sexta-feira, 20 de maio de 2022

Características gerais do Trajo Popular Português

Apesar de, como dissemos, os actuais trajos populares portugueses – só usados em ocasiões excepcionais e pelos grupos de folclore – remontarem aos padrões do século XIX, é possível determinar – observando gravuras dos séculos anteriores – e apontar determinadas características comuns aos vários e tão variegados trajos regionais de Portugal.

Lavradeiras da Abelheira (Cliché do distinto amador sr. Emigdio Freitas, do Porto) in “Ilustração Portuguesa”, nº709 – 22 de Setembro de 1919

Para melhor compreensão do assunto, poderemos aqui referir algumas das principais características gerais do trajo popular português. Trata-se, é bom notar, de uma enumeração sem qualquer caracter científico ou de sistematização antropológica.

São características apenas verificadas por mera observação, que poderão constituir um ponto de partida para trabalhos de índole científica no campo da etnografia e da antropologia cultural.

1.- Em Portugal, há trajos populares de trabalho e trajos populares de festa, de gala ou ricos, trajos profissionais e trajos de função.

2.- Não existem trajos específicos infantis; as crianças, mal começam a andar, vestem geralmente como os adultos, o que não quer dizer que não se verifiquem aspectos de arte popular (bordados, tecidos, etc.) nas roupas das crianças de berço e colo, ou que não haja peças de vestuário para crianças entre os 3 e os 6 anos.

As mulheres usam saias e os homens usam calças

3.- As mulheres usam saias e os homens usam calças. Esta afirmação pode parecer quase anedótica ou jocosa, mas não esqueçamos que há povos onde acontece as mulheres usarem calças exteriores ou os homens usarem saias, tal como há povos onde existe um único trajo para os dois sexos.

Note-se, ainda, que outrora a mulher do povo não usava calças interiores, mas sim saias e saiotes interiores e anáguas; e por essa razão as suas saias, tanto as interiores como as exteriores, eram sempre bastante compridas, quase até à canela; a cinta em volta dos quadris que vemos em alguns dos nossos trajos populares femininos era precisamente para que as mulheres pudessem, durante o trabalho, subir as saias e prendê-las.

Em Portugal, só num trajo popular masculino vemos saias: no trajo dos pauliteiros de Miranda, mas note-se que tal trajo, embora sendo popular e português, é um trajo de função, quer isto dizer que não é um trajo usado por todos os homens da região mirandesa, mas só e apenas por aqueles que nas procissões, festas e romarias bailavam a dança dos paulitos.

4.- Os trajos populares portugueses são cândidos; quer isto dizer que (ao contrário do que acontece com alguns povos) não são concebidos de forma a realçarem as formas do corpo, bem pelo contrário, sobretudo entre as mulheres, encobrem as formas físicas, particularmente os braços, os seios, as ancas e as pernas.

Para cobrir a cabeça…

5.- Os homens cobrem sempre a cabeça com chapéus, barretes ou carapuços; só numa pequena zona do Alto Minho se veem, por vezes, boinas do tipo chamado «à espanhola»

6.- As mulheres cobrem sempre a cabeça com lenços ou chapéus. Toucas e toucados de rendas, flores ou plumas não são usados no nosso país.

O uso do chapéu por mulheres é característico de algumas regiões, como Douro Litoral, Beira Alta e Beira Litoral; contudo, em outras regiões, as mulheres usam chapéus masculinos de palha ou feltro nos trabalhos do campo e, muitas vezes, por cima de lenços.

No Algarve usam um chapéu de feltro, de homem, por cima do lenço. Na Beira Litoral, entre Aveiro e Coimbra, as tricanas usaram outrora uma pequena touca preta.

O trajo popular português é pobre

7.- De uma maneira geral, o trajo popular português é pobre; só nas regiões do Minho e de Entre Douro e Minho é que os trajos femininos são ricos, não só nos seus materiais como, sobretudo, nos adornos de ouro e nos bordados a missanga de cristal.

8.- Entre nós as mulheres usam bastantes adornos de ouro – brincos, cordões, fios, medalhas, medalhões, cruzes, corações, alfinetes, filigranas, etc. – ao passo que os homens do povo geralmente só usavam uma joia: a corrente do relógio e por vezes um simples anel tipo aliança.

9.- Pouco uso de fitas, laços, rendas, penas e plumas, mas grande uso de bordados, tanto nos trajos femininos como em alguns masculinos.

10.- As mulheres preferem os xailes às capas, embora se vejam capas femininas em algumas regiões.

11.- Os homens abafam-se com capotes e capas de fazenda de lã, ou de palha, e com pelicos e safões de pele de borrego.

12.- Os trajos populares nortenhos são mais coloridos, imaginosos, vistosos e ricos do que os trajos do Sul.

13.- Os mais pobres de todos os nossos trajos populares são os da Estremadura, do Alto e Baixo Alentejo e do Algarve.

Alguns aspectos mais característicos

Trajo de noiva vianesa – este trajo e quase todo preto: saia rodada e corpete bordado pela cintura, em seda, lenço de mão e mantilha em renda de tule bordada: meias de renda chinelas de verniz bordadas.

