[Honoré de Balzac]
Na obra Food. A History, faz-se menção à obra Dissertation upon Roast Pig, publicada em 1896, da autoria de Charles Lamb, na qual lembra um porqueiro que por acidente mata alguns leitões num incêndio.
O desastrado rapaz: “enquanto pensava na desculpa a apresentar ao pai, e retorcia as mãos sobre os restos fumegantes de uma daquelas vítimas prematuras, invadiu-o um odor distinto a qualquer outro aroma que pudera ter obtido até ali. Ao mesmo tempo, uma humidade premonitória cobriu o seu lábio inferior e não soube o que pensar. Logo se baixou a tocar no porquinho, para ver se havia algum sinal de vida, tendo queimado os dedos e, para os arrefecer meteu-os na boca como um néscio. Alguns bocados da pele chamuscada tinham-se pegado aos dedos, e pela primeira vez na sua vida (na vida do mundo, na realidade, já que antes dele nenhum homem as tinha conhecido) provou as cascas, como quem diz, a pele do porco.”
A descoberta do porqueiro resultou a que durante muito tempo se queimassem as casas para se obterem leitões assados, mas depois um sábio explicou não ser necessário tão aparatosa e ruinosa prática, pois demonstrou a possibilidade de se chamuscar e cozinhar a carne de porco, ou de outro animal qualquer, sem a necessidade de provocar incêndios. O autor desta obra situa a origem de tão importante descoberta na China, o país onde o porco é vital em todas as comemorações, festas e até cerimónias de pesar, pois tanto as elites sofisticadas como os camponeses tecem eloquentes elogios à sua deleitosa carne. Não admira por isso, que entre no horóscopo chinês.
No Ocidente, Ateneu fornece-nos interessantes relatos sobre a alegria provocada pelo leitão assado quando surgia na mesa dos gregos, relata que Hipóloco os recheava a preceito, Dífilo recomendava a sua assadura com a pele, Esquilo louvava os assados e interrogava : “Que outro prato poderia ser melhor para o homem?”
O sibarita Apícius no De Re Coquinaria apresenta-o nas seguintes fórmulas culinárias: assado com massa e mel, cozido em água e servido quente com molho frio e cru à moda de Apícius, de coentrada, cozido em vinho, à hortelão, à moda de Celsino, à moda de Flaco, à moda de Frontino, à moda de Vitélio, com louro, com liquamen, salpicado com tomilho, com molho ácido, com laser, recheado, molho frio de leitão cozido em água, preparado de leitão à moda de Trajano e molho para leitão de leite.
Estas receitas, esquisitas umas, difíceis de realizar outras, revelam o requinte culinário que o leitão plenamente justificava, tendo este apuro irradiado por todo o império romano, ultrapassou as barreiras do tempo, chegando à actualidade como o podemos comprovar lendo tratados e receituários dedicados apenas ao bacorinho.
Na Idade-Média apesar da continuada vigilância da Igreja contra o pecado da gula, não só através de jejuns, o guloso leitão agradava a gregos e a troianos, membros do alto clero e da nobreza. O povo comia-o raramente, em dias de júbilo, ou então quando algum morria num acidente. Os desfavorecidos da sorte não podiam dar-se ao desplante de imolarem um leitão para satisfazerem o palato, leitão morto, era um porco a menos, essencial na dieta do ano inteiro.
A democratização do consumo de leitão assado é um facto, no entanto, o seu custo continua a ser alto para a generalidade das bolsas, embora os seus amigos prefiram exercer o gosto de o tasquinharem, a manterem o dinheiro na algibeira.
O leitão assado em Portugal sempre teve cultores, uma das receitas – à moda da Bairrada – conseguiu sobrepor-se às restantes pelo facto de desde os tempos da mala-posta (existe uma localidade assim chamada nessa região), as casas de comeres o servirem aos viajantes que passavam na antiga estrada real, posteriormente, na estrada nacional número um. Sem desprimor para o leitão assado na Bairrada, sem qualquer sentimento bairrista ou localista, exalto a receita de leitão recheado à moda de Bragança, que, infelizmente, raramente é praticada nos restaurantes da cidade. Ora, quando o património culinário de matricialidade bragançana não é preservado localmente, não se pode esperar que a receita atinja o resto do País como acontece com a receita bairradina, ou pelo Mundo, caso de outras receitas de origem chinesa, espanhola e francesa só para citar as de proveniências mais conhecidas.
Esta realidade é clara afronta às grandes mestras cozinheiras de antanho da nossa cidade, afronta essa ampliada pelo facto de a obra de chancela oficial Produtos Tradicionais Portugueses, no que tange ao leitão apenas referir o da Bairrada, e o de Negrais. Uma lástima. Vale-nos o facto de os melhores receituários portugueses o lembrarem, em mais do que uma versão. Do mal, o menos! E merece-o inteiramente. O leitãozinho nascido nas aldeias de Bragança quanto destinado a conceder grato prazer palatal na condição de leitão, apenas é alimentado com o leite mamado da teta da porca, devendo imolar-se antes de completar um mês.
Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.
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