O presidente da junta de freguesia de Torre de Dona Chama corre o risco de perder o mandato por, alegadamente, não ter cumprido uma decisão, já transitada em julgado, do tribunal da Relação de Guimarães que confirmou uma decisão de primeira instância do tribunal judicial de Mirandela que obrigava a junta a reconhecer o direito de propriedade privada de um prédio rústico que aquele órgão autárquico tem vindo a tratar como sendo de passagem de um caminho público.
É o que alega uma das proprietárias que já deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela com uma queixa a acusar o autarca de não cumprir a sentença.
O caso já tem mais de 40 anos e tem a ver com um prédio rústico com cerca de 2 hectares inscrito na matriz da freguesia de Torre de Dona Chama, pertencente a António Alípio Santos. No entanto, desde a década de 1980, que os sucessivos executivos da junta de freguesia alegam que os caminhos existentes no prédio rústico têm um caráter público.
O caso foi parar à barra dos tribunais pela mão das duas filhas de António Alípio Santos, entretanto falecido, legítimas herdeiras do prédio rústico em causa.
Intentaram uma ação no Tribunal Judicial de Mirandela contra a junta de freguesia de Torre de Dona Chama que veio a condenar a autarquia, em junho de 2023, a reconhecer o direito de propriedade das duas mulheres sobre o referido prédio, a reconhecer que a passagem pedonal se extinguiu por falta de uso e ainda a inexistência de qualquer passagem e/ou caminho público, bem como obriga a junta a repor o prédio, à sua custa, no estado em que se encontrava antes da concretização das condutas, entretanto ali colocadas.
Além disso, o tribunal condenou a junta de freguesia a pagar uma indemnização de 500 euros às duas mulheres por danos não patrimoniais.
A junta de freguesia recorreu da decisão, mas, em fevereiro deste ano, o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a sentença do tribunal de primeira instância, deliberação que transitou em julgado.
No entanto, Fátima Santos, uma das irmãs proprietárias do prédio em causa, diz agora que o presidente da junta de freguesia, Nuno Nogueira, “não cumpriu a sentença” e que por isso avançou com uma acão no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela para solicitar “a perda de mandato” do autarca que cumpre o segundo mandato depois de eleito, em 2017 e 2021, nas listas do PS.
Fátima Santos pretende que “seja fechado o caminho que ele abriu, porque já tínhamos andado a surribar aquilo de forma a fazermos lá um plantio e que este caminho fique exatamente como estava, porque andou a deitar terras por todo o lado e foi de tal forma alterado que nem temos acesso à nossa quinta”, conta.
Fátima diz que este é um processo que se arrasta há muitos anos e que tem tido enormes consequências para a sua família. “Sinceramente, já estamos cansados disto e a minha irmã já esteve perto de ter um AVC com os nervos que isto lhe dá, porque não podemos tomar conta daquilo que nos foi deixado pelo nosso pai e ainda tivemos de gastar dinheiro para assumir que aquilo era nosso e agora continuam a não cumprir aquilo que foi estipulado pelo tribunal”, afirma.
Ainda assim, Fátima Santos promete que não desiste de lutar por aquilo que diz ser da sua família.
Confrontado com estas acusações, o presidente da junta de freguesia diz que as acusações “não correspondem à realidade”, uma vez que “já iniciamos esses trabalhos, que entretanto foram suspensos porque pretendíamos que a proprietário nos indicasse o que pretende e estávamos com dificuldade em contactá-la”, adianta Nuno Nogueira.
Na semana passada, o autarca conseguiu falar com a proprietária. “Solicitei irmos ao local para explicar o que pretendia, mas ela informou que teria de falar com a advogada, uma vez que apresentou nova queixa por incumprimento”, acrescenta Nuno Nogueira, garantindo que “iremos cumprir o que foi estipulado pelo tribunal, até porque já contratamos uma máquina para o efeito”, diz.
Questionado sobre o facto de já ter conhecimento da sentença do Tribunal da Relação, desde fevereiro, e de ainda não ter cumprido com o que era exigido, Nuno Nogueira alega que “o tempo também não o permitiu, e uma vez que agora o tempo já o permite, começamos os trabalhos, mas como não tínhamos a certeza do que era pretendido, suspendemos os trabalhos”, afirma.
Nuno Nogueira diz não temer perder o mandato. “Não temo, porque temos de cumprir o que foi decidido e estamos a tomar diligências nesse sentido”, refere.
PERDA DE MANDATO É UMA DAS SANÇÕES PREVISTAS
Para melhor se perceber o que pode estar em causa, a advogada Paula Borges explica que, em termos abstratos, “as entidades, sejam públicas ou privadas, têm de obedecer às decisões que são emanadas pelos tribunais e, após transitarem em julgado, significa que nenhuma instância pode conhecer do mérito da decisão que já foi tornada decisiva e sendo assim, os eleitos locais, estão obrigados a cumprir a Lei”, pelo que quando isso não acontece, “sujeitam-se a um regime sancionatório, que é determinado por uma legislação específica, que é o regime jurídico da tutela administrativa, que prevê sanções quando os eleitos locais violam a Lei e uma delas é a suscetibilidade de o órgão ser dissolvido, o que na prática corresponde à perda de mandato do eleito local”, acrescenta a advogada.
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