Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
Sim, assim de repente, estranho título para uma crónica. Principalmente se vos contar que ele é o resultado da necessidade urgente que hoje senti, de escrever sobre o valor da empatia.
Talvez um pouco a propósito do nosso São Martinho, o jovem que um dia se tornou bispo de Tours, em França, e fundou o mosteiro de Marmoutier, na margem do rio Loire. Aquele que, segundo nos conta a lenda, quando num dia de inverno frio e chuvoso seguia pela estrada montado a cavalo, distribuiu o seu manto por dois pedintes a tremerem de frio com quem se cruzou e, então depois, desprotegido mas sem embaraço, seguiu viagem.
E o que é a empatia? (a saber, nome que só pela rima se cruza com a amável ‘simpatia’). Diz o dicionário que é uma ‘forma de identificação intelectual ou afetiva de um sujeito com uma pessoa, uma ideia ou uma coisa’. Diz-nos a psicologia que a empatia é a nossa identificação emocional com o ‘eu’ do outro. Em ambos os significados destaco a palavra ‘identificação’.
E porque o acaso nem sempre seja obra do acaso, deparo-me eu, ontem mesmo, paredes meias com um hospital, com lamentável cena que me entristeceu: homem de uma quanta idade, aspeto humilde, quase parente desta pobreza (in)visível que nos vai rondando. Ali estava, sentado numa cadeira de rodas, à beira da estrada movimentada, numa súplica surda para que o ajudassem a subir o passeio que lhe daria acesso a nova descida para a passadeira. Uma tentativa frustrada para alcançar o outro lado.
À minha frente, duas mulheres em passo acelerado, fruto do tempo em que tanto se acredita que se pode chegar a algum lado mais rápido do que o próprio tempo. A mais jovem a adiantar-se. Mas a adiantar-se para seguir o caminho dela, após ter olhado a interpelação do primeiro, do alto do seu pequenino mundo. E se tão bem olhou, melhor avançou. A segunda, ainda que lhe suspeitasse um momento de hesitação, sempre acudiu. Movimentos rápidos e rosto mudo, que se faz tarde, e o “passageiro” chegou célere ao destino pretendido.
Como nesta curiosa nova era em que vivemos, parece andar aí pelas bocas do mundo, aceso vírus denominado de ‘Amor’, vou-me perguntando algo desconfiada, onde anda metido que tão poucas vezes com ele me tenho cruzado. É que, de há uns anos a esta parte, muito se tem ouvido falar em amor. A ponto de já me soar a prece recitada de cor, ao jeito dos aprendizes a conjugarem os verbos: “eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos…”.
Mas e esse amor? Onde mora, afinal? Porque também nunca, como na atual era em que vivemos (e posso dizer que este meu quase meio século de vida já me permitiu ir constatando alguma coisa), tal proclamado ‘Amor’ terá andado tão escondido das ruas da doçura.
Estou em crer que o indivíduo entra no corpo de cada um, mas tem dificuldade em sair. Põe-se a namorar à janela com o próprio umbigo, enquanto vai debitando prolixas palavras de encantamento e grandiosas lições de moral aos que passam e lhe sorriem, com o intuito de ser aplaudido… e muito amado. Mas se o convidam a fazer uma visita pela avenida dos necessitados, olha para o lado, a assobiar, em modo de quem não vê porque não é de cá e só estava de passagem.
A empatia, caro ‘Amor’, é como disse acima: identificação. E esta implica ação (boa ação) quando é chamada a sair de casa e a fazer-se ao caminho. Ao caminho da vida real. Sem ficções, sem festivais com foguetes e fogos-de-artifício, sem espalhafato, sem teatro, sem propaganda (da enganosa).
Porque em ti, caro ‘Amor’, o teu amor não pode ser somente palavra repetida até à saturação. Palavra banalizada. Palavra vazia. A tua empatia, ‘Amor’, tem que ser gesto e corpo presente. Querer estar. Querer saber. Procurar. Dar a cara, se tiver que ser.
Porque tu, caro ‘Amor’, deves fazer-te de sentimentos. Ter a maestria do toque, dos olhos que vão ao fundo da verdade. Deves fazer-te de respeito. Deves fazer-te de tantos adjetivos, mas sem pretensiosos objetivos. Mais do que confiança, deves vestir-te de autoconfiança. Senão, não és amor, mas apenas a falta gigantesca dele, à procura de ti próprio.
E nem precisas de saber fazer bem as contas porque tu, ‘Amor’, não existes por nem pela quantidade de gente que te rodeia. E, curiosamente, só quando consegues, efetivamente, dividir-te por muitos, passas a ser ímpar.
É mesmo aí, nesse exato ponto, que percebes que não precisas de ver a alma nua dos outros, para saberes dos seus sonhos. E descobres o que é a empatia.
Ficas a saber, ‘Amor’, que se para tantos a vida é uma fantástica e imaginativa história de amor feita de verborreia, para outros quantos, felizmente, ainda será uma obra construída com alicerces. Por isso, deixo-te uma sugestão: não faças de ti apenas uma lenda, como a de São Martinho. Afinal, ele existiu e reza a história… que soube amar.
Talvez um pouco a propósito do nosso São Martinho, o jovem que um dia se tornou bispo de Tours, em França, e fundou o mosteiro de Marmoutier, na margem do rio Loire. Aquele que, segundo nos conta a lenda, quando num dia de inverno frio e chuvoso seguia pela estrada montado a cavalo, distribuiu o seu manto por dois pedintes a tremerem de frio com quem se cruzou e, então depois, desprotegido mas sem embaraço, seguiu viagem.
E o que é a empatia? (a saber, nome que só pela rima se cruza com a amável ‘simpatia’). Diz o dicionário que é uma ‘forma de identificação intelectual ou afetiva de um sujeito com uma pessoa, uma ideia ou uma coisa’. Diz-nos a psicologia que a empatia é a nossa identificação emocional com o ‘eu’ do outro. Em ambos os significados destaco a palavra ‘identificação’.
E porque o acaso nem sempre seja obra do acaso, deparo-me eu, ontem mesmo, paredes meias com um hospital, com lamentável cena que me entristeceu: homem de uma quanta idade, aspeto humilde, quase parente desta pobreza (in)visível que nos vai rondando. Ali estava, sentado numa cadeira de rodas, à beira da estrada movimentada, numa súplica surda para que o ajudassem a subir o passeio que lhe daria acesso a nova descida para a passadeira. Uma tentativa frustrada para alcançar o outro lado.
À minha frente, duas mulheres em passo acelerado, fruto do tempo em que tanto se acredita que se pode chegar a algum lado mais rápido do que o próprio tempo. A mais jovem a adiantar-se. Mas a adiantar-se para seguir o caminho dela, após ter olhado a interpelação do primeiro, do alto do seu pequenino mundo. E se tão bem olhou, melhor avançou. A segunda, ainda que lhe suspeitasse um momento de hesitação, sempre acudiu. Movimentos rápidos e rosto mudo, que se faz tarde, e o “passageiro” chegou célere ao destino pretendido.
Como nesta curiosa nova era em que vivemos, parece andar aí pelas bocas do mundo, aceso vírus denominado de ‘Amor’, vou-me perguntando algo desconfiada, onde anda metido que tão poucas vezes com ele me tenho cruzado. É que, de há uns anos a esta parte, muito se tem ouvido falar em amor. A ponto de já me soar a prece recitada de cor, ao jeito dos aprendizes a conjugarem os verbos: “eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos…”.
Mas e esse amor? Onde mora, afinal? Porque também nunca, como na atual era em que vivemos (e posso dizer que este meu quase meio século de vida já me permitiu ir constatando alguma coisa), tal proclamado ‘Amor’ terá andado tão escondido das ruas da doçura.
Estou em crer que o indivíduo entra no corpo de cada um, mas tem dificuldade em sair. Põe-se a namorar à janela com o próprio umbigo, enquanto vai debitando prolixas palavras de encantamento e grandiosas lições de moral aos que passam e lhe sorriem, com o intuito de ser aplaudido… e muito amado. Mas se o convidam a fazer uma visita pela avenida dos necessitados, olha para o lado, a assobiar, em modo de quem não vê porque não é de cá e só estava de passagem.
A empatia, caro ‘Amor’, é como disse acima: identificação. E esta implica ação (boa ação) quando é chamada a sair de casa e a fazer-se ao caminho. Ao caminho da vida real. Sem ficções, sem festivais com foguetes e fogos-de-artifício, sem espalhafato, sem teatro, sem propaganda (da enganosa).
Porque em ti, caro ‘Amor’, o teu amor não pode ser somente palavra repetida até à saturação. Palavra banalizada. Palavra vazia. A tua empatia, ‘Amor’, tem que ser gesto e corpo presente. Querer estar. Querer saber. Procurar. Dar a cara, se tiver que ser.
Porque tu, caro ‘Amor’, deves fazer-te de sentimentos. Ter a maestria do toque, dos olhos que vão ao fundo da verdade. Deves fazer-te de respeito. Deves fazer-te de tantos adjetivos, mas sem pretensiosos objetivos. Mais do que confiança, deves vestir-te de autoconfiança. Senão, não és amor, mas apenas a falta gigantesca dele, à procura de ti próprio.
E nem precisas de saber fazer bem as contas porque tu, ‘Amor’, não existes por nem pela quantidade de gente que te rodeia. E, curiosamente, só quando consegues, efetivamente, dividir-te por muitos, passas a ser ímpar.
É mesmo aí, nesse exato ponto, que percebes que não precisas de ver a alma nua dos outros, para saberes dos seus sonhos. E descobres o que é a empatia.
Ficas a saber, ‘Amor’, que se para tantos a vida é uma fantástica e imaginativa história de amor feita de verborreia, para outros quantos, felizmente, ainda será uma obra construída com alicerces. Por isso, deixo-te uma sugestão: não faças de ti apenas uma lenda, como a de São Martinho. Afinal, ele existiu e reza a história… que soube amar.
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