[in O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz]
Grão-de-bico, ervanço, gravanço ou garbanço, é uma leguminosa (papilionáceas) de cor amarelada e como o nome indica, bicuda. Originária de uma região entalada entre o sul do Cáucaso, o norte da Pérsia e Grécia, os gregos chamavam-lhe erebinthos e também krios, o comediógrafo Aristófanes entendia gozadamente a primeira definição de membro viril, a segunda significava carneiro (máquina de guerra na altura) muito parecida à leguminosa. Nos banquetes, o grão-de-bico, modesto, cumpria bem a função de ajudar a prolongar as libações, servido tostado levava ao aumento de desejo pelas bebidas.
Dada a forma arredondada e o aspecto, microscópico, de carneiro, levou os gregos à aludida comparação, os egípcios chamavam-lhe her-bak. No Egipto bak significava falcão, pássaro simbólico de Horus, razão de terem aparecido interpretações singulares e obscuras referentes ao apreciado gravanço.
Na Antiguidade o grão-de-bico suscitou a atenção de Hipócrates, Dioscórides, Galeno e Oribásios, Avicena, Ysacus e outros, visto lhe reconhecerem inúmeras virtudes, além de três serem de grande relevo: afrodisíaca, curativa e tónica. O grão-de-bico seria fortificante do sangue, do corpo, diurético, vermicida, calmante de dores de dentes, anti-reumático, descongestivo dos testículos.
Os romanos apodavam o grão de Cicer arietinum, (Lineu adoptou-o), e o famoso Cícero (Marcus Tullius) recebeu este nome por ter uma verruga no nariz em forma de grão-de-bico (cicer, ciceris), outra versão radica a origem da alcunha no facto de a família ganhar muito dinheiro a vender o grão. Os romanos comiam-nos secos, verdes e em molhos diversos, Dioscórides descreve as espécies da leguminosa, mais tarde o italiano Tommaseo distinguirá quatro variedades: o grão-de-bico rotundo e branco, o branco comum, o vermelho e o negro. No século XII, o botânico muçulmano Abu al –Jayr de Sevilha enuncia as mesmas quatro variedades: o branco, o amarelo, o vermelho e o negro.
O genial Leonardo da Vinci, na célebre obra Notas de Cozinha assegura que a água onde ele esteve de molho, tem a tripla qualidade de: eliminar as lombrigas intestinais, dissolver os cálculos biliares e limpar os rins. A medicina popular continua a atribuir-lhas propriedades, sem esquecer as afrodisíacas já referenciadas pelos romanos e botânicos árabes.
No Tratado de Correcções de Alimentos, Razi acrescenta que os efeitos se multiplicam adicionando-lhe cominhos e pimenta. Os compêndios eróticos enaltecem o grão-de-bico quanto a ser benéfico para as artes do amor, no Jardim Perfumado aconselha-se um preparado à base de suco de cebola e mel diluídos na água onde estiveram a demolhar grãos-de-bico durante um dia inteiro. A água deve ser tomada à noite antes de irmos para a cama. A título de exemplo aludo a mais uma receita desse teor: cuscos de vieiras, amêijoas e berbigões sobre manto de grão-de-bico.
O tratamento culinário do grão-de-bico foi evoluindo com o decorrer dos séculos, de aperitivo puxavante de bebida na Grécia Antiga, até à entrada na alta cozinha de fusão, percorreu a via sacra das sopas, rodeado de verduras, nas sete cozeduras mais ou menos elaboradas.
Apícius deixou nota que na cozinha romana o fritavam servindo-o bem condimentado com sal, cominhos, azeite, e um pouco de vinho, em pastas e saladas. Na Arménia pelo ano mil fazia-se uma pasta de grão cozido ao vapor, os árabes inventaram inúmeros pratos a exaltarem o seu valor nutritivo: em empadas recheadas com tortilhas e bolos. As cozinhas europeias acolheram-no bem, inicialmente recebeu as boas vindas da cozinha catalã e italiana, as restantes imitaram-nas, incluindo a portuguesa de índole rural primeiramente, para depois chegar a todos os lugares de norte a sul do País.
O gracioso grão é actor em numerosos episódios risonhos da história das artes culinárias pelo seu peculiar volume a fazer estragos na roupa do consumidor quando não tem cuidado – um no prato, dois no chão –, é influente nas diferentes receitas de cocido, têm fama os cultivados na zona de Zamora. Tendo tantos predicados até concede favores aos mixordeiros, que após o torrarem e moerem o fazem passar à condição de café, por essa razão na Inglaterra é nomeado por coffe pea, e em França pois café.
Muito popular, a igreja ortodoxa e a igreja católica distinguiam-no como alimento de dias de abstinência, dias de penitência, dias de luto, dias de caridade e pesar. A apologia do grão-de-bico nos actos caritativos, é patente nos jantares que a Santa Casa da Misericórdia de Bragança distribuía aos presos nas quartas-feiras da Quaresma desde a sua fundação, até pelo menos 1721. Na obra A Santa Casa de Bragança, Monsenhor José de Castro conta-nos: “jantar abundante no qual o bacalhau e o grão-de-bico faziam as honras, e o vinho não escasseava”. Na Quinta-Feira Santa o jantar aos presos assumia uma maior solenidade, no do ano de 1659, gastaram-se: 500 reis num alqueire e meio de grãos 3.000 réis em três arrobas de bacalhau, 80 reis em pão para os presos, 680 réis em vinho e 1410 réis em seis caixas de marmelada.
Muito energético porque rico em hidratos de carbono, barato, tornou-se num bem amado da população portugueses, existindo tertúlias cujo prato de convivialidade é grão-de-bico com bacalhau, alho, azeite, colorau e salsa a comporem.
Na culinária transmontana são conhecidas várias formas de apresentação do grão-de-bico tendo em conta a sazonalidade e os produtos existentes, a revista Brigantia (1998) assinala nos pratos de Inverno o caldo de grão-de-bico e o grão-de-bico com bacalhau e arroz, azeite e pimentos. Na mesma revista é publicada uma receita de bacalhau com grão-de-bico e sopas, recolha de Élia Mofreita, informando ser “refeição forte, própria do tempo de calor, nas segadas”.
Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.
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