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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

LEITÃO, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“A gula é o pecado mais virtuoso”
[Honoré de Balzac]


Na obra Food. A History, faz-se menção à obra Dissertation upon Roast Pig, publicada em 1896, da autoria de Charles Lamb, na qual lembra um porqueiro que por acidente mata alguns leitões num incêndio.
O desastrado rapaz: “enquanto pensava na desculpa a apresentar ao pai, e retorcia as mãos sobre os restos fumegantes de uma daquelas vítimas prematuras, invadiu-o um odor distinto a qualquer outro aroma que pudera ter obtido até ali. Ao mesmo tempo, uma humidade premonitória cobriu o seu lábio inferior e não soube o que pensar. Logo se baixou a tocar no porquinho, para ver se havia algum sinal de vida, tendo queimado os dedos e, para os arrefecer meteu-os na boca como um néscio. Alguns bocados da pele chamuscada tinham-se pegado aos dedos, e pela primeira vez na sua vida (na vida do mundo, na realidade, já que antes dele nenhum homem as tinha conhecido) provou as cascas, como quem diz, a pele do porco.”
A descoberta do porqueiro resultou a que durante muito tempo se queimassem as casas para se obterem leitões assados, mas depois um sábio explicou não ser necessário tão aparatosa e ruinosa prática, pois demonstrou a possibilidade de se chamuscar e cozinhar a carne de porco, ou de outro animal qualquer, sem a necessidade de provocar incêndios. O autor desta obra situa a origem de tão importante descoberta na China, o país onde o porco é vital em todas as comemorações, festas e até cerimónias de pesar, pois tanto as elites sofisticadas como os camponeses tecem eloquentes elogios à sua deleitosa carne. Não admira por isso, que entre no horóscopo chinês.
No Ocidente, Ateneu fornece-nos interessantes relatos sobre a alegria provocada pelo leitão assado quando surgia na mesa dos gregos, relata que Hipóloco os recheava a preceito, Dífilo recomendava a sua assadura com a pele, Esquilo louvava os assados e interrogava : “Que outro prato poderia ser melhor para o homem?”
O sibarita Apícius no De Re Coquinaria apresenta-o nas seguintes fórmulas culinárias: assado com massa e mel, cozido em água e servido quente com molho frio e cru à moda de Apícius, de coentrada, cozido em vinho, à hortelão, à moda de Celsino, à moda de Flaco, à moda de Frontino, à moda de Vitélio, com louro, com liquamen, salpicado com tomilho, com molho ácido, com laser, recheado, molho frio de leitão cozido em água, preparado de leitão à moda de Trajano e molho para leitão de leite.
Estas receitas, esquisitas umas, difíceis de realizar outras, revelam o requinte culinário que o leitão plenamente justificava, tendo este apuro irradiado por todo o império romano, ultrapassou as barreiras do tempo, chegando à actualidade como o podemos comprovar lendo tratados e receituários dedicados apenas ao bacorinho.
Na Idade-Média apesar da continuada vigilância da Igreja contra o pecado da gula, não só através de jejuns, o guloso leitão agradava a gregos e a troianos, membros do alto clero e da nobreza. O povo comia-o raramente, em dias de júbilo, ou então quando algum morria num acidente. Os desfavorecidos da sorte não podiam dar-se ao desplante de imolarem um leitão para satisfazerem o palato, leitão morto, era um porco a menos, essencial na dieta do ano inteiro.
A democratização do consumo de leitão assado é um facto, no entanto, o seu custo continua a ser alto para a generalidade das bolsas, embora os seus amigos prefiram exercer o gosto de o tasquinharem, a manterem o dinheiro na algibeira.
O leitão assado em Portugal sempre teve cultores, uma das receitas – à moda da Bairrada – conseguiu sobrepor-se às restantes pelo facto de desde os tempos da mala-posta (existe uma localidade assim chamada nessa região), as casas de comeres o servirem aos viajantes que passavam na antiga estrada real, posteriormente, na estrada nacional número um. Sem desprimor para o leitão assado na Bairrada, sem qualquer sentimento bairrista ou localista, exalto a receita de leitão recheado à moda de Bragança, que, infelizmente, raramente é praticada nos restaurantes da cidade. Ora, quando o património culinário de matricialidade bragançana não é preservado localmente, não se pode esperar que a receita atinja o resto do País como acontece com a receita bairradina, ou pelo Mundo, caso de outras receitas de origem chinesa, espanhola e francesa só para citar as de proveniências mais conhecidas.
Esta realidade é clara afronta às grandes mestras cozinheiras de antanho da nossa cidade, afronta essa ampliada pelo facto de a obra de chancela oficial Produtos Tradicionais Portugueses, no que tange ao leitão apenas referir o da Bairrada, e o de Negrais. Uma lástima. Vale-nos o facto de os melhores receituários portugueses o lembrarem, em mais do que uma versão. Do mal, o menos! E merece-o inteiramente. O leitãozinho nascido nas aldeias de Bragança quanto destinado a conceder grato prazer palatal na condição de leitão, apenas é alimentado com o leite mamado da teta da porca, devendo imolar-se antes de completar um mês.

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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