terça-feira, 9 de junho de 2020

Dos espaços, dos agentes e das realizações em Bragança nos princípios da república

Olhemos, com um pouco mais de atenção, para todos estes agentes e meios e para todas estas manifestações e realizações que animam e caracterizam o "tempo de viver".
Para tal será preciso referir atividades culturais e espaços de sociabilidade e de lazer; clubes recreativos; associações políticas; agremiações socioprofissionais e culturais; grupos teatrais e musicais; sociedades desportivas; comissões festivas; em suma, aludir às associações, mais e menos elitistas, mais e menos populares… Com todas estas peças – e outras que se acrescentarão – e de todos estes elementos se constituía o rico puzzle da vida cultural e civilizacional que, à sua maneira, marcava o quotidiano da urbe e contribuía para preencher, também, a existência dos brigantinos. Como é compreensível, para além de ser difícil caminhar nestes terrenos movediços, são muitas as inércias e as continuidades. Impõe-se, por isso, recuar – mesmo que seja pouco – a tempos anteriores.
Em setembro de 1910 é inaugurado, com alguma pompa e com cerimónia pública, o coreto da Praça da Sé.
Regista-se uma vida cultural e intelectual que, pelas suas manifestações e atividades, não seria de esperar de um "meio frustre" – outro qualificativo de um documento –, como era este de Bragança.
Estabelecimentos de ensino e "instituições culturais" cumprem um papel educativo e cultural digno de nota, no que respeita ao ensino, à educação e à "dinamização cultural".
Órgãos de informação locais, variados e intervenientes, doutrinários, de grande qualidade intelectual e literária, independentemente da sua orientação política e ideológica, dão-nos uma ideia do panorama cultural e atestam o elevado nível de alguns membros das elites intelectuais. Como se frisou, são jornais que instruem, debatem, ensinam e educam; propagadores de ideias e doutrinas; fazedores de opinião. Perante a qualidade da imprensa local, somos tentados a lamentar que tão pouca gente a pudesse ler.
A "normal" atividade cultural e intelectual e as mais diversas expressões cívicas, desportivas e lúdicas, exigiam espaços variados: clubes, agremiações, teatros, cinema, praça de touros, coretos. Festas, festividades e cerimónias – cívicas, lúdicas e religiosas – tinham, ainda, como cenário e palco o espaço público e envolviam autoridades, forças vivas e população. Comemorações e festejos ritualizados e simbólicos, de cunho manifestamente popular – apesar de alguns recuos nestas manifestações (que se terão verificado a partir da segunda metade de Oitocentos) –, marcavam o tempo e o espaço…
E se a miséria do povo era uma nota marcante e muitos habitantes da Cidade viviam no limiar da pobreza, havia momentos e tempos programados para fazer esquecer as tristezas do quotidiano. Aí estavam as festas que assumiam vários cambiantes e que ajudavam mesmo a definir a diversidade de identidades de cidades, vilas e aldeias.
Para todas estas manifestações, iniciativas e espetáculos não faltam mediadores e agentes, atores e públicos que alimentam uma cultura de cariz mais erudito e uma cultura de feição mais popular. Como é óbvio, nenhuma "muralha da China" separa uma da outra. São muitos os contágios e as interações. Refira-se, ainda, as colaborações qualificadas e cooperantes, nos mais variados domínios culturais, de conterrâneos que haviam deixado a terra natal e que se tinham radicado, sobretudo, nos grandes centros, especialmente em Lisboa. Eram fecundas e profícuas as raízes que os prendiam à sua terra e às suas gentes.
A partir da segunda metade de Oitocentos "acentua-se o controlo político das multidões, legislando-se no sentido das diversões, jogos e festas populares serem canalizados para recintos fechados, onde o policiamento passa a ser efetuado e otimizado o controlo dos comportamentos".
