… Os moradores da Sobreda andavam entusiasmados, e até se sentiam importantes, com a nova e feliz realidade de terem finalmente uma escola e uma professora, para que as suas crianças pudessem aprender a ler, a escrever e a contar, como as crianças das outras aldeias.
As aulas começavam a sete deste mês de outubro, que por acaso calhava numa terça-feira e, portanto, era urgente arranjar casa para a professora e o marido.
Para o funcionamento da escola, já há muito que estava destinada uma casa desabitada, cujos donos tinham emigrado para o Brasil, como era moda nesse tempo. A casa que, devidamente autorizada pelos donos, iria agora servir de escola, tinha uma cozinha com uma boa lareira e uma sala grande onde caberiam bem as duas dezenas de garotos em idade escolar, isto é, dos sete aos quinze anos.
Naquele domingo de sol outonal, o povo juntou-se no largo do terreiro, depois da missa das dez, para se arranjar então uma habitação decente para a senhora professora e o marido.
Não tardaram muito em chegar à conclusão de que a casa que reunia melhores condições de habitabilidade, era o palheiro do senhor Benedito que, além de ter uma porta de entrada em madeira, tinha também uma grande janela virada para o terreiro, de onde se avistava grande parte do povoado.
Além disso, o palheiro, que já há alguns anos deixara de servir como tal, era bem construído, com o telhado ainda em bom estado e as paredes eram em pedra miúda de xisto.
Por outro lado, ficava ali na parte mais baixa do largo, bem no centro da aldeia, a dois passos da escola e bem juntinho ao ribeiro que por ali corria todo o ano. Como o chão era térreo, os homens concordaram em construir-lhe um sobrado de madeira no canto onde iria ficar a cama, enquanto as mulheres combinaram em fazer depois um arranjo condigno e uma limpeza geral.
A realidade, é que o palheiro, tornado habitação, nem parecia o mesmo, ao qual não faltava agora uma lareirazita e uma boa braçada de lenha, não apenas para se cozinhar, mas também para as primeiras impressões do frio que em breve bateria à porta, uma pequena arca de madeira para a roupa, um armário para os cacos da louça e uma cama de ferro pintada de azul.
No dia sete de outubro de mil novecentos e cinquenta e dois, a meio da manhã, a abertura da primeira escola da Sobreda foi solene e festiva, com a presença do senhor delegado escolar do senhor padre, do senhor regedor e de um representante da câmara municipal, que assim se juntaram à população local, para festejarem tão importante acontecimento.
Os dois sinos da igreja, normalmente entalados e mudos nas ogivas graníticas da sua torre, repicavam agora freneticamente, como que a quererem acordar a serra de Bornes da sua milenária letargia e que se ergue, imponente, do lado poente da aldeia, escondendo mais cedo o sol do casario, encurtando assim as tardes, antecipando as noites e matando o horizonte como uma enorme e escura cortina.
Muito antes de os sinos parecerem malucos a tocar, logo pela manhã, alguém tinha mandado vir o chicheiro de Salselas para matar um carneiro que mais parecia um vitelo e então o largo encheu-se de gente, a ver sangrar o animal, as mulheres a tirarem-lhe as tripas e a levá-lo numa bacia de lata para o temperar e meter no forno. Só depois é que foram todos à missa.
Quando chegou a hora do meio-dia, mulheres, homens e crianças começaram a chegar ao largo carregados de tábuas e paus e ali improvisaram uma mesa comprida que logo cobriram das mais variadas iguarias, enchidos, presunto, queijo, carnes assadas vindas em tabuleiros de lata à cabeça de algumas mulheres mais jovens. Alguns homens mais velhos e mais atentos à secura das gargantas, traziam cântaros de vinho como quem traz um troféu preparado para conquistar.
Perante tão prometedor cenário, as individualidades presentes foram-se então chegando à mesa do povo, o senhor padre na dianteira, como quem não quer a coisa, e, durante horas, foi um fartote de comida bem regada, enquanto, entre arrotos, se davam vivas à primeira professora da escola daquela singela localidade.
Como tudo estava bem combinado, mais ou menos a essa hora, o fogueteiro de Limãos começou a largar das suas mãos mágicas, fazendo soprar as canas delgadas entre os dedos, num apressado fffssst, antes de subirem aos céus, até se ver um clarão esbranquiçado logo seguido de um pum que fazia estremecer o peito e uma nuvenzinha de fumo ficava a pairar até se desfazer em nada.
Aí a meio da tarde, já depois de as individualidades terem regressado bem empanzinadas a suas casas, a jovem professora fez questão de juntar as crianças na escola, para se apresentar a lhes mostrar os primeiros rabiscos do bê-á-bá das suas vidas, no improvisado quadro negro da sala de aula.
Entretanto, os homens que se tinham acanhado perante as pantagruélicas individualidades na comprida mesa do povo, ficaram agora mais à vontade e foram então comemorar para as adegas a desinquietar o vinho da pipa e despendurando os presuntos para os rilharem em pedaços sobre fatias grossas de centeio, com as navalhas individuais em riste, enquanto as mulheres, de rostos sorridentes, satisfeitas com o dever cumprido e na paz do Senhor, se foram dirigindo para os seus lares, a acender o lume para prepararem a ceia.
