Ecos da guerra civil espanhola na raia transmontana
A guerra civil espanhola terminou em 1939, mas a resistência armada à ditadura vitoriosa prolongou-se por dezenas de anos. A última morte violenta de um guerrilheiro antifranquista – Ramon Varela – ocorreu em 1967 na Galiza, o que mostra bem a duradoura resistência desses homens e mulheres escondidos nas serras e aldeias isoladas.
Não foram poucos. Provam-no as cinco mil a seis mil prisões registadas, bem como a detenção de cerca de 20 mil dos seus familiares ou apoiantes. Mas é escassa a informação sobre esta componente do conflito espanhol – hoje em dia tema de abundante produção editorial. Estes homens, que nem tinham direito a ser enterrados em cemitérios – ainda há poucos anos seis deles foram exumados do alcatrão das ruas da aldeia de Canedo, província de Léon –, participaram numa saga tenebrosa que (afirma Secundino Serrano em "Maquis, História da Guerrilha Antifranquista", a que aqui se recorre) "continua proscrita na historiografia académica sobre a ditadura franquista".
Durante muitos anos a sua memória foi conservado pelos aldeões que transmitiram a outros a passagem dessa gente pelas suas vidas.
É, em boa parte, desse tipo de lembranças que vive o livro "Guerrilheiros Antifranquistas em Trás-os-Montes" de Bento da Cruz, de Bento da Cruz, que colige episódios da pouco conhecida "invasão" dos aguerridos sobreviventes da guerra civil espanhola pela terra natal do autor.
A raia de Trás-os-Montes começou a ver chegar espanhóis pouco depois do levantamento fascista, em 1936. "Em quase todas as aldeias do Barroso havia espanhóis", recorda o autor. "Vieram de certo modo preencher as vagas dos criados de servir" e em breve "passaram a ser preferidos e tratados como pessoas de família" pelos lavradores que os usavam. "Este estado de graça durou até ao Verão de 1938", refere Bento da Cruz, quando um GNR de Boticas mata um desses fugitivos e é, meses depois, abatido por esse crime. Depois dos refugiados, tinham chegado os guerrilheiros. Entre a repressão e uma fuga quase impossível de uma Galiza desde o início nas mãos dos franquistas, haviam escolhido as montanhas. De um lado e de outro da fronteira, os "fuxidos" dão os seus "golpes económicos", ou "atracos" – que por vezes acabam com mortos – e voltam a dispersar por aldeias como Nantes, Curral das Vacas, Sernande, Cambedo, Alturas de Barroso ou Paradela.
Fugas, assaltos e roubos, confrontos com a tropa e a GNR, valentias e traições são aqui registadas, de par com algumas figuras mais notórias dessas aventuras desesperadas, de guerrilheiros como Marcelino Villanueva, "O Gafas", mineiro, Manuel Girón Bazán, lavrador, ou Manuel Alvarez Árias, "El Bailarin", carteiro. Imagens de vários desses homens e mulheres, bem como um mapa do percurso de uma incursão guerrilheira, são também inseridos nestes relatos de um período violento e obscuro de uma pequena parte da Península Ibérica.
Livro negro, onde não faltam minuciosos registos de crimes e torturas, "Guerrilheiros Antifranquistas", da Âncora Editora, dá – mesmo quando, aqui e ali, se desenrola em saltos ou com um encadeamento difícil – um retrato duro dessa época terrível na região do Barroso, a cujos filhos é sobretudo dedicado.
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