Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Ao falar das nossas vidas temos o cuidado de ziguezaguear por entre os inúmeros episódios delas evitando aqueles que nos poderiam embaraçar, escolhendo os mais apresentáveis. Ainda assim não deixamos que estes saiam de qualquer maneira, também é costume dar-lhes uns retoques para ficarmos bonitos na fotografia. Quem conta os seus contos não acrescenta só um ponto, acrescenta e subtrai os pontos que quer, e com o tempo deixa muitas vezes de ter a noção precisa do que lhe aconteceu ou não. Repetimos certas tretas tanta vez que passamos a acreditar nelas, as chamadas falsas memórias. Dado poucos verem o que somos e todos verem o que aparentamos ser – como diz maquiavel – no palco das relações humanas cada um dá vida a uma personagem mais ou menos afastada de si próprio.
É natural. Diz quem estuda que tal como todas as espécies vivas evoluímos para enganar os outros (e a nós mesmos) quer exibindo quer escondendo, ora com o corpo ora com palavras, para os atrair ou afugentar, o que nos garantiria melhores hipóteses de sobrevivência e reprodução. Como os espelhos estão fartos de saber, o faz-de-conta começa logo nos vulgares cuidados em parecer bem antes de saímos à rua de manhã e vai até ao drama comum de calarmos aquilo que é a nossa verdade maior, os sentimentos, por medo de sermos tidos como fracos e ridicularizados. Mostrar debilidades põe-nos em desvantagem competitiva, há que ostentar forças dê por onde der. O resultado é quase sempre uma série de papeis sociais a desempenhar, máscaras que colocamos tantas vezes que acabam por se nos colar à cara.
Nessa medida, nada que se veja pela internet fora trouxe grandes surpresas. Ela impôs-se como a criação mais democrática da história ao revolucionar de forma admirável as possibilidades de ligar, comunicar, interagir, mostrar, trocar, mobilizar, aprender, fazer. Eram tendências nossas que já existiam. Youtubers, bloggers, influencers são meios recentes de multiplicar por milhões capacidades que tínhamos antes. Entretanto, na impossibilidade de pedir a uma tecnologia aquilo que nunca poderá dar, tornar-nos melhores, tal como tudo o que criamos, como a navalha que tanto corta o pão como põe as tripas do vizinho à mostra, ela pode ter bom ou mau uso. As redes sociais dão uma voz amplificadíssima e assustadora à ignorância, ao preconceito, à cretinice, à estupidez, à intolerância, ao ódio, à raiva, à maldade que nos segue desde sempre. São também redes no sentido em que nos podem prender em dependências, alheamentos e visões desfocadas da realidade e, para voltar ao tema com que iniciei, oferecer uma cena imensa onde representamos as nossas velhas narrativas.
O dia a dia é normalmente feito de luz e sombra, grandezas e misérias mais ou menos intermitentes. Se calhar mais vezes cinzento e tristonho que outra coisa. Para equilibrar, damos asas à fantasia e criamos no facebook ou no instagram uma realidade alternativa que contraste com a mediocridade habitual. Um expositor de feira que mostre novidades coloridas e tape a tralha que temos por baixo. Vai daí, de telemóvel em punho, registamos certos aspetos, momentos e ângulos da família, da casa, da mobília, da decoração, do jardim, da comida, da roupa, das compras, das relações, das amizades, do carro, do passeio, do lazer, das viagens, da intimidade, de preferência enquadrados por cenários de fazer inveja, que vamos acrescentando à nossa história aos quadradinhos digital.
É natural. Diz quem estuda que tal como todas as espécies vivas evoluímos para enganar os outros (e a nós mesmos) quer exibindo quer escondendo, ora com o corpo ora com palavras, para os atrair ou afugentar, o que nos garantiria melhores hipóteses de sobrevivência e reprodução. Como os espelhos estão fartos de saber, o faz-de-conta começa logo nos vulgares cuidados em parecer bem antes de saímos à rua de manhã e vai até ao drama comum de calarmos aquilo que é a nossa verdade maior, os sentimentos, por medo de sermos tidos como fracos e ridicularizados. Mostrar debilidades põe-nos em desvantagem competitiva, há que ostentar forças dê por onde der. O resultado é quase sempre uma série de papeis sociais a desempenhar, máscaras que colocamos tantas vezes que acabam por se nos colar à cara.
Nessa medida, nada que se veja pela internet fora trouxe grandes surpresas. Ela impôs-se como a criação mais democrática da história ao revolucionar de forma admirável as possibilidades de ligar, comunicar, interagir, mostrar, trocar, mobilizar, aprender, fazer. Eram tendências nossas que já existiam. Youtubers, bloggers, influencers são meios recentes de multiplicar por milhões capacidades que tínhamos antes. Entretanto, na impossibilidade de pedir a uma tecnologia aquilo que nunca poderá dar, tornar-nos melhores, tal como tudo o que criamos, como a navalha que tanto corta o pão como põe as tripas do vizinho à mostra, ela pode ter bom ou mau uso. As redes sociais dão uma voz amplificadíssima e assustadora à ignorância, ao preconceito, à cretinice, à estupidez, à intolerância, ao ódio, à raiva, à maldade que nos segue desde sempre. São também redes no sentido em que nos podem prender em dependências, alheamentos e visões desfocadas da realidade e, para voltar ao tema com que iniciei, oferecer uma cena imensa onde representamos as nossas velhas narrativas.
O dia a dia é normalmente feito de luz e sombra, grandezas e misérias mais ou menos intermitentes. Se calhar mais vezes cinzento e tristonho que outra coisa. Para equilibrar, damos asas à fantasia e criamos no facebook ou no instagram uma realidade alternativa que contraste com a mediocridade habitual. Um expositor de feira que mostre novidades coloridas e tape a tralha que temos por baixo. Vai daí, de telemóvel em punho, registamos certos aspetos, momentos e ângulos da família, da casa, da mobília, da decoração, do jardim, da comida, da roupa, das compras, das relações, das amizades, do carro, do passeio, do lazer, das viagens, da intimidade, de preferência enquadrados por cenários de fazer inveja, que vamos acrescentando à nossa história aos quadradinhos digital.
Se for preciso somos capazes de fazer manifes partindo tudo o que nos apareça à frente em defesa da privacidade. Mas isso não tira de deixarmos uma multidão de estranhos, a que chamamos amigos, espreitar a página, perdão, a crónica diária da nossa excitante vida, em troca de aceitação, reconhecimento e um conceito muito particular de fama. A fábula cibernética não poderia deixar de lado a peça principal na corrida pela sedução reprodutiva, o físico. Caso seja apresentável, vale sempre a pena arriscar reparos dos seguidores e até algum bullying pela satisfação narcisista que via selfie ele nos dá. Há que oferecê-lo como mercadoria ao voyeurismo no seu máximo esplendor, seminu e sensual, enquanto é tempo. Assim como assim é um aliado pouco firme. Mesmo magro, com as medidas certas e tudo no sítio ameaça a toda a hora degradar-se e fugir aos modelos de beleza estabelecidos.
Nordeste - maio 2021
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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