço por ser alegre, dando graças a Deus pelos bens que me concedeu na sua infinita misericórdia.
Faze o mesmo, meu amiguinho, e lembra-te que, se és pobre e comes mal, tens força e saúde, coisas que valem mais que uma carruagem, e que não podem comprar-se com dinheiro.
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.
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