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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 25 de julho de 2023

O motim do Seminário


...continuação
 
Pela meia-noite de 12 para 13 de Dezembro de 1904, os alunos internos do Seminário de Bragança amotinaram-se, rugiram sinistramente em cavernosa voz disfarçada, dispararam tiros com armas de fogo, provavelmente revólveres ou pistolas, arrombaram as portas dos quartos, despedaçando a golpes de machado seis que ofereceram maior resistência, ficando algumas completamente inutilizadas, correram tumultuosamente pelos corredores, quebraram os candeeiros da iluminação e os escarradores e, entrando nos quartos dos prefeitos, esfrangalharam as cadeiras e mesas que neles havia a golpes de machado, como bem se conhecia pelos vestígios das pancadas.
Não podemos calcular o que sucederia se os dois prefeitos, padres José Marques Coelho e José de Araújo Silva, e o vice-reitor, bacharel em Teologia, António Manuel Pereira Ribeiro, natural de Viana do Castelo, hoje cónego na Sé do Funchal, todos pertencentes à diocese de Braga, contra os quais se dirigia a revolta, chegam a ser apanhados pelos estudantes.
Os tiros não foram disparados contra pessoa alguma, mas, ao que se calcula, para dar sinal de rompimento, talvez no intuito de dar ao acto uns longes de semelhança com a revolução do 1.º de Dezembro de 1640 em Lisboa, cujo aniversário costuma ser celebrado em Bragança com brilhantes festas pela estudantina.
O espírito de insubordinação que lavrava entre os estudantes era já conhecido; quatro horas antes de rebentar o motim, o prelado, acompanhado do seu secretário, foi ao Seminário. Estranhou-lhes tão sinistras intenções e exortou-os ao cumprimento dos seus deveres, e os dois prefeitos apontados, que dormiam em quartos situados nos corredores dos estudantes, escondidamente foram aquela noite para o do vice-reitor, em corredor contíguo, mas separado por sólida porta que, costumando sempre estar aberta, na do atentado apareceu fortemente trancada sendo por isso uma das despedaçadas completamente, porque os revoltados, não encontrando os prefeitos, correram sobre o quarto do vice-reitor que juntamente com eles fugiu para a torre da Sé e depois para casa do comendador Avelino Ferreira, contígua à Praça da Sé.
A notícia do amotinamento circulou rápida pela cidade e logo uma força de Infantaria 10 e o corpo de polícia correram a manter a ordem, dando por terminada a sua missão desde que viram salvos os superiores da casa, sem inquirir muito dos revoltados, que recolhidos em seus quartos sossegaram e, levantando-se de manhã à hora de irem à capela ouvir missa e fazer oração, como é costume, se mostravam muito admirados das ruínas que viam, como se nada soubessem!
Perguntavam não menos admirados, com ar de carinhosa ansiedade, pelo reverendo vice reitor e reverendos prefeitos que não vinham fazer-lhes oração e dizer-lhes missa, e aos que os interrogavam sobre os acontecimentos, respondiam, como ainda hoje passados oito anos:
– Não sei; nessa noite deitei-me cedo, dormi tão pesadamente que só acordei de manhã à hora da capella.
– Mas então não deu pela conta de dispararem tiros, despedaçarem móveis, ulularem cavernosamente e esfrangalharem mesmo a pancadas de machado a porta do seu quarto?
– Nada; não ouvi, não senti, não vi nada disso.
É assim que todos e cada um por si respondia e ainda hoje responde.
As causas do motim, segundo O Nordeste (755), foram «a falta de educação civica e moral; fazer-se do sacerdócio uma profissão lucrativa e não um ministerio religioso; accorrem em geral ás ordens ecclesiasticas, não aquelles que tem vocação, mas os que querem levar a vida sem trabalhos e sem fadigas, ou que os paes querem fazer padres, para depois de o serem, como se dizia no Palito Métrico, forent honra parentum.
Esta causa é antiga, e d’ahi a desmoralisação se se alarga a redea, a insubordinação se se reteza: a bondade dos superiores traz a primeira, o rigor traz a segunda.