Nos trajos das vianesas é de notar: a abundância de adornos de ouro (torques, cordoes, arrecadas, medalhas, medalhões, moedas, cruzes, pregadores, pulseiras em torque, corações de filigrana em ouro); a semelhança dos motivos dos bordados a missanga de cristal dos corpetes e das bolsas com os motivos dos adornos de ouro de Viana do Castelo.

O trajo masculino de Viana do Castelo é menos original do que o feminino e, de uma maneira geral, assemelha-se aos trajos masculinos usados em todo o Minho.

No Alto Minho e nas regiões minhotas fronteiriças os homens usam calça branca, boina, cinta vermelha, camisa branca e colete de fantasia.

Na orla marítima os trajos são mais uniformes e predominam os padrões de quadrados conhecidos por «escocês». Os homens usam calções e camisas aos quadrados, barrete negro e, por vezes, vistosas camisolas bordadas.

As mulheres usam as vistosas e muito rodadas saias escocesas pregueadas, sobre saias interiores com barras de renda, blusas e aventais bordados, lenço ou pequeno chapéu de feltro na cabeça.

É o trajo que vemos sobretudo na Nazaré, Póvoa de Varzim e em Vieira de Leiria.

Muito curiosos são os capotes dos pescadores e as capas das mulheres do litoral e note-se a uniformidade dos trajos negros que as viúvas do litoral usam.

“Quem tem capa sempre escapa”, diz o povo…

Capas masculinas e femininas vêem-se por todo o Pais:

– as capas de honra de Trás-os-Montes, da Beira Alta e da Beira Baixa;

– as capas femininas, às riscas, da Beira Litoral;

– as capas dos Açores;

– os capotes masculinos do Alentejo;

– as capas de pastores da Beira Alta;

–  as capas femininas do Algarve;

– as «Coroças» (capas de palha) de Trás-os-Montes, do Minho e da Beira Alta;

– as capas de capuz das mulheres da Beira Alta, de Leiria, de Minde.

Um dos trajos populares masculinos portugueses mais belos e vistosos é o trajo de campino do Ribatejo. Também o campino tem dois trajos: o de trabalho e o de festa; é sem dúvida o de festa que mais beleza encerra: barrete verde, calção e jaleca de pano azul, camisa branca, colete vermelho, meia branca até ao joelho, faixa vermelha, botões prateados com as iniciais do nome do patrão.

O trajo feminino do Ribatejo é vulgar e altera-se com a ocupação de cada mulher: doméstica, campaniça, mondadeira, etc.

A saia rodada garrida, com barras, a blusa vistosa, o avental bordado e o lenço colorido para a cabeça são as principais peças do vestuário feminino ribatejano, peças mais ou menos ricas conforme a condição económica de quem as usa ou os trabalhos e as ocasiões em que são usados.

Muito curiosas são as capas e as blusas em favo de mel das mulheres da aldeia ribatejana da Glória.

Trajos do Alentejo, do Algarve da Beira Baixa

Os trajos tradicionais populares do Alentejo, do Algarve e da Beira Baixa são muito semelhantes entre si.

É de notar apenas as seguintes características diferentes:

– os capotes do homem do Alentejo;

– as capas da mulher da Beira Baixa;

– uso do chapéu sobre o lenço das mulheres algarvias e de algumas regiões do Alentejo;

–  os casacos curtos das mulheres alentejanas;

– os trajos característicos do pescador português usados no litoral do Algarve.

O homem do Alentejo, da Beira Baixa e do Algarve usa calça comprida de boca de sino, cinta negra, camisa branca, colete de fantasia ou igual a calça, jaleca curta e chapéu de feltro do tipo braguês; por vezes, no Alentejo – e em algumas regiões da Beira Baixa e do interior algarvio – os pastores usam as suas características vestes de Inverno: safões – calça-avental – e pelico – espécie de casaca cortada na frente e caída atras em pele de ovelha ou carneiro.

Muito belos são os trajos femininos do Douro: saia negra, rodada e com barras, corpete pela cintura, com mangas e fechado na frente; lenço sobre os ombros; pequeno chapéu na cabeça sobre o lenço caído; chinela.

O trajo dos pauliteiros de Miranda

Um dos trajos mais antigos, curiosos e originais é o trajo masculino dos pauliteiros de Miranda: chapéu largo, camisa bordada, colete, lenço franjado e de ramagens sobre os ombros e cruzado na frente; grande e ampla saia branca rodada; meia às riscas e bota. Note-se, porém, que se trata de um trajo de função, só usado por quem dança a dança dos paulitos.

Notemos finalmente as capas de honra de Trás-os-Montes, da Beira Alta, da Beira Baixa e dos Açores.

Bastante curiosos são os trajos da Ilha da Madeira, curiosa evolução insular do trajo à moda do Minho, nas mulheres, e tipicamente levantino nos homens.

Fonte do texto: “O Trajo Regional de Portugal”, Tomaz Ribas (texto editado e adaptado)

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