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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Viagem às raízes - 6ª parte

Foto: Divino Sr. dos Passos em Torre de Dona Chama
Mirandela, Bragança, Portugal
 Ai, a Bequinha! De olhos fixos e arregalados, gélida até à mais ínfima célula, incrédula até mais não poder, perdera a voz perante o que se lhe afigurou…

Eram maços e maços de notas, que o Senhor José recebera dos negócios da cortiça com os Russos. Estes maços de notas pareceram, a minha mãe, bacalhau cortado em postas.

E o Senhor José Barreira, ria a bom rir por minha mãe ter guardado o embrulho no frigorífico:

- Oh Bequinha: que boa ideia tiveste, filha! Se viessem cá os ladrões, ninguém se lembraria de ir ao frigorífico procurar o dinheiro. Só tu, minha filha!

Ora minha mãe… nem estava em si com o desfecho da história! Sentou-se e quase desfaleceu. As pernas tremiam-lhe como varas verdes.

A vida corria, como um rio em seu leito, contornando cada fraguedo que se lhe afigurasse. Nos dias de folga, adorava sair para ir conhecendo um pouco mais de Lisboa e arredores. Sintra era-lhe especialmente querida. Ainda me lembro das recomendações que me fez quando viemos, as duas, para Lisboa:

- Teresinha: não percas as Marchas Populares nem uma boa visita a Sintra. Ai, Sintra, que terra tão bonita! – os olhos brilhavam-lhe enquanto ia desfiando um rol de recomendações. – Apanha o elétrico 28 na Estrela para o Chiado. Tens de ir ao Chiado…

Quando fui estudar para a Faculdade, não conhecia Lisboa, então minha mãe foi comigo, ajudando-me nos primeiros tempos. Antecipadamente, pediu ao meu primo Zé Albano, filho do irmão Alberto, para me arranjar um quarto bem próximo da Faculdade - não me queria enredada nos transportes -, e ele assim fez, arranjou-me um quarto na Rua do Meio à Lapa, defronte da Casa de Fado, da Maria da Fé, - O Senhor Vinho. Ficava a cinco minutos, a pé, da Faculdade.

Os tempos da mocidade em Lisboa iam passando, por minha mãe, e os anos também, num ritmo vivo e feliz. As férias, de verão, ia passá-las a Torre de Dona Chama, onde viviam os irmãos Carolina e Alberto, ficando instalada em casa da irmã.

Também, minha tia, Carolina esteve a trabalhar em Lisboa, tal com as outras irmãs. Tinha regressado à terra natal, no Pádua Freixo - Aguieiras, para casar com o Toninho, com quem namorava.

Assim que assentou arraiais, ficou sabedora - no povo tudo se sabe - de que o seu noivo tinha andado enredado com uma prima dele. Ora bem: minha tia, mais teimosa que um jerico, fincou o pé e desmanchou o noivado.

Por essa altura, tinha regressado de África o Sr. José Marcelino, natural dos Chairos – Aguieiras. Apresentara-se solteiro e com bom ar. Começou a correr no povo, que tinha chegado com uma mala cheia de dinheiro. Enricara por lá! Como as aldeias são muito próximas e meu avô Cândido tinha o serviço dos Correios, escutou ao próprio, Sr. José, de que se sentia sozinho; e, aos sessenta e cinco anos, quem haveria de o querer para casar? Vai nisto – o diabo às vezes é traiçoeiro – meu avô deu-lhe a resposta.

- Homem, não se amofine! Tenho uma filha mesmo a calhar pra si.

Não quis saber da enorme diferença de idades entre eles, quarenta e um anos, nem de que estaria a condenar a filha ao estado de viuvez em poucos anos. Só olhou para o dinheiro do pretendente.

Quem havia de ser a escolhida? Minha tia Carolina, que se recusara a casar com o grande amor da sua vida.

Deu-se o casamento e daí resultou o nascimento de meus padrinhos de batismo, Antónia Maria e, três anos depois, Alberto.

A fortuna trazida de África? Ninguém a viu.

Meu tio Alberto era seis anos mais novo do que minha mãe, e quatro do que a tia Carolina. Tinha casado com a Maria Antónia, nascida e criada em Torre de Dona Chama, uma pessoa adorável. Este tio, também teve uma peripécia antes do casamento. Viveu quatro anos com uma prima, Bela, de quem teve dois filhos. Indo pelas bandas de Torre de Dona Chama, acabou por se interessar pelas propriedades da menina Maria Antónia e largar a prima com os dois filhos pequenos, a quem nunca deu o nome de pai. Antes do casamento, minha tia, recebeu a visita da Bela, tendo-lhe apresentado as crianças, um menino com três anos e uma menina com um ano. Ainda assim, sabedora do passado do pretendente Alberto, casou com ele. O rapaz veio a falecer e a menina, Albertina, vive em Bordéus – França, sendo a única de todos os irmãos que subiu a pulso na vida e fez formação superior, sendo professora de Português e Francês, sem uma única ajuda do pai, para estudar ou comer. Meu tio fez de conta que não tinha passado nem responsabilidades familiares.   

Nas férias de verão de 1960, em Torre de Dona Chama, minha mãe andava derretida com os sobrinhos que ganhara, Maria Antónia, que todos tratavam por Toninha, o Alberto, tratado por Beto e com a primeira filha do casamento do irmão Alberto com a cunhada Maria Antónia, a Edite. Sendo a Edite a mais pequerrucha, todos os zelos lhe eram dedicados. Dava-lhe sumo de tomate, coisa que gerava estranheza lá em casa, mas que fazer? Deviam ser modas lá de Lisboa e, sendo assim, mal não lhe faria.

As Festas de Torre de Dona Chama sempre se realizaram no segundo domingo de agosto, em honra do Divino Sr. dos Passos. Grandes Festas na aldeia que, durante 562 anos, fora tão importante concelho. Recebera três forais: o primeiro de Dom Dinis; o segundo, novamente, de Dom Dinis; e o terceiro de Dom Manuel! No programa de atividades, constava uma corrida de motorizadas.

Então não é que deu na cabeça ao meu tio Alberto de querer participar na corrida?! E não havia quem o demovesse da empreitada. As irmãs, assim que souberam, ficaram em pânico, com medo de que caísse, ficasse estropiado, morresse e outras conjeturas terríveis. Tudo de mal se lhes afigurava e ele com filhos tão pequenos e sem juízo nenhum. O que é que poderiam fazer para resolver o problema?

Minha mãe decidiu tomar uma atitude. Iria à oficina pedir ao mecânico que provocasse uma avaria, ou desafinação, na motorizada.

O mecânico, assim que a viu chegar à porta, ficou sem fala - confidenciou-me, há pouco tempo.

- Uma menina tão elegante, bonita, de boas falas, educada, que metia qualquer uma da Torre num saco, não havia de ter a minha atenção? Teve-a toda!

- O que fez à mota?

- A mota?! Olha, a mota…

Texto:
Ⓒ Teresa do Amparo Ferreira, 02-07-2021

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