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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 8 de março de 2023

VIAGENS — 7 Fingimento

 Outro pecadilho frequente é a hipocrisia, a que também é dado o nome menos rebarbativo de fingimento. Não é que o fingimento seja, em si mesmo, caso para risos; é, pelo contrário, motivo para censura. Mas o momento em que um fingidor deixa cair a máscara, esse sim, pode ser e é quase sempre hilariante. É o que acontece nesta conta intitulada “Morte pelada”, versão colhida por Alexandre Parafita, que a publicou em O Maravilhoso Popular, a páginas 162. Nela se mostra que, perante a iminência ou a simples ameaça da morte, não há fingimento que resista nem máscara que se aguente. Aí vai: 
Conta-se em Argozelo, Vimioso, que havia um casal muito unido em que um estava sempre a dizer que gostava muito do outro e que não conseguiria viver sem ele. A mulher dizia: 
− Homem, gosto tanto de ti que se a morte tivesse de levar um dos dois, mais queria que me levasse a mim e te deixasse ficar a ti. 
Ao que o homem reagia: 
− Ai, mulher, não digas isso! A levar um dos dois, então que me escolha a mim!
E de tanto falarem nisto, a dada altura puseram-se a imaginar como é que seria a morte. 
− Eu ouvi dizer que vem na figura de morte pelada! − disse o homem. 
− Então que venha − aceitou a mulher. − Desde que venha para me levar a mim e te deixe a ti... 
O homem, para ver se era verdade o que a mulher dizia, resolveu um dia propor-lhe: 
− Olha, mulher. Já que queres tanto ir na minha frente, vamos fazer assim: quando a morte vier, escondo-me atrás da albarda para que me não veja.
− Está bem − disse a mulher. 
Então o marido foi arranjar uma galinha, depenou-a toda, e, por fim. lançou-a lá para casa. A galinha desatou a cacarejar e a correr desorientada de um lado para o outro. A mulher, quando a viu, ficou muito aflita e gritou: 
− Ai morte pelada, morte pelada, olha que o meu homem está atrás da albarda! 
O Abade de Baçal dá-nos conta de ter recolhido na povoação de Oleirinhos, Bragança, uma conta semelhante em vários pontos à que acabámos de escutar sobre uma mulher igualmente fingida e um homem céptico. Mas há também pontos divergentes, e um deles, o mais significativo, será a tareia com que o homem castiga a hipocrisia da mulher. A conta anterior é omissa quanto à reacção que o homem terá tido, mas na lógica destas narrativas em que a mulher é falsa ou desilude ou afronta de alguma maneira o marido, a tareia é o remate habitual.
 Vale a pena cotejá-las. 
Diz a lenda que uma mulher de Oleirinhos, concelho de Bragança, repetia muitas vezes ao marido a declaração da sua muita estima, protestando que não sobreviveria ao choque causado pela sua morte, caso ele fosse adiante. Quis o marido experimentar a sinceridade de tais afirmações e fingiu-se morto. Ela, acocuronhada na lareira, mantilha sobre a cabeça, comia muito satisfeita torresmos de presunto e escondia a sertã debaixo do escano quando alguém entrava a visitar o defunto. Entretanto, um gato que tinha, chamado ‘Mundo’, aproveitava o momento para comer também um torresmo, choramingando entretanto a viúva: ó Mundo, Mundo, como os vais levando um a um!, e também: tanto hei-de chorar, que estas peles hei-de secar, o que os vizinhos tomavam pela morte do marido, não sabendo que as peles eram as de uma borracha de vinho que ela ia bebendo para melhor saborear os torresmos. O suposto defunto deu pela conta de tudo, e ao ser conduzido no esquife para Meixedo, um quilómetro distante, onde os de Oleirinhos vão a enterrar, agarrou-se à pernada de um castanheiro, dos muitos que há à beira do caminho, e por uns quintais, escondidamente, voltou a casa, onde aplicou valente sova à consorte. Passados tempos morreu de verdade e a mulher choramingava: Ó irmãos da Misericórdia, Que meu marido levais, Retirai-o das paredes, Não fuja para os quintais. Retirai-o do castanho, Não faça como o outro ano.

(Continua)

A. M. Pires Cabral

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