As aulas começavam a sete deste mês de outubro, que por acaso calhava numa terça-feira e, portanto, era urgente arranjar casa para a professora e o marido.
Para o funcionamento da escola, já há muito que estava destinada uma casa desabitada, cujos donos tinham emigrado para o Brasil, como era moda nesse tempo. A casa que, devidamente autorizada pelos donos, iria agora servir de escola, tinha uma cozinha com uma boa lareira e uma sala grande onde caberiam bem as duas dezenas de garotos em idade escolar, isto é, dos sete aos quinze anos.
Naquele domingo de sol outonal, o povo juntou-se no largo do terreiro, depois da missa das dez, para se arranjar então uma habitação decente para a senhora professora e o marido.
Não tardaram muito em chegar à conclusão de que a casa que reunia melhores condições de habitabilidade, era o palheiro do senhor Benedito que, além de ter uma porta de entrada em madeira, tinha também uma grande janela virada para o terreiro, de onde se avistava grande parte do povoado.
Além disso, o palheiro, que já há alguns anos deixara de servir como tal, era bem construído, com o telhado ainda em bom estado e as paredes eram em pedra miúda de xisto.
Por outro lado, ficava ali na parte mais baixa do largo, bem no centro da aldeia, a dois passos da escola e bem juntinho ao ribeiro que por ali corria todo o ano. Como o chão era térreo, os homens concordaram em construir-lhe um sobrado de madeira no canto onde iria ficar a cama, enquanto as mulheres combinaram em fazer depois um arranjo condigno e uma limpeza geral.
A realidade, é que o palheiro, tornado habitação, nem parecia o mesmo, ao qual não faltava agora uma lareirazita e uma boa braçada de lenha, não apenas para se cozinhar, mas também para as primeiras impressões do frio que em breve bateria à porta, uma pequena arca de madeira para a roupa, um armário para os cacos da louça e uma cama de ferro pintada de azul.
No dia sete de outubro de mil novecentos e cinquenta e dois, a meio da manhã, a abertura da primeira escola da Sobreda foi solene e festiva, com a presença do senhor delegado escolar do senhor padre, do senhor regedor e de um representante da câmara municipal, que assim se juntaram à população local, para festejarem tão importante acontecimento.
Os dois sinos da igreja, normalmente entalados e mudos nas ogivas graníticas da sua torre, repicavam agora freneticamente, como que a quererem acordar a serra de Bornes da sua milenária letargia e que se ergue, imponente, do lado poente da aldeia, escondendo mais cedo o sol do casario, encurtando assim as tardes, antecipando as noites e matando o horizonte como uma enorme e escura cortina.
Muito antes de os sinos parecerem malucos a tocar, logo pela manhã, alguém tinha mandado vir o chicheiro de Salselas para matar um carneiro que mais parecia um vitelo e então o largo encheu-se de gente, a ver sangrar o animal, as mulheres a tirarem-lhe as tripas e a levá-lo numa bacia de lata para o temperar e meter no forno. Só depois é que foram todos à missa.
Quando chegou a hora do meio-dia, mulheres, homens e crianças começaram a chegar ao largo carregados de tábuas e paus e ali improvisaram uma mesa comprida que logo cobriram das mais variadas iguarias, enchidos, presunto, queijo, carnes assadas vindas em tabuleiros de lata à cabeça de algumas mulheres mais jovens. Alguns homens mais velhos e mais atentos à secura das gargantas, traziam cântaros de vinho como quem traz um troféu preparado para conquistar.
Perante tão prometedor cenário, as individualidades presentes foram-se então chegando à mesa do povo, o senhor padre na dianteira, como quem não quer a coisa, e, durante horas, foi um fartote de comida bem regada, enquanto, entre arrotos, se davam vivas à primeira professora da escola daquela singela localidade.
Como tudo estava bem combinado, mais ou menos a essa hora, o fogueteiro de Limãos começou a largar das suas mãos mágicas, fazendo soprar as canas delgadas entre os dedos, num apressado fffssst, antes de subirem aos céus, até se ver um clarão esbranquiçado logo seguido de um pum que fazia estremecer o peito e uma nuvenzinha de fumo ficava a pairar até se desfazer em nada.
Aí a meio da tarde, já depois de as individualidades terem regressado bem empanzinadas a suas casas, a jovem professora fez questão de juntar as crianças na escola, para se apresentar a lhes mostrar os primeiros rabiscos do bê-á-bá das suas vidas, no improvisado quadro negro da sala de aula.
Entretanto, os homens que se tinham acanhado perante as pantagruélicas individualidades na comprida mesa do povo, ficaram agora mais à vontade e foram então comemorar para as adegas a desinquietar o vinho da pipa e despendurando os presuntos para os rilharem em pedaços sobre fatias grossas de centeio, com as navalhas individuais em riste, enquanto as mulheres, de rostos sorridentes, satisfeitas com o dever cumprido e na paz do Senhor, se foram dirigindo para os seus lares, a acender o lume para prepararem a ceia.
(Conto do livro, Terra Parda) de Hélder Rodrigues
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