É certo, continua o mesmo periódico, que o medo faz conter nas outras dioceses os discolos; mas no districto de Bragança ha muito pronunciado o espirito de independencia, e a atemorisação, na maior parte dos casos, em vez de conter os individuos, impelle-os para a revolta.
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(754) Além dos documentos já citados para o subsídio no Seminário, ver Diário de Lisboa de 1 de Outubro do 1864, 14 de Agosto de 1865, 25 de Abril de 1866, 20 de Julho de 1867 e Diário do Governo de 18 de Julho de 1868 e 29 de Outubro de 1869.
(755) O Nordeste de 4 de Janeiro de 1905.
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É o genio d’estas montanhas, tão agrestes e tão rudes, incarnado nos seus habitantes: é a franqueza transmontana, é a lealdade, é o orgulho da dignidade, é a rudeza no obsequio, é a rudeza no desforço. Dirigir estas qualidades no sentido do bem, eis o que se torna indispensavel para fazer da gente d’esta provincia cidadãos benemeritos.
Mas essa direcção não tem de fazer-se no Seminario – ahi completa-se apenas – ... E quaes são as providencias que se tomam para a educação cívica e moral da mocidade! Pensa-se apenas em ensinar a ler e escrever e resolver umas operações de arithmetica; mas esse insufficiente estudo, quando á mão do povo apenas chegam livros de litteratura barata e abastardada, só serve para lhe augmentar a desmoralisação e amortecer-lhe na consciencia o sentimento do dever»; por isso o periódico citado no mesmo artigo dizia: «É condemnavel o acto dos alumnos, e ninguem de boa fé póde defendel-o. Não ha causas que o justifiquem, embora possa havel-as que o attenuem... É necessario tornar effectiva a exigencia da responsabilidade aos discolos como expiação, como prevenção contra futuras repetições de identicos attentados, e como garantia do prestigio da auctoridade legitimamente constituida» (756).
Efectivamente, assim era. No Seminário haviam entrado alguns estudantes sem nenhuma vocação eclesiástica, falhos de educação moral que não receberam no lar paterno, vazio, ou quase, de todo o sentimento religioso, e menos nas desgraçadas e mal orientadas escolas portuguesas que não educam, apenas instruem imperfeitamente, os quais olhando aos proventos e não à missão levantada e nobre do padre, apenas o consideravam funcionário de uma profissão mais ou menos lucrativa.
As causas próximas eram o rigor da disciplina que só parecia tal a quem não tinha verdadeira noção dela, pois que «ultimamente o pessoal director do Seminário se orientava pela intenção de corrigir e cortar certas tibiezas de disciplina, alguns abusos de várias ordens, que se haviam arreigado mais ou menos no corpo discente» (757).
Como tal rigor apontavam os estudantes: ser-lhes fechada a porta do quarto à chave durante a noite; obrigarem-nos a tê-la desfechada de dia; não poderem expedir ou receber correspondência sem ser por intermédio do vice-reitor; só lhes ser lícita a comunicação com pessoas estranhas ou de família em dias e horas determinados, num quarto especial para isso destinado, quase sempre em presença de um superior; não lhes ser consentida nos quartos comida ou bebida e outras causas, enfim, por este teor que são de uso corrente em todas as casas deste género.
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(756) Em Bragança era geralmente proclamada a necessidade do castigo aplicado aos delinquentes amotinados. Vide O Distrito de Bragança de 10 de Fevereiro de 1905 e 3 de Março do mesmo ano, e o artigo do correspondente de Bragança para o Primeiro de Janeiro, transcrito in O Nordeste de 22 de Fevereiro de 1905.
(757) O Distrito de Bragança, n.º 175, ano de 1904.
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continuação...

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

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