A cultura, nos fins do século XIX, difundira, em especial através de associações cívicas ou profissionais diferenciadas, “novos comportamentos de novas civilidades e valores definidos pelos grupos a que estão associados – sejam grémios, clubes vários, associações ou sociedades – emulando-se em festas e saraus bem organizados pelas elites competentes e descritos na imprensa em espaço proporcional à hierarquia dos participantes, mas em que ganha dominância a vertente cultural e a política”. Os saraus brigantinos, públicos ou privados, eram muito concorridos. A partir da década de 1880, assiste-se à vinda regular de companhias profissionais, de espetáculos variados, que trazem um pouco do que se ia fazendo no Porto e em Lisboa. Mas, como veremos, também provinham de sítios mais distantes.
A Cidade conta associações, espaços e equipamentos de diversa índole, que marcam a existência da comunidade. Alguns desses espaços e dessas associações vão merecer um pouco mais de atenção por razões que se prendem com os papéis que desempenharam e a projeção que tiveram ou porque, mais prosaicamente, dispomos de mais elementos.
Em 1889, foram aprovados os estatutos dos Bombeiros Voluntários de Bragança. Enquanto não se edificava uma construção mais sólida, o que veio a acontecer anos depois, em julho de 1890, “a Câmara tomou de aluguer um coreto de madeira, que mandou colocar na Praça Camões, a fim de ali poderem tocar às quintas-feiras e domingos, e alternadamente, as duas bandas regimentais”. Esta programação cultural, porventura com alguns hiatos, ainda se mantinha em 1910.
Corria o ano de 1890. A Associação dos Artistas de Bragança “propõe-se prover a que esta Cidade não continue privada de um edifício destinado às diversões artísticas, restaurando o velho Teatro Brigantino”. Seriam, por conseguinte, muito deploráveis as condições do Teatro. Dois anos passados, em 1892, concretizava-se o projeto e estava concluída a  remodelação. A Gazeta de Bragança, em 15 de maio, noticia: “Teve lugar… a inauguração do Teatro Camões, mandado construir pela benemérita Associação Artística de Bragança, no local do antigo Teatro Brigantino”.
A poucos anos do fim do século, em novembro de 1896, a Câmara Municipal deliberou a criação de “um Museu Arqueológico em uma sala dos Paços do Concelho”, que abriu ao público a 14 de março de 1897.
Bragança continua a apetrechar-se… Não podia entrar no século que se avizinhava sem uma praça de touros, que foi inaugurada a 29 de junho de 1899 – como noticia O Nordeste de 4 de julho –, com “uma grandiosa corrida”.
Por alvará de 1902, são aprovados os estatutos da Associação Comercial de Bragança. Em abril de 1903, fazia-se, no Clube Brigantino, uma conferência sobre socialismo: “Teve lugar nesta casa de recreio uma conferência feita pelo nosso amigo distinto advogado e primoroso e enérgico jornalista, sr. dr. Eduardo Ernesto de Faria”. O Clube tinha nascido da “Assembleia”. Em 1905, há uma tentativa de fusão “entre as duas casas de recreio desta Cidade, denominadas Clube e Assembleia”, que não resultou.
João Afonso Dias, um dos fundadores
 da Associação Comercial de Bragança
Os estatutos e o regulamento interno do Grémio Brigantino são aprovados em 1906. Sobre estes estatutos, António Barbosa refere a existência de um artigo que “proíbe aos estudantes serem sócios daquela assembleia, roubando-nos assim um magnífico ensejo de convivência de professores e alunos”.
Em agosto de 1909, na Gazeta de Bragança, é noticiada “uma reunião preparatória da organização de uma nova sociedade de recreio, com a denominação de Grémio de Bragança, tendo sido aprovados os respetivos estatutos e nomeada uma comissão”.
Neste mesmo ano, são aprovados os estatutos do Clube de Caçadores de Bragança.
Em setembro de 1910 é inaugurado, com alguma pompa e com uma cerimónia pública, o coreto da Praça da Sé.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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