É por terras do Douro Superior, do planalto mirandês, de Barroso e do Marão, que Paulo Patoleia regista rostos em fotografia. São os «velhos transmontanos», como lhes chama, os únicos que vão dando vida a aldeias e vilas. A ideia de fotografar estas populações surgiu há sete anos. A paixão pela fotografia já valeu a Paulo exposições itinerantes. O trabalho reunido no blogue «Rostos Transmontanos» dará, em breve, origem a um livro.
Na Feira Anual de Pinhel, Paulo Patoleia encontrou a Tia Maria dos Passos. «Mulher raiana, acompanhada pelo marido, “contrabandista de pequenos nadas”. Calças de pana espanhola e meias de algodão azul para cá….café e pessoas de salto alto para lá, histórias por contar com cumplicidades e traições, de muitos intervenientes ainda vivos. Um rosto que deixa adivinhar uma vida dura», descreve Paulo no seu blogue «Rostos Transmontanos».
A ela juntam-se António Guedes «Frango», natural de Pocinho, em Vila Nova de Foz Côa, ou o Tio Loureiro, de Torre de Moncorvo, e Alcina de Jesus Lameira, na aldeia de Mós, em Carviçais. São apenas alguns dos rostos e das histórias que a objectiva de Paulo Patoleia captou nos últimos anos.
A ideia surgiu pelo convívio diário que o bloguer tem com as populações e com a proximidade com o povo transmontano do qual Paulo Patoleia também faz parte. Para mais a actividade de feirante leva-o a percorrer o circuito dos mercados da região.
O projecto do blogue «Rostos Transmontanos» desenvolveu-se sobretudo a partir de 2005, quando Paulo percebeu que havia uma geração de velhos «que carregavam ainda a sua indumentária ancestral, com os chapéus de feltro com aba e os eternos lenços pretos, deixando adivinhar sucessivas perdas».
Essencialmente, conta, «começavam a escassear nas feiras tolhidos pela doença ou morte ou o ingresso nos lares de idosos, resultando esta nova maneira de tratar os idosos /isolamento, numa inevitável quebra da passagem de testemunho e valores elementar aos filhos netos e bisnetos».
Aliado a isto, também «o telurismo marcado nestes rostos enrugados, ainda saudáveis e prenhes de sabedoria, foram mais um motivo extra para os imortalizar através da fotografia».
Desertificação:
Do contacto que mantém com as gentes transmontanas, Paulo Patoleia afirma que a região está cada vez mais desertificada, sobretudo «pela falta de emprego e pela carência de jovens, que após a sua formação, acabam invariavelmente por procurarem o litoral e, mais recentemente, o estrangeiro, fazendo lembrar os idos anos de 1960/1970 da imigração a “salto” para os menos formados».
Contudo, frisa, «também os de melhor aproveitamento nas universidades, rumam ao estrangeiro, com os seus conhecimentos, ficando as aldeias apenas com os “velhos”, homens de bom coração e de boa conversa e as crianças. E são estes velhos, que com debilitada saúde ainda cultivam as hortas numa agricultura de sustento», constata.
Para o fotógrafo, a região tem potencial turístico nas suas «variadas paisagens», que vão do Douro Superior ao planalto mirandês passando pelo Barroso e Marão. Contudo, recorda que «apenas as empresas do Douro navegável apostaram forte na compra de barcos e serviços, acabando por não contribuir em nada para a região, ou seja as viagens são vendidas em pack tudo incluído e mais ninguém ganha com isso, pois estão sediadas fora da região».
Outra mais-valia da região, refere, é a gastronomia «rica no fumeiro e carnes, frutas, queijos, azeite e vinho de excelência mas com graves problemas de escoamento, caindo invariavelmente nas mãos das grandes superfícies e seus preços tabelados».
Noutras áreas, como a saúde, por exemplo, a situação «tem vindo a degradar-se» assim como no ensino, «assistindo-se ao encerramento dos centros de saúde e escolas, obrigando a população a um esforço financeiro maior e a trajectos de quilómetros suplementares».
Paulo Patoleia considera que o trabalho que tem feito através da fotografia irá contribuir para dar «a conhecer às gerações vindouras a identidade desta geração que agora definha, mostrando as suas fragilidades mas também as suas tradições e indumentária, deixando como que uma janela entreaberta para a realidade deste povo entregue a si próprio, quiçá algo abandonado».
Considera que «pouco se tem feito para preservar as tradições, o património e a história da região, exceptuando o planalto mirandês, onde se tem promovido a música tradicional, tendo como referência os músicos de sucesso internacional «Galandum Galandaina», a língua mirandesa, originária do velho lionês, as festas dos rapazes e as suas máscaras assim como o cabrito e o borrego “churra” e a carne de raça mirandesa e no barroso a barrosã».
E enumera mais marcos identitários da região que não podem ser esquecidos, fazendo referência ao «São Martinho de Maçores, que mantém a tradição do caldeiro de vinho transportado aos ombros de dois rapazes por onde se bebe o vinho e que acompanha as castanhas assadas na palha». Paulo lamenta, também, o encerramento das linhas do Tua e Sabor, assim como a do Douro que ligava Pocinho a Barca D’Alva.
«Entendo que as expectativas do povo transmontano são de desilusão e abandono, acreditando em ténues tábuas de salvação, tais como as barragens e o nebuloso arranque das minas de hematite da serra do Roboredo, em Moncorvo», diz, em tom de tristeza.
O bloguer tem divulgado o seu trabalho fotográfico através de exposições itinerantes pelo país e estrangeiro. Ainda em 2012 irá reunir, em livro, todo o material que tem publicado no blogue. A obra, intitulada «Rostos Transmontanos» irá reunir fotografias e textos e será editado pela Âncora.
Paulo Patoleia acredita que este trabalho já valeu a pena «pela projecção alcançada». «Mas continuo aberto a mais propostas, sendo que a próxima exposição vai ser num dos mais conceituados museus de Lyon, em França, a convite da universidade local. Acredito que a identidade da minha região sairá promovida neste evento», sublinha.
Ana Clara; Fotos - Blogue «Rostos Transmontanos»
incafeportugal.net
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