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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 21 de março de 2023

Peripécia 1 : Tocar a buzina de um camião

Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Peripécias de um Penalbilhas na Escola Industrial de Bragança

Numa madrugada fria de meados de Fevereiro, depois de termos bebido uns copos com umas sandes de presunto no Verbo, decidimos subir a Avenida e fomos parar  junto à Escola. (Para falar sobre, talvez a figura  mais carismática da cidade, não sou a pessoa mais indicada pois, embora frequentasse a taberna, não era dos mais assíduos. Lembro-me que falava constantemente no seu “ Stradivarius“ e que um dia, quando reclamei que me estava a dar o presunto com muito gordo, respondeu-me com aquele seu ar paternal: “ És mesmo burrinho! Por ser pra ti, ´staba a dar-te a parte milhor! “. Outras vezes, quando reclamávamos que as fatias eram demasiado finas, defendia-se: “ Ou, ou... se as partisse como bós qu´reis, num ganhaba prá luz!”.
      Havia por ali um descampado onde estava um camião estacionado. Alguém descobriu que o camião estava aberto e começou a tocar a buzina.  Todos achámos piada e todos  buzinámos. O som rouco do claxon do camião, espalhava-se sonoro e sinistro pela noite, perturbando o sono dos residentes em redor. Quanto mais buzinávamos, mais graça achávamos à brincadeira. Não tardou a aparecer a Polícia que nos levou aos quatro para a esquadra.
       Era eu, o penalbilhas, o Daniel Barreira e o Zé Alberto. Os mais agitados era eu e o Zé Alberto. Quando chegámos à esquadra, levaram-nos para uma sala fechada, sem janelas, no rés do chão. Apareceu um polícia graduado, com divisas que não soube identificar o posto e numa voz de meter medo, perguntou com cara de poucos amigos: “O que é que se passa aqui?”. E nós, uns puros e ingénuos adolescentes, olhámo-nos amedrontados. O graduado dirigiu-se a um subalterno e ordenou-lhe: “Vai buscar o Meirinho”. “Sim, Meu capitão“.  Momentos depois apareceu com o “cavalo meirinho“ que lho passou para as mãos. Agitou-o no ar, fazendo-o vibrar, silvando de modo tenebroso. Eu, que era fraquinho de estômago, não aguentei e vomitei para o chão. Com um pontapé espontâneo no rabo, exigiu: “Ó Chico. Vai buscar um balde com água e uma esfregona“ disse para o guarda. “E tu – disse de dedo em riste virado para mim, trovejando – vais limpar esta porcaria toda, ouviste? “. “Sim Senhor – respondi quase a chorar”. (Não esquecer que estávamos em Fevereiro de 1972, em plena ditadura).
        Vivíamos todos um ambiente de terror pois, nunca nenhum de nós, tinha passado ainda por aquilo. Ao ver-me assustado e borrado de medo, suplicou-me o penalbilhas: “Fala, pá. Diz que te vais queixar“.   
       “Se o Senhor nos tocar, com um dedo que seja, vou fazer queixa ao Senhor Governador Civil”-  consegui dizer com a voz mais firme possível. “ Ah,ah,ah... “ – Respondeu com sarcasmo.“ E quem és tu para falar, sequer, com o Senhor Governador?”. “É da família“– respondeu o Zé Alberto. Depois, virado para mim, quase me implorou: “Fala. Diz que te vais queixar. Diz-lhe que vais fazer queixa ao teu padrinho“.  “Agora o Sr. Governador já é teu Padrinho?!”. E eu, não querendo desiludir os meus melhores amigos, e não os abandonar, balbuciei.  “Sim, é o meu Padrinho. Se nos bater, conto tudo ao Senhor Doutor Abílio e à mulher, à Senhora Dona Carmelina, que são da minha terra e meus padrinhos”. “Ai, são?!“- Perguntou já num timbre de voz mais ameno. “E de que terra são, já agora?” “São do Larinho“ – respondi prontamente. Numa leve agitação corporal, mal disfarçada, perguntou: “Tens aí o teu Bilhete de Identidade, para provares isso? E já agora, quero que me mostreis todos a vossa identificação” – disse resoluto. Infelizmente, nenhum de nós tinha qualquer identificação. “Ah...muito bem! Então o caso está a melhorar para o vosso lado“ – disse num sorriso irónico.  “Leva-os a todos“ – disse para o guarda. E se refilarem, tens aqui – disse passando-lhe o chicote. “Diz que vais apresentar queixa“ – insistia  o penalbilhas com a concordância do Daniel e do Zé Alberto.  Com medo das consequências e quase em pânico, pois sabia bem que os meus pais iriam saber de tudo, enchi-me de coragem e  disse-lhes: “O Senhor Doutor Abílio e a Senhora Dona Carmelina são os meus padrinhos velhos e os filhos, o menino Varito e a menina Terezinha, são os meus padrinhos novos. E ainda têm mais dois filhos, o Menino João e o Menino Bizé, que estuda no Liceu. E eu costumo vir visitá-los uma vez por mês” – disse com a voz embargada, quase em sussurro. Ao ouvirem os nomes de todos os filhos e como constataram que falava a verdade, disse o graduado: “Bom. Ó Xico! Deixa-os ir embora, desta vez. Mas ai de vós se voltarens cá. Não há padrinho que vos salve”- disse com a maior fanfarrice e convicção.
          De lá saímos cabisbaixos a respirar fundo o ar gélido de Bragança de Fevereiro. Por acaso não nevava! Só quando estávamos a mais de cinquenta metros é que respirámos fundo. “Caralhitchos! Desta já nos safemos!” – disse o penalbilhas todo satisfeito, dando-me uma palmada nas costas. “Safemos, safemos...” respondi – lhe em tom duvidoso. “Vós é que vos safástens, porque eu estou metido numa grande alhada. Os meus Pais vão saber “. – Disse desconsolado. “Não penses mais nisso, pá. Vais conseguir dar a volta à situação. Claro que consegues! E logo tu!” – Disse com ar paternalista. Penalbilhas era mesmo manipulador e era por isso que o admirava.
       Na próxima visita que lhes fiz, lá levei um sermão daqueles. “Já sei que estiveste na esquadra. E digo-te que o padrinho não gostou nada da brincadeira“. Com esforço, lá  convenci a madrinha a não dizer nada aos meus Pais. “Esperemos que não se repita“. – Disse-me num tom amigável. “Prometo“ – garanti.
      Beber uns copos para aquecer e mostrarmos ao mundo e, principalmente às donzelas, que existíamos, continuou a fazer parte do nosso deslumbramento mas, buzinas...nunca mais!

Fontes de Carvalho

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

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