domingo, 5 de julho de 2020

Celióbriga e Britónia não correspondem à Bragança actual

Ignoro em que se fundam alguns autores, e mesmo de quem partiu originariamente a notícia, de que Bragança também no tempo romano se chamou Coeliobriga.
Carvalho da Costa, que escreveu em 1706, segue a já refutada opinião de que Bragança foi a Julióbriga assim dita de Brigo IV, rei de Espanha, seu fundador e Júlio César, seu reedificador, como atrás escrevemos, e mais acrescenta que os latinos lhe chamaram Celióbriga.
O grande investigador Viterbo, em sua imortal obra o Elucidário, publicado em 1798, baseado na lápide aparecida em Castro de Avelãs:

DEO AERNO
ORDO
ZOELAR.
EX VOTO.

(A Ordem dos Zoelas levantou esta memória ao deus Aerno em cumprimento de um voto), escreveu que os Zoelas da inscrição deixavam supor a existência duma povoação deste nome pelas imediações onde apareceu a lápide, e como Briga «na primitiva língua dos espanhóis sempre significou cidade, fica natural se dissesse Zelóbriga ou Celióbriga esta cidade, ou notável povoação dos Zoelas», de onde presumiu que Bragança fora chamada antigamente Celióbriga, isto é, a Celióbriga de Ptolomeu, que, sem dúvida, tinha em vista, ao dar-nos tal etimologia, em discordância com as leis filológicas.
Igual opinião seguiu o padre Cardoso em seu Dicc. Geographico (1751), e depois José Avelino Almeida no Dicc. Abreviado (1866).
O nome de Zelóbriga, Celióbriga, Caelióbriga, Coelióbriga, Calióbriga, dado gratuitamente e sem fundamento algum por estes autores à nossa Bragança, merece-nos tanta consideração como Julióbriga, a que já nos referimos, e iguais motivos de estranheza os escritores modernos que o perfilharam, como Pires, Lopo e os diversos autores das vulgarmente chamadas Folhinhas, para guia na recitação do Ofício Divino e mais liturgia da diocese de Bragança, e mesmo cadernos especiais do nosso bispado, apensos aos missais que, há quase dois séculos, que eu saiba, e talvez haja mais, vêm intitulando tais publicações para uso Dioecesis Coeliobrigensis. Recentemente, como que reconhecendo a asneira, alteraram um pouco e escreviam Dioecesis Brigantinoe vel Coeliobrigensis e por último, em 1905, pela morte do calendarista P.e João Maria Pinto da Gama, sucedendo-lhe no cargo o Dr. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, lente de teologia na Universidade de
Coimbra, já vejo banida do Calendarium et Ordo Officii Divini Recitandi, a tal parvoiçada de dizer-se que a diocese brigantina é a mesma que a Caliobrigense.
Honra seja ao sábio lente, por nos livrar duma afronta que estava constantemente arguindo a nossa insciência.
Manuel António Pires, acima citado, não contente com afirmar que Bragança se chamara antigamente Julióbriga, depois Celióbriga, diz que posteriormente, desde o século VI, depois de Cristo, até ao IX (872), também tivera o nome de Britónia!!! Tal dislate não merece refutação, e sejam quais forem os escritores em que se fundou para o afirmar, que teve o cuidado de não citar, apesar de asseverar que os havia, vê-se que ao perpetrar tal necedade, se obedeceu ao plano de Roman de la Higuera, Lousada e quejandos ejusdem fusforis, que mimoseavam a seu bel capricho povoados que queriam honrar com nomes arcaicos de outros extintos, cuja situação topográfica se ignorava e dos quais etiam ruinæ perierunt, no dizer de Lucano.
Ptolomeu, ao tratar dos povos pertencentes à chancelaria de Braga, menciona os coelerinorum e a cidade de Coeliobriga (é esta a verdadeira grafia) por sua capital, que situa entre 6° de longitude e 42°,20' de latitude. Para a situação desta nenhuns outros esclarecimentos nos fornece este geógrafo; igual escassez se encontra nos outros. São, porém, suficientes para nos mostrar: que Julióbriga, por ele situada nos Cântabros, entre 12°,10' de longitude e 44° de latitude, nunca deve identificar-se com Coeliobriga, cidade dos coelerinorum, que pertenciam à chancelaria de Braga, Callaici Bræcarii, por haver entre as duas cidades uma tão notável diferença de situação. Pelo modo como Ptolomeu arrumou as terras na sua obra, vemos que logo acima da foz do rio Douro, que situou entre 5°,20' de longitude e 41°,50' de latitude, a primeira terra que encontrou digna de menção foram os coelerini com a sua cidade Coeliobriga, a qual, pelas confrontações estabelecidas à foz do rio Avi, primeiro mencionado logo acima do Douro, devia ser banhada em seu território por aquele.
É por isso que Argote, com João de Barros em suas Antiguidades de Entre-Douro-e-Minho, disse que Celióbriga devia ficar pelas imediações de Celorico de Basto, de cujo território aponta uma lápide do imperador Adriano.
Plínio também menciona os povos coloerni; cala, porém, o nome da sua cidade, limitando-se apenas a dizer que pertenciam à jurisdição de Braga. Serão diversos destes os coelerini de Ptolomeu, ou apenas variante da mesma lição, talvez mais genuína, atenta a notícia da célebre inscrição de Chaves, que entre uma das dez cidades que menciona, aponta esta?
Cardoso seguiu a opinião de Barros, mas talvez inadvertidamente dá a entender que é Celorico da Beira, no bispado da Guarda; a mesma teve depois Castro, no que ainda assim padeceu engano, dizendo-nos que Argote cita uma inscrição lapidar, de onde isso consta, sendo que o cipo apenas prova a existência ali de civilização romana e que Castro não leu Argote, ou o fez irreflectidamente ou não percebia nada de epigrafia, como pode verificar-se vendo a inscrição que este transcreve no lugar já citado.
Podem também dizer-nos que a existência da Celióbriga que levamos dita não contraria outra na actual Bragança de Trás-os-Montes.
Mas para que será meter-nos em tentações com hipóteses puramente gratuitas quando os geógrafos e historiadores gregos e romanos não subministram vislumbres que fundamentem tão cerebrina concepção?!
Bragança tem pergaminhos arcaicos muito autênticos que a nobilitam sem precisar de recorrer a monumentos apócrifos.
Actualmente, no meio da ponte de Chaves, existe um célebre padrão com uma importantíssima inscrição, notável pelas notícias histórico-geográficas que contém, a qual tem sido copiada por quase todos os epigrafistas ibéricos e muitos estrangeiros, desde Vaseo em seu Chronicon, primeiro que dela deu notícia, até ao alemão Hübner.
Aponta ela dez cidades, cabeças de outros tantos povos, entre os quais figuram os coelerni, que o notável antiquário espanhol Aureliano Guerra y Orbe localiza em Ansiães, vila do distrito de Bragança, sem mais fundamento do que quadrar-lhe assim bem para uma divisão empírica da Espanha antiga e até com o notável equívoco de nos dar errada a etimologia de Ansiães, que deriva de velho, antigo, quando ela provém do nome próprio Ansilio Anes, seu primeiro fundador, ou que por qualquer circunstância legou o nome à terra, como se deduz do seu primeiro foral.
De onde se vê que, embora Plínio nos fale nos povos zoelas, não podemos, visto que este autor o não diz, nem outro desse tempo, dar-lhe, como pretende Viterbo, uma quimérica Zelóbriga por sua cidade, no intuito de arranjar-lhe uma cerebrina etimologia tendente a enquadrar Celióbriga em Bragança e nem tal étimo «é o que mais se acomoda aos factos conhecidos», como pretende Lopo. 
De tanta divergência de opiniões concluem alguns que existiu Celióbriga, capital dos povos celerinos, na província do Minho, e Celióbriga, capital dos zoelas, próximo do rio Sabor, no território da actual freguesia de Castro de Avelãs.
A opinião de que Bragança também se chamou Britónia é tão disparatada que não merece a pena refutá-la, e por isso nada diremos sobre ela. Parece que, como a sua localização é muito contestada entre os antiquários, se emitiu a opinião de a encabeçar em Bragança, mas muito estupidamente, pois restam muitos documentos que, conquanto não permitam determinar de um modo preciso o local onde assentava, bem deixam ver contudo que nunca poderia ser em Bragança. 
Adiante apresentaremos um documento pertencente à Sé de Astorga que mostra como Bragança coexistiu com Britónia passante de cem anos, sendo por isso povoados distintos.




Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